Luis Fernando Verissimo: O fim da supremacia americana
EUA não entenderam sua própria excepcionalidade
Publicado 13/08/2020 15:00
Wade Davis é um antropólogo canadense formado em Harvard, com vários livros publicados (nenhum, que eu saiba, traduzido no Brasil). Num artigo recente ele compara o horror do coronavírus com outras pandemias que mudaram o curso da história, como a Peste Negra, que liquidou com um terço da população da Europa no século 14 e causou revoltas e privações que, por sua vez, acabaram com o feudalismo que dominara o mundo por mil anos.
Para Davis, entre os estragos provocados pela nova pandemia, está o fim da supremacia americana. O autor divide a história em supremacias. O século 15 seria o da supremacia de Portugal, com sua voracidade por mares nunca antes navegados. O século 16 seria da Espanha. O 17, da Holanda. O 18 da França; e o 19, da Inglaterra.
A partir do fim da 2ª Guerra Mundial, séculos sem fim seriam dos Estados Unidos, que saíram da guerra como a maior potência do mundo, capaz não apenas de ajudar a Europa a se recuperar dos estragos deixados pela guerra, como de distribuir os benefícios da sua supremacia entre uma imensa classe média interna (taxando os mais ricos em quase 90% da renda, é bom lembrar). Uma classe consumidora formada em grande parte pela geração que voltava da guerra, com direito à educação subvencionada e à certeza de emprego numa economia mobilizada pelo tal complexo militar industrial, que nunca se desmobilizou.
O século americano durou pouco, segundo Davis, porque os americanos não entenderam sua própria excepcionalidade ou se julgaram excepcionais pelas razões erradas. A classe bilionária é subtributada, o capital desenfreado comanda as transações num sistema financeiro que existe para servir à classe bilionária, questões como a desigualdade e conflitos raciais só pioram no país – e ainda me elegem o Trump!
Davis é professor no Canadá e usa o contraste entre as duas sociedades para criticar os Estados Unidos, que até hoje não têm um sistema de saúde pública parecido com o dos canadenses ou da maioria dos países civilizados do mundo. Não sei o que o professor conhece da situação no Brasil com relação ao coronavírus. Se souber o que andam fazendo por aqui, ele talvez pegue mais leve com o Trump.