Dilemas econômicos do Brasil no cenário mundial

O crescimento da indústria do Brasil em junho, pelo segundo mês seguido, é um dado que chama a atenção. O noticiário econômico se apressou em dizer que o pior do impacto econômico da pandemia de Covid-19 teria ficado para trás, mas a história não é bem essa.

Economia mundial

Esse diagnóstico se baseia na produção industrial de junho, que avançou 8,9% sobre o mês anterior, depois de alta de 8,2% em maio, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado mensal foi o mais elevado desde junho de 2018 (+12,9%), quando o setor retomou a produção logo após a greve dos caminhoneiros. Em maio e junho, o ganho acumulado foi de 17,9%.

Houve, sim, uma retomada, mas insuficiente para reverter a queda acumulada de 26,6% de março e abril. “O saldo negativo desses quatro meses é bastante relevante (-13,5%)”, afirmou o gerente da pesquisa, André Macedo. “É preciso relativizar o resultado que ocorre sobre base muito depreciada.” “Claro que é um resultado positivo, temos uma volta gradual da produção, mas são avanços sobre uma base frágil”, explicou, segundo a agência Reuters.

De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a indústria perdeu em janeiro–abril de 2020 tudo aquilo que perdeu em janeiro–dezembro de 2015, o pior ano da história recente do setor. A queda acumulada em ambos os casos foi de 8,2% frente aos mesmos períodos dos anos anteriores. E mais grave: contribuíram tanto as medidas de isolamento social como a queda acentuada das exportações de manufaturados, rupturas de cadeias de fornecedores e o quadro de elevado medo e incerteza, bloqueando decisões de investimento e de consumo de muitos bens industriais.

A consequência aparece na pesquisa Focus do Banco Central (BC), indicando que a economia brasileira vai encolher 5,66% este ano, com a produção industrial retraindo 7,92%. Isso depois da queda na produção industrial brasileira de 18,8% na passagem de março para abril deste ano, segundo o IBGE. É a maior queda registrada pela Pesquisa Industrial Mensal (PIM) desde o início de sua série histórica, em 2002. Em relação a abril de 2019, o recuo foi de 27,2%, outro recorde. Em 12 meses, a queda acumulada foi de 2,9%.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou o resultado de uma pesquisa com 402 executivos de indústrias de médio (50 a 249 empregados) e grande porte (250 ou mais empregados), em todos os estados, mostrando que a atual situação de pandemia e de crise econômica provocou mudança importante na relação com os trabalhadores, na linha de produção, nas vendas, na gestão logística, na cadeia de fornecedores e no controle de estoques. Cerca de sete (69%) em cada dez empresas perderam faturamento.

Projeções razoáveis

Diante desses dados, a expectativa tem sido bastante cautelosa. Embora haja uma certa tendência à imitação de Nostradamus – o homem que viu o amanhã – entre os economistas, as projeções parecem bastante razoáveis. A maioria dos executivos entrevistados (83%) acredita que o momento pós-Covid-19 exigirá inovação da indústria para crescer ou, ao menos, sobreviver no mercado. Segundo eles, a linha de produção deve ser a área prioritária para receber inovações (58%).

De acordo com a diretora de Inovação da CNI, Gianna Sagázio, a crise está mostrando a importância de investir em inovação. “A superação da crise passa por investimentos em inovação. O mundo pós-pandemia reconhece ainda mais o valor da inovação”, disse ela em entrevista à Agência Brasil. E completou: “A inovação fortalece a indústria e a indústria cria mais empregos de qualidade, e qualidade de vida para as pessoas. Não existe país desenvolvido sem indústria forte.”

Renato da Fonseca, gerente-executivo de Economia da CNI, disse à Sputnik Brasil que o investimento público é fundamental para a retomada da economia. Segundo ele, as incertezas seguem elevadas, tanto que o índice de confiança dos industriais é o menor já registrado. A única certeza no momento é a expectativa pela ajuda de Brasília. “As empresas estão sem receitas, mas continuam com despesas do dia a dia, como pagamento de salários, pagamento de aluguel, os fornecedores”, afirmou.

