Estado Unidos: um motim policial contra as manifestações
A revolta policial nos EUA não dá sinais de desaceleração. Os casos de violência policial brutal contra os manifestantes são tão numerosos que é difícil acompanhá-los a todos – mas aqui estão alguns dos piores abusos.
Publicado 09/06/2020 16:42 | Editado 09/06/2020 16:45
Em artigo publicado anteriormente, compilei dezenas de casos de violência policial contra manifestantes que protestavam contra a violência policial, que os principais meios de comunicação não cobrem. Frequentemente falam genericamente sobre tensões e confrontos e, em seguida, inevitavelmente, trazem comentários sobre saques e eventuais incêndios acompanham a agitação. Isso significa que o meio mais confiável para obter informações sobre o que realmente ocorre entre manifestantes e policiais são os vídeos gerados por usuário, que circulam nas redes sociais. Seu número é muito grande, mas não há lugar centralizado para encontrar todos eles. Em consequência, por mais exaustiva que seja minha lista, senti falta de alguns atos particularmente flagrantes de brutalidade policial que ocorreram no último fim de semana. Por exemplo, em Austin, um jovem negro chamado Justin Howell filmava os protestos com seu celular quando a polícia o atingiu na cabeça com um projétil “menos letal”, e fraturou seu crânio. Quando outros manifestantes o socorreram e levaram para um lugar seguro, a polícia atirou neles, e feriu um dos médicos. O irmão mais velho de Howell diz que sofreu danos cerebrais. No mesmo protesto, a polícia atingiu na cabeça um adolescente com um tiro de bala de borracha.
Os distúrbios policiais continuaram ao longo da semana. Abaixo está outra lista de incidentes mais recentes. A lista novamente, é incompleta, mas novamente demonstra claramente que se assiste a um gigantesco paroxismo de violência policial. Sua visão em conjunto deixa claro que o que se segue não é uma sequência de erros policiais. Ao contrário, é agressão direta – não diplomacia ou desaceleração – parecendo uma estratégia geral dos departamentos de polícia para responder aos protestos.
Em Asheville, a polícia, usando equipamento antimotim, invadiu instalações médicas, espancou os médicos e jogou vários no chão. Os médicos disseram que a barraca foi aprovada pela prefeitura, que não resistiram, e que a polícia os agrediu e, bizarramente, esfaqueou garrafas de água, deixando-as amassadas e vazias no chão. Em Richmond, um policial cuspiu repetidas vezes em um manifestante que estava sentado, imóvel, totalmente contido. Na Filadélfia, um policial puxou a máscara de um manifestante para atingi-lo no rosto com gás de pimenta.
Em Charleston, a polícia prendeu um manifestante pacífico simplesmente por ter feito um discurso emocional. A polícia de Kansas City fez a mesma coisa. Nos dois casos, os manifestantes eram jovens negros. Em Milwaukee, a polícia usou bastões e prendeu um conhecido ativista da Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”). Em 23
Denver, a polícia disparou e feriu um membro negro do Comitê contra o Uso da Força. Na cidade de Nova York, a polícia pulverizou gás de pimenta e prendeu um senador estadual preto, Zellnor Myrie.
Em Portland, Oregon, um carro da polícia foi dirigido de forma imprudente e agressiva numa rua que as pessoas tentavam limpar. Em Boston, a polícia dirigiu um carro em alta velocidade contra a multidão pacífica. Na cidade de Nova York, a polícia deteve por várias horas quase cinco mil manifestantes na ponte de Manhattan, enquanto outdoors digitais no topo de edifícios transmitiam twitters do governador Andrew Cuomo dizendo: “Não seja criminoso!” e “Ajude-me a restaurar a calma”. Em Walnut Creek, Califórnia, soldados em blindados ameaçavam a população.
Em todo o país, jornalistas foram alvo da polícia, apesar de seus crachás de identificação e se aunciarem verbalmente como jornalistas. Na cidade de Nova York, jornalistas foram empurrados e retidos, em retaliação por violar o toque de recolher. Quando explicaram que estavam isentos do toque de recolher, um policial disse: “Dá o fora daqui, seu pedaço de merda. Em Washington, a polícia foi flagrada por um vídeo agredindo fisicamente membros da imprensa. Em Seattle, um vídeo alarmante mostrou uma âncora da NBC e outros jornalistas fugindo de projéteis que explodiam em um ambiente semelhante a uma zona de guerra. Em Des Moines, a polícia borrifou uma jornalista quando ela disse: “Estou pressionando! Eu estou pressionando! Estou no registro de Des Moines!”
Em Cincinnati, a polícia pegou a mochila de um manifestante diabético e se recusou a devolvê-la quando ele pediu sua insulina. Em Seattle, um policial se aproximou de um pedestre completamente calmo e o atacou, sufocando-o no chão. Em Hoover, no Alabama, cinquenta policiais apareceram com equipamento antimotim para enfrentar catorze estudantes do ensino médio sentados no gramado de seu campus portando cartazes. Em Oakland, a polícia usou gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral contra um protesto pacífico liderado por jovens. Em Washington, uma criança pegou uma granada não explodida, para horror do pai. Poderia ter matado a criança se tivesse detonado.
Em Buffalo, a polícia atacou brutalmente e prendeu um manifestante quando era entrevistado. Em Kalamazoo, Michigan, a polícia disparou gás lacrimogêneo contra manifestantes que estavam imóveis, deitados no chão. Em Salt Lake City, a polícia matou manifestantes com projéteis à queima-roupa. Em St. Johnsbury, Vermont, a polícia jogou uma mulher escada abaixo. Em Los Angeles, a polícia disparou projéteis contra pessoas que simplesmente estavam paradas e conversando. Em Des Moines, a polícia usou spray de pimenta em um elevador. Uma das mulheres que lá estava gritou: “Por favor, pare, tenho um bebê!”
