Reestruturação urbana para saneamento não será feita por privatização
Urbanista alerta que “existe o risco de o novo formato proposto pelo marco do saneamento básico não garantir que os problemas mais importantes sejam efetivamente atendidos”
Publicado 17/07/2020 23:26 | Editado 18/07/2020 00:36
O Senado aprovou o novo marco legal do saneamento básico (PL 4.162/2019). O texto prorroga o prazo para o fim dos lixões, facilita a privatização de estatais do setor e extingue o modelo atual de contrato entre municípios e empresas estaduais de água e esgoto. Transforma os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal. O texto também torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas.
Segundo Nabil Bonduki, professor titular de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e, entrevista à Rádio USP, isto pode estimular investimentos privados em saneamento urbano, mas não garante que o investimento vá para onde é mais necessário.
O atual sistema com empresas estaduais funciona razoavelmente, baseado em subsídio cruzado, em que municípios de maior rentabilidade compensam pequenos municípios (menos de 20 mil habitantes), que são quatro mil dos mais de cinco mil municípios brasileiros. No novo sistema, empresas privadas vão querer atuar apenas em municípios lucrativos, deixando os pequenos para estatais que não terão a vantagem do subsídio cruzado para financiar investimentos onde é necessário.
Por outro lado, Bonduki observa que, em cidades rentáveis como São Paulo, os principais problemas de saneamento básico se dão em assentamentos precários, as favelas ou ocupações irregulares. “Esses locais exigem um projeto e obra de urbanização complexa, que envolve aspectos sociais, remoção de população, construção de unidades habitacionais para aqueles que vão ser removidos. Envolve toda uma estruturação físico-social daquela área, que uma empresa de saneamento privada não vai realizar e não seria de sua competência realizar uma intervenção desse tipo”.
Mais de 50% dos municípios do País não têm aterros sanitários ambientalmente corretos, o que é um grave problema de saúde pública e ambiental, informa ele. Mas o urbanista explica que cidades com menos de 100 mil habitantes não podem reservar áreas para aterro sanitário, o que demanda a formação de consórcios de municípios sob a coordenação do estado. Cada empresa fazer contratos de saneamento com municípios, como prevê a nova lei, não contribui para a formação desses consórcios.
Por este motivo o professor Nabil Bonduki acredita que a nova lei não irá resolver dois problemas efetivos: o problema dos saneamentos nos assentamentos precários e o problema das pequenas cidades. “Pelo contrário, talvez até agrave, pois pequenos municípios deixam de se beneficiar do subsídio cruzado de áreas formais, em que fundos municipais de saneamento fomentados por empresas como a Sabesp, aqui em São Paulo, investem na urbanização de favelas, por exemplo”.
Ele também aponta para o risco de populações carentes receberem rede de esgoto, mas não terem condições de pagar pelo alto custo que aquele investimento representou na região. Assim, poderá haver populações sem água e esgoto em regiões com a rede instalada por não ter condições de pagamento.
Bonduki também menciona o fato de que na Comunidade Europeia, cerca de 300 municípios importantes estão passando por um processo de remunicipalização do saneamento, movimento contrário ao de privatização que vem ocorrendo no Brasil.
“As privatizações e parcerias público-privadas representaram aumento excessivo das contas de água, e as empresas não cumpriram as promessas feitas no período da concessão, como aqui estão sendo feitas metas desse tipo. Houve também muita falta de transparência, sem que os cidadãos soubessem o que estava sendo feito com os recursos pagos. Ou seja, em países bem mais organizados que o nosso está se assistindo um movimento reverso àquele que está sendo feito aqui no Brasil”, concluiu.