Para Fonseca, é muito importante a entrada do governo na questão do financiamento. “Esse é um dos grandes entraves que estamos enfrentando agora. As linhas de financiamento não estão chegando nas empresas e, para isso, o governo tem que entrar com garantias do Tesouro Nacional para que as instituições financeiras, sejam públicas ou privadas, repassem esses recursos às empresas sem medo de insolvência”, diagnosticou.

O gerente de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Jonathas Goulart, tem o mesmo diagnóstico. De acordo com ele, a ajuda governamental é fundamental para manter e reanimar o setor industrial brasileiro. Além da dificuldade de obter financiamento junto a bancos públicos e privados, os industriais brasileiros se veem diante de um afrouxamento das medidas de distanciamento social em outros países, algo que pode impactar o Brasil.

Recuperação da China

São constatações que remetem à análise sobre como outras economias estão enfrentando a crise. Na China, a atividade industrial expandiu no ritmo mais forte em quase uma década em julho. A demanda doméstica puxou a recuperação, após a crise de coronavírus, enquanto a exportação e o emprego permaneceram fracos. A avaliação é de que a segunda maior economia do mundo está retomando o ritmo mais rápido do que o esperado.

Segundo o Banco Mundial, a recuperação superou a expectativa. “É realmente maior do que havíamos projetado em junho, quando divulgamos nosso relatório Perspectivas Econômicas Globais e atualizamos nossa previsão”, disse Martin Raiser, diretor de País do Banco Mundial para a China, em entrevista à agência Xinhua.

Entre as medidas adotadas estão mais gastos fiscais, cortes nas taxas de juros de empréstimos e requisitos de reserva dos bancos. O Banco Popular da China (o banco central do país) injetou dinheiro no sistema bancário, num total 80 bilhões de iuanes (US$ 11,45 bilhões). A injeção visa a manter liquidez estável no sistema bancário, disse o Banco Central.

Europa e Estados Unidos

Na Europa, os 27 líderes chegaram a um cordo para superar os estragos do coronavírus com um fundo de 750 bilhões de euros. O principal efeito da crise é a taxa de desemprego na Zona do Euro, de quase 8%, conforme o escritório de estatística Eurostat. A estimativa é de que 15,023 milhões de trabalhadores na União Europeia (UE), dos quais 12,685 milhões na área do euro, estavam desempregados em junho.

Nos Estados Unidos, a situação é bem mais dramática. Além do fracasso em controlar a pandemia, o país ostenta níveis de desemprego da Grande Depressão. Uma breve recuperação impulsionada por tentativas prematuras de retomar os negócios não se sustentou. Para piorar, a ajuda aos desempregados expirou e as negociações para prorrogá-la estão estagnadas.

Nas palavras de Paul Krugman, em sua coluna no jornal The New York Times, os “falcões deficitários” são o principal empecilho, alegando que ajudar os desempregados agregará muito à dívida nacional. “Uso as citações assustadoras porque, até onde sei, nenhum dos políticos que afirmam que não podemos dar ao luxo de ajudar os desempregados levantou objeções à redução de US $ 2 trilhões em impostos de Donald Trump para empresas e ricos”, escreveu ele.

Segundo Krugman, o Partido Republicano não gosta de especialistas e não tem ideias além de cortes de impostos e desregulamentação. “Portanto, não sabe como responder a crises que não se enquadram na sua agenda habitual”, afirmou. De acordo com ele, o presidente Donald Trump, em particular, pode fazer teatro, mas não tem ideia do que fazer.

E conclui: “Quaisquer que sejam as razões, está ficando cada vez mais claro que os americanos que sofrem as consequências econômicas da Covid-19 receberão muito menos ajuda do que deveriam. Já condenando dezenas de milhares de pessoas a morte desnecessária, Trump e seus aliados estão condenando dezenas de milhões a dificuldades desnecessárias.”

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