Em Atlanta, a polícia prendeu por catorze horas uma mulher negra por ter violado o toque de recolher para comprar tampões. Em Chicago, duas mulheres negras que faziam compras em seu veículo foram apressadas por uma dúzia de policiais armados, arrastadas do carro estacionado, jogadas no chão e presas com os joelhos no pescoço. Uma das mulheres foi ferida por vidro quebrado. Na cidade de Nova York, a polícia forçou uma mulher a entregar as chaves do carro porque ela buzinou em apoio aos manifestantes.
Em Los Angeles, a polícia bloqueou cruzamentos aleatórios e começou a quebrar janelas de carros e arrastar motoristas e prendê-los por violar o toque de recolher. A polícia de Los Angeles também atirou balas de borracha contra adolescentes.
Na Filadélfia, circulou um vídeo mostrando um policial forçando um graveto na mão de um homem negro preso no chão, dando a impressão de que o homem estava brandindo uma arma antes que outros policiais fossem chamados para impedi-lo. Também na Filadélfia, a polícia empurrou manifestantes que ocupavam uma estrada e depois dispararam gás lacrimogêneo indiscriminadamente contra a multidão detida. O gás lacrimogêneo é teoricamente destinado a dispersar manifestantes, mas não havia para onde ir.
Em Nova Orleans, a polícia quase provocou tumulto ao reprimir a gás lacrimogêneo manifestantes que marchavam em uma via expressa. Em Huntsville, Alabama, a polícia admitiu usar gás lacrimogêneo contra manifestantes pacíficos porque não queria “rolar os dados” para que os protestos se tornassem violentos. Em Fargo, Dakota do Norte, o chefe da polícia pediu desculpas depois que foi pego infiltrado no movimento e acabou detido. Ele fingia ser um manifestante violento e instigava conflitos, segurando uma lata de cerveja e xingando os policiais.
Em Orlando, a polícia enfrentou manifestantes pacíficos antes do início do toque de recolher, mas os prendeu por violar o toque de recolher. Na cidade de Nova York, a polícia roubou motos dos manifestantes e disse que precisavam ir para casa por causa do toque de recolher, e espancou as pessoas que tentavam ir para casa. Em Washington, a polícia atacou não-manifestantes que esperavam na fila para votar – era dia de eleição. O toque de recolher não era aplicável aos eleitores, mas a polícia, ilegalmente, mandou que se dispersassem, impedindo-os de votar.
Em Chicago, a polícia quebrou o pulso de um manifestante. Em Santa Mônica, depois de sete horas detendo manifestantes sem comida ou banheiro, a polícia feriu a mão de uma mulher ao usar de maneira descuidada e agressiva uma faca. “Eu podia ver meu osso e minha carne estava caindo”, disse ela nas mídias sociais. Na cidade de Nova York, um trabalhador de hospital estava voltava para casa, da linha de frente da crise do covid-19, quando a polícia o atacou, espancou e feriu sua cabeça.
Em Columbus, um manifestante de 21 anos morreu. Sua família ainda aguarda os resultados da autópsia, mas as postagens nas redes sociais indicam que as pessoas que o conheciam acreditam que morreu de complicações decorrentes da inalação de gás lacrimogêneo.
Em Asheville, Filadélfia, Chicago e outros lugares, homens brancos com armas automáticas e tacos de beisebol andavam pelas ruas sem serem incomodados pela polícia. Em Crown Point, Indiana, a polícia assistiu à passagem de mais de uma dúzia de brancos, oito deles armados com metralhadoras, ameaçando os manifestantes. Em Chicago, a polícia ficou sentada enquanto homens brancos armados passeavam em busca de manifestantes para enfrentar. No Condado de Orange, Califórnia, a polícia foi flagrada usando símbolos da milícia de direita em seus uniformes.
Na Filadélfia, a polícia pediu calmamente a um grupo de vigilantes brancos que se dispersasse e depois prendeu um homem negro que havia sido alvo de um taco de beisebol atirado das fileiras de vigilantes brancos; mais tarde, surgiu um vídeo mostrando a polícia da Filadélfia posando com os vigilantes brancos para fotografia. Em Oakdale, Califórnia, um grupo de manifestantes brancos com flâmulas de Trump e pró-polícia agrediu fisicamente um manifestante do Black Lives Matter. O incidente levou a polícia a montar em seus cavalos, jogando-os contra a multidão de manifestantes da Black Lives Matter e atacando-os no chão com cassetetes.
A permissividade e a simpatia da polícia em relação aos vigilantes brancos armados e a grupos que eles consideram aliados sublinham até que ponto a polícia se vê não como guardiã da segurança pública, mas como combatente contra os manifestantes antirracistas. A mensagem nos exemplos acima é óbvia: a polícia nos EUA não está tentando diminuir o conflito nas cidades, mas provocar e dominar seus oponentes. Eles não estão tentando manter a paz; lutam para “vencer”.
Esta lista não contém, inevitavelmente, muitos atos flagrantes de violência policial contra manifestantes que ocorreram entre a noite de domingo e a manhã de quinta-feira – entre 31 de maio e 4 de junho). É difícil acompanhar; é difícil dirigir o olhar. A única coisa que se pode dizer com certeza é que os EUA assistem nada menos do que um motim policial nacional.
Fonte: Jacobin