Maranhão: entre a estabilização e uma segunda onda da Covid-19
A questão que Flávio Dino (PCdoB) enfrenta, uma vez mantida a tendência analisada até aqui, é o de seguir uma estratégia da retomada de atividades não-essenciais.
Publicado 03/07/2020 14:50
Mais de 90 dias desde o começo da pandemia, o Maranhão chega ao mês de julho com 83.256 casos de COVID-19 e 2.081 óbitos[1], é o 5° estado em número de casos e o sétimo em número de óbitos, tem incidência de 1.176 casos por 100 mil habitantes e letalidade de 2,5%. E de acordo com pesquisadores da PUC-Rio[2], o estado está há mais de 20 dias com R menor que 1 (R é o número efetivo de reprodução, que indica para quantas pessoas um indivíduo contaminado transmite a doença), portanto, o crescimento da doença parece estável.
Se nos meses de março e abril o epicentro estadual foi a Grande Ilha de São Luís (formada pelos municípios de Paço do Lumiar, Raposa, São José de Ribamar e São Luís), em meados de maio ocorreu o mesmo que em outros estados brasileiros: a interiorização do novo coronavírus, chegando a municípios menores e com maiores adversidades para a ampliação da capacidade instalada e cumprimento das medidas de distanciamento social.
O lockdown decretado entre 5 e 17 de maio cumpriu com o papel de conter a pandemia na região metropolitana da capital e permitiu que a reabertura das atividades econômicas nas semanas subsequentes pudesse acontecer de modo gradual, porém, a situação no interior do estado é de um crescimento significativo em algumas regiões, como Santa Inês, Zé Doca e Pedreiras. Esta diferença, decorrente do fato de que as regiões estão em momentos distintos da pandemia, demanda um planejamento de políticas públicas customizado para as diferentes realidades locais.
O Maranhão tem 157 dos seus 217 municípios com IDH baixo ou muito baixo, tem a segunda maior taxa de informalidade do país e de acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais de 2019 publicado pelo IBGE, 53% da população maranhense encontrava-se abaixo da linha de pobreza (rendimento domiciliar entre R$145 e R$240 per capita mensais). Estes indicadores socioeconômicos tornam ainda mais complexa a realidade do Maranhão, que enfrenta uma crise sanitária, num contexto de crise econômica em agravamento e a partir de recursos econômicos, humanos e políticos não apenas limitados, mas reduzidos.
Além disso, a diversidade étnica e o histórico de vulnerabilidade social de determinadas populações coloca o governo estadual diante de tribulações institucionais e até mesmo conflitos federativos. Por exemplo, os povos indígenas do Maranhão, que se distribuem por 6 polos-base[3] (segundo classificação do Distrito Sanitário Especial Indígena), configuram como um grupo de risco social diante da doença, risco este agravado pela inércia do governo federal, responsável constitucional pela saúde indígena. Nesse contexto, o executivo estadual assumiu a responsabilidade de testagem e estabeleceu fluxos assistenciais para atendimento da população indígena.
Diante da tendência de estabilização da doença, estaria o Maranhão num novo momento da pandemia? Esta é uma pergunta que ainda não pode ser respondida com segurança, porém, observa-se que já se ensaia uma nova fase, principalmente na capital, com a readequação da oferta de bens e serviços. O que tem se rotulado como “novo normal” (uso de máscaras em ambientes públicos e fechados, distanciamento social em estabelecimentos privados e de comércios, medidas rígidas de vigilância sanitária, etc.) configura-se como desafio na formulação de estratégias efetivas para manutenção da capacidade hospitalar e prevenção de um eventual repique da doença.
Do ponto de vista político, a encruzilhada do Palácio dos Leões (sede do governo) torna-se ainda mais complexa com o passar do tempo, pois a tomada de decisão leva em consideração a janela mais segura para reaberturas. Dois meses atrás o debate girava quase que exclusivamente em torno de qual seria o melhor momento para fechar e endurecer medidas de vigilância sanitária. A questão que Flávio Dino (PCdoB) enfrenta, uma vez mantida a tendência analisada até aqui, é o de seguir uma estratégia da retomada de atividades não-essenciais.
As limitações que a nova condição social do vírus impõe são severas e no Maranhão, com uma parcela significativa da população trabalhando na informalidade, o equilíbrio entre colocar em funcionamento uma retomada da economia esbarra em questões estruturais tanto do ponto de vista produtivo como em aspectos de soma de forças para combater o vírus.
O que temos observado, na série de textos produzidos dentro do projeto, é que tanto a coalizão montada por Dino como a estratégia de ampliação dos leitos de UTI, na capital e no interior, mostrou resultados promissores. Se por um lado as emergências por SRAG e as taxas de demanda hospitalar indicam um arrefecimento do contágio, a incerteza sobre uma segunda onda a circula nos corredores tanto do executivo como das universidades.
A cautela nesse caso evidencia-se nos discursos do governador e do próprio secretário de saúde, ao anunciarem os números de redução de casos sem celebrar um domínio da infecção, ressaltando a importância das medidas de isolamento social. As diferentes realidades epidemiológicas que o Maranhão possui contribuem para isso. O leste maranhense fronteiriço ao Piauí, por exemplo, enfrenta um aumento no número de novos casos somente no final do mês de junho, enquanto que outras regiões passaram por este crescente em maio. O Maranhão é um estado de grande extensão territorial e diversidade, o que demanda reflexões adequadas à sua heterogeneidade interna.
A interiorização da Covid-19 ocorreu em seguida à abertura de serviços exclusivos para o coronavírus e, apesar do estresse elevado no sistema público de saúde em maio (em que pese que a rede privada da capital ficou saturada por praticamente 7 dias seguidos), o colapso reportado como em outras cidades não ocorreu. Cenas aterradoras como as que ocorreram em Guayaquil no Equador, de corpos abandonados nas ruas e pessoas morrendo sem atendimento médico, não aconteceram no Maranhão, e, diante da inevitabilidade da doença, este é um indicativo de que nas esferas estadual e municipal foi possível enfrentar esta pandemia de forma coordenada e a partir das diretrizes do SUS.
As respostas adequadas para as perguntas “a pandemia está sob controle? ”, “o vírus foi derrotado?” não passam incólume de um exame minucioso a respeito do comportamento do contágio nas diferentes cidades do território maranhense. No entanto, os elementos disponíveis para análise já sugerem que uma estabilização está a caminho, mantidos os indicadores observados nas últimas três semanas. O que não pode fugir do horizonte é que o distanciamento social e a rigidez nas medidas sanitárias produzem um impacto significativo no aumento do número de casos, bem como na capacidade de testagem que cada estado possui.
O Maranhão caminha para discutir outras fases do enfrentamento ao vírus, quais sejam, ou a afirmação concreta do êxito em face os esforços tomados ou o retorno à primeira frente de batalha, nos idos de abril e maio. Cada caminho dependerá da adesão da sociedade civil aos protocolos de segurança e também da força institucional do executivo em conter os ímpetos de reabertura total dos setores empresariais.
[1] Dados de 01/07/2020
[2] Disponível em: https://covid19analytics.com.br/
[3]Amarante, Grajaú, Barra do Corda, Arame, Zé Doca e Santa Inês
Publicado originalmente no blog Gestão, Política e Sociedade, d’O Estado de São Paulo