Marx e Engels, muito além do socialismo (parte 1)

A ideia de igualdade futura não foi a contribuição marxista mais original

Alguém me perguntou qual foi a grande contribuição teórica de Marx (e Engels) para a humanidade – se terá sido a ideia de socialismo/comunismo. Não, não foi. A ideia de uma sociedade justa, composta por iguais, é bem mais antiga. Aliás, remonta à Antiguidade Clássica, especialmente entre os gregos das cidades-estados, de pelo menos 2.500 anos atrás.

Alguém haverá de dizer que os gregos eram escravistas e não há como pensar em igualdade em uma sociedade baseada no trabalho escravo. Verdade! Mas a concepção grega de igualdade (não de igualitarismo, vejam bem) dizia respeito aos cidadãos. Só que esta é uma conversa mais longa – que merece tempo, fatos e explicações complexas.

Antes de Marx e Engels, o cristianismo primitivo, entre os séculos 1, 2 e 3, pregava, aberta e militantemente, a formação de uma sociedade igualitária, baseada na distribuição dos bens. Tem gente que se irrita com a aplicação do termo “comunismo” para o cristianismo primitivo, mas é disso mesmo que se trata, gostem ou não gostem os pouco afeitos à compreensão sobre o cristianismo daqueles tempos.

Alguém haverá de dizer que, pelo fato de não propagar a socialização dos meios de produção – mas, sim, a dos bens de consumo entre os membros das comunidades cristãs –, isso não configura a defesa de uma sociedade de iguais. Bem, estamos falando de comunidades de 2 mil anos atrás, que viviam à base da divisão dos bens entre seus membros. Isso, por si só, já era uma visão bem avançada para a época, em pleno Império Romano, com uma classe dominante enriquecida, corrupta ao extremo e que subjugava o próprio povo e povos estrangeiros para seu luxo e prazer.

Mais à frente, no pós-Revolução Francesa, tivemos o surgimento de diversos grupos que passaram a propagar a ideia de socialismo/comunismo, dentro da França e em outros países da Europa. Um dos pilares do pensamento iluminista francês – é bom que se registre – foi a obra de Jean Jacques Rousseau, que, no célebre Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens, cravou, sem vacilo, que a causa de toda a tragédia humana é, sem meias palavras, a “propriedade privada”, termos dele, não meus.

Foi daquela movimentação intelectual e política que brotou o que se convencionou a chamar de “socialismo utópico”, expresso principalmente nas ideias da “santíssima trindade” do socialismo pré-Marx: Saint Simon, Robert Owen e Charles Fourrier.

Lênin, no curto mas importante ensaio O que é Marxismo – ou As Três Partes e as Três Fontes Constitutivas do Marxismo –, identificou com justeza que o pensamento marxista era herdeiro direto da economia política clássica britânica (especialmente de Adam Smith e David Ricardo), da filosofia alemã (sobretudo do pensamento de Friedrich Hegel) e do socialismo francês – do socialismo utópico, portanto. Como sempre, ninguém desenvolve teorias ou análises partindo do zero. Por trás de toda grande obra teórica, há muito estudo sobre a produção intelectual anterior. É assim que funcionam as coisas.

Então, se não é a ideia de igualdade futura a contribuição mais original de Marx/Engels, qual é? Falaremos disso amanhã (3) na segunda parte deste artigo.

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