Pandemia torna saúde questão de segurança nacional, diz economista
O impacto internacional inédito da pandemia de covid-19 mostrou a importância da soberania nacional sobre cadeias produtivas, especialmente em setores estratégicos de saúde. Para Rosa Maria Marques, outras pandemias virão e é preciso estar preparado.
Publicado 18/05/2020 22:58
O ciclo Diálogos, Vida e Democracia voltou, nesta segunda (18) com o debate Coronavírus, Isolamento Social e Saúde Pública tratado do ponto de vista feminino. Promovido pelo Observatório da Democracia, unificou oito fundações partidárias em torno do tema da pandemia de covid-19 e seus impactos.
Sob coordenação de Elaine Cruz, coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT, o debate contou com as convidadas: Lígia Bahia, médica sanitarista e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ); Glória Teixeira, professora de epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA; Rosa Maria Marques, professora titular de economia da PUC-SP e ex-presidente da ABrES; e Maria Célia Vasconcellos, vice-presidente de Atenção Coletiva, Ambulatorial e da Família da Prefeitura de Niterói.
Assista ao debate completo abaixo:
A economista da PUC-SP, Rosa Maria Marques, destacou a importância do nexo entre democracia e saúde, conceitos que se fundiram na elaboração da Constituição brasileira de 1988. “Talvez a gente não se desse conta, no passado, da radicalidade dessa concepção: saúde é democracia. Talvez nem coubesse na democracia burguesa, porque ela é limitada, e se dá num quadro brasileiro de tremenda desigualdade patrimonial e de renda”.
Para ela, este casamento só pode se obter numa sociedade que atue em uma outra perspectiva, aquela voltada realmente para sua população, não para o aumento do lucro privado. Tem que mudar totalmente a concepção e se voltar totalmente ao homem e à mulher, para que a democracia e a saúde sejam uma coisa só.
“Entender saúde como direito emana pela cidadania, não pela renda ou meritocracia. Mas por pertencer a um lugar a que você tem direito”, declarou, ressaltando que é cada vez mais difícil garantir o princípio do direito em relação a saúde, pois os governos levantam questões em relação ao déficit público, e que a saúde é um “buraco sem fundo”.
Rosa conta que trabalhou dentro do SUS com a questão do financiamento. “Quando o presidente [Bolsonaro] estrebucha dizendo que a economia não pode parar, não está entendendo nada sobre o mundo”. A economista enfatizou a grandiosidade do evento histórico que está sendo vivido com a pandemia, para mostrar como é inapropriada a postura do presidente ao minimizá-la. “Esta é a primeira pandemia, com essa virulência, sob a mundialização do capital”.
Simplesmente por exigir o isolamento social, a pandemia parou o mundo. Ela explica que ela se configura como um choque externo ao sentido da economia, em vez de ser algo interno e disfuncional, como foram outras crises econômicas causadas por motivos especulatórios do próprio sistema financeiro.
Não se trata, também, de uma crise que já viesse sendo anunciada, como ocorreu com as mais recentes. “É descomunal o impacto! Se a economia voltasse a todo vapor, agora em julho, diz o FMI que haveria uma queda de 3% no PIB mundial”. Ela ressalta que o próprio FMI já redesenhou esse cenário, para um gráfico ainda pior, devido a um colapso do consumo não previsto, inicialmente.
“Esta é uma crise que nunca assistimos na história do capitalismo!”, enfatizou. Ela diz que ela é incomparável com a maior crise, até então, de 1930, pois vai ser maior, além do contexto globalizado da economia ser outro. Não pode ser comparada com 2007, não só porque vai ser maior, mas porque lá tinha um fator financeiro. “Aqui, as máquinas foram desligadas”.
Respiradores chineses, testes indianos
Rosa observa que o capitalismo está em todo lugar e houve fortalecimento das cadeias globais de valor, com muita interligação entre empresas e países, e um grau de especialização nunca visto. “O grau de especialização foi o que bateu na pandemia, com os respiradores da China”. Com essa dependência da indústria chinesa, houve um colapso da oferta, com cada um oferecendo preço maior, roubo de carga, dificuldade de entrega, etc.
Esta dependência da China mostra o processo de desindustrialização em todos os países e a especialização de produtos chave para o combate a pandemia em alguns deles, como é o caso dos testes virais da Índia. “Se isso era legal, porque os custos eram menores, basta a interrupção num pequeno elo da cadeia, que está tudo comprometido”.
Rosa acredita que vai ser difícil ligar de novo as máquinas. “Algumas vão estar destruídas nesse processo”. Ela faz referência à falência de parte da cadeia econômica com o colapso do consumo e endividamentos nesse período de quarentena.
A saída da crise só se dará, de acordo com ela, depois que houver a vacina. Enquanto isso, será um abre, fecha de novo, flexibiliza, pois a epidemia mostra ter refluxos numa mesma população. “A saída vai ter a forma de um U com uma base horizontal bem grande”.
Ela também descartou o otimismo de setores de esquerda sobre “um novo mundo possível” depois da pandemia. O fato dos estados terem respondido à pandemia adequadamente, não significa que deixaram de ser neoliberais, pois tratam o assunto como gastos de uma guerra. “Não acredito que vamos ser neokeynesianos, que vamos voltar a um estado de bem estar social, mas, no meio disso, houve, sim, uma ressignificação do sistema público de saúde”.
Rosa considera esta a primeira pandemia, com esta virulência, realmente globalizada. Só o aumento de viagens aéreas de 2009 até recentemente, diz ela, tem sido descomunal. “Está tudo realmente ligado”. Mas está é a “primeira de várias”. “Não está escrito nas estrelas que vai ser a última. Por que o imponderável está colocado”.
Rosa conclui que a saúde será vista como uma questão de segurança nacional. Na opinião dela, não se mantem coesão social, as formas de dominação sobre a maioria, se houver a morte de 10% da população. “Por isso, vamos ver um fortalecimento da saúde com exigência de uma melhor coordenação internacional também”, acredita ela, embora esta não, necessariamente, seja uma realidade para o cenário brasileiro.