De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A especialista em relações internacionais, Ana Prestes, destaca nesta segunda-feira (11), a nota escrita por seis ex-chanceleres brasileiros, em que trata da grave preocupação com os rumos da política externa do Brasil. Segundo o texto, os erros da pasta atingiram “um patamar de disfuncionalidade e de prejuízo” sem precedentes durante a crise do coronavírus.

Fato interessante e importante do final de semana foi a divulgação de um artigo assinado por seis ex-chanceleres do Brasil, Aloysio Nunes, Celso Amorim, Celso Lafer, Fernando Henrique, Franciso Rezek e José Serra, além do ex-embaixador Rubens Ricupero, em que defendem uma urgente e indispensável reconstrução da política exterior brasileira. Segundo eles, isso se daria com o “retorno à obediência aos princípios constitucionais, à racionalidade, ao pragmatismo, ao senso de equilíbrio, moderação e realismo construtivo”. Na contramão dos “ataques inexplicáveis” à China e à OMS, assim como ao “desrespeito à ciência e a à insensibilidade às vidas humanas demonstrados pelo presidente da República”. Na sequencia, saiu também uma nota do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), assinada por 27 de seus diretores, em que manifesta “grave e urgente preocupação” com os rumos da política externa no Brasil. Segundo a nota, os erros da pasta atingiram “um patamar de disfuncionalidade e de prejuízo” sem precedentes durante a crise do coronavírus.

Vou insistir em um tema que tenho abordado muito aqui nas notas. A preocupação dos nossos vizinhos, especialmente do Cone Sul, quanto ao descontrole da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Desta vez foi o presidente do Congresso do Paraguai, Blas Llano, demonstrar preocupação. Em entrevista ao ABC, o parlamentar disse estar claro que o Brasil é uma ameaça para o Paraguai. “Um país com milhões de habitantes, foi um dos países mais relutantes em implementar medidas de contingência, e isso se nota na quantidade de infectados e, lamentavelmente, de mortes”, disse Llano. Tudo indica que o presidente Mario Abdo Benítez concorda com ele. Também em entrevista, o presidente argentino Alberto Fernández, disse ter falado conversado com os presidentes do Chile e do Uruguai, Piñera e Lacalle. De novo a abordagem foi sobre São Paulo, epicentro da doença no Brasil, e a entrada de caminhões de mercadorias provenientes de lá.

E na Venezuela, o autoproclamado Guaidó está cada vez mais implicado nos últimos eventos de tentativa de invasão do país patrocinados pelos EUA. Um dos colaboradores mais próximos de Guaidó, chefe de seu comitê de estratégia e que vive nos EUA, Juan José Rendón, andou dando entrevistas e revelou ter participado do planejamento da Operação Gedeón, desbaratada pelo governo venezuelano no domingo 3 de maio. Uma