De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A renegociação da dívida pública argentina, as tensões entre China e EUA, o decreto de prisão do ex-presidente da Colômbia e os efeittos ainda muito intensos da explosão no porto de Beirute estão entre os temas abordados por Ana Prestes em sua análise da conjuntura international de hoje.

Uma notícia importante dessa semana é a do anúncio pela Argentina da reestruturação de sua dívida. Segundo o governo argentino, depois de vários meses de negociação e três fracassos iniciais, foi alcançado um acordo com os três principais grupos de credores privados do país. Trata-se de um montante devedor de 66 bilhões de dólares. A Argentina está em recessão econômica desde 2018 e em default (suspensão dos pagamentos da dívida) desde 22 de maio. Essa é apenas uma parte da dívida argentina. Há ainda um montante de 44 bilhões (tomados emprestados em 2018) a serem negociados com o FMI. No total, a dívida pública argentina passa dos 320 bilhões de dólares, quase 90% de seu PIB. Segundo os críticos do acordo, como o economista Julio Gambina, o acordo assegura previsibilidade ao sistema financeiro e aos setores econômicos hegemônicos. Além disso, desarticula a possibilidade de uma auditoria da dívida e por isso o acordo é comemorado pela oposição e pelos organismos externos como o FMI. Outro fator que está na mesa tem a ver com as reformas que terão que ser feitas para garantir o pagamento da dívida, pois mesmo que os pagamentos tenham sido postergados, eles não foram anulados. Há preocupação de que os setores sociais e populares sejam as maiores vítimas das reformas, embora o presidente Fernández tenha conduzido à presidência com um forte tom antineoliberal. Segundo Fernández, com o acordo, a Argentina “recuperou autonomia de decisão e definição do país que queremos”.

O Senado brasileiro aprovou ontem (5) o texto do acordo que torna o Brasil membro fundador do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII). Agora vai para a promulgação pela Presidência da República. O acordo foi assinado em 2015. O Banco tem sede em Pequim, na China, e iniciou suas atividades em 2016. Além do Brasil, outros 56 países se encontram na mesma condição de membros fundadores, muitos em fase de ratificação ainda. O Banco já financia 63 grandes projetos de infraestrutura ao redor do mundo. O primeiro aporte brasileiro ao banco deveria ser de 3,18 bilhões de dólares, mas o governo brasileiro anunciou que só vai participar inicialmente com 5 milhões de dólares. O país que até agora havia anunciado o menor aporte era Malta, com 172 milhões. Segundo o senador Jean Paul Prates (PT-RN), que fez o relatório favorável à aprovação do acordo, a drástica redução da participação brasileira “pode, no longo prazo, causar mais prejuízos ao Brasil do que a economia feita no curto prazo”.

Em sua crescente escalada de ataques à China, os EUA promoverão o encontro diplomático de mais alto nível com a província chinesa de Taiwan em 40 anos e a primeira visita de um ministro de Estado americano desde 2014. Tsai Ing-wen – que se apresenta como presidente de Taiwan – receberá o ministro de saúde dos EUA, Alex Azar. A visita já seria provocadora em qualquer circunstância e ficou ainda mais pela escolha do tema. EUA e Taiwan, com o encontro, engrossam a narrativa de que o mundo é vítima de um vírus chinês. Segundo o ministro da saúde americano, ele espera com a visita “transmitir o apoio do presidente Trump à liderança global em saúde de Taiwan e enfatizar nossa crença compartilhada de que sociedades livres e democráticas são o melhor modelo para proteger e promover a saúde”.

Uma situação que não havia comentado ainda aqui no De Olho no Mundo, foi a do alarme soado pelo Equador quanto à proximidade de navios pesqueiros chineses das ilhas Galápagos. O presidente Lenin Moreno tentou fazer disso uma grande questão e chegou a dizer que se tratava de uma invasão chinesa, com 260 embarcações, à região das ilhas que fazem parte do território de soberania equatoriana e de sua zona econômica exclusiva. O Equador formalizou a reclamação com autoridades chinesas e o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, não demorou muito para declarar apoio a Moreno na questão. A chancelaria chinesa respondeu as declarações de Pompeo dizendo que “gostaria de lembrar às autoridades americanas que seu país não ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e, portanto, não está credenciado para fazer críticas injustificadas”. O incidente se deu no final de julho.  No dia de ontem (5), a China anunciou uma proibição de pesca para suas embarcações na região de Galápagos e que as diferenças com o Equador foram sanadas. As ilhas Galápagos são um santuário ambiental de cerca de 40 mil km2 de extensão.

O ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe, teve sua prisão domiciliar decretada pela Suprema Corte da Colômbia na terça-feira (4) e ontem recebeu diagnóstico de infecção pelo novo coronavírus. Uribe é investigado por manipulação de testemunhas quando já era Senador em 2012 e pode ser condenado por prática de suborno e fraude processual com até 8 anos de prisão. Mas na verdade, Uribe carrega um histórico de muitos danos à Colômbia e em especial à paz no país. Hoje Senador, ele governou como presidente entre 2002 e 2010 e sua relação com os paramilitares é notória e sabida. Ele foi também o fundador do partido Centro Democrático e mentor do atual presidente Iván Duque, do mesmo partido. Duque se pronunciou sobre a prisão dizendo que “sempre acreditará na inocência de Álvaro Uribe” e que “sua honorabilidade está em todo o seu comportamento”. Existe hoje na Colômbia um verdadeiro uribismo como corrente política da direita radical e que foi uma das maiores detratoras dos acordos de paz com as FARC alcançados pelo presidente Juan Manuel Santos, que sucedeu a Uribe na Presidência e antecedeu Duque.

Donald Trump

Trump já havia tido conteúdo apagado pelo Twitter e agora foi a vez do Facebook que pela primeira vez apagou uma publicação do presidente americano. Segundo a rede social, o presidente violou sua política de fake news sobre a Covid-19. Na postagem, havia um trecho de uma entrevista de Trump à Fox News em que ele dizia que as crianças são quase imunes ao novo coronavírus. O YouTube também retirou o vídeo da conta do presidente. E o Twitter retirou o mesmo vídeo da conta da campanha de Trump na plataforma.

O emirado de Ajmã, nos Emirados Árabes Unidos, registrou ontem (5) um incêndio de grandes proporções e cujas imagens assustaram o mundo. O fogo começou no fim da tarde, por volta das seis horas e se deu em um mercado desativado há seis meses. Nas proximidades fica um hospital que precisou ser evacuado. Não houve vítimas e a causa ainda não foi identificada. O incidente assustou por se dar no Oriente Médio e no mesmo horário, ao final da tarde, dois dias após a grande explosão do porto de Beirute no Líbano.

O governo libanês atualizou o número de vítimas da explosão na região portuária de Beirute da última terça (4) para 137. O número de feridos subiu para a casa dos 5 mil. Dezenas ainda estão desaparecidas. Os desabrigados estão em torno de 300 mil. O país carece de leitos hospitalares e equipamentos médicos para dar conta de todos os feridos. O presidente francês, Emmanuel Macron viajou ao país com equipes de resgate e suprimentos e esteve hoje no local da explosão. Já a ajuda oferecida por Israel foi recebida com silêncio e distanciamento. Os dois países são considerados inimigos e não possuem relações diplomáticas. 

O embaixador do Líbano no Brasil, Joseph Sayah, disse que seu país precisa de insumos hospitalares, alimentos e materiais de construção. Ainda segundo o embaixador, o Líbano importa cerca de 80% de suas necessidades e o porto destruído era um local de armazenamento desses bens trazidos de fora. Está em negociação o envio pelo governo brasileiro de 20 toneladas de suprimentos. Por conta da crise econômica que já vivia antes da explosão, o Líbano convive agora com o temor do desabastecimento. Grande parte dos grãos que abastecem todo o país estavam ali. A maior parte do trigo, por exemplo, vem da Rússia e da Ucrânia.

Por conta da pandemia do novo coronavírus, este ano o Japão não realizou a cerimônia das lanternas flutuantes de Hiroshima que ocorre a cada 6 de agosto em memória às vítimas da bomba atômica. Em 2020 completa-se 75 anos do ocorrido.

Errata: nas Notas do dia 4 de agosto há uma imprecisão quanto ao volume de petróleo descoberto na Guiana. O dado correto é de que o país tem potencial de chegar à produção de um milhão de barris/dia.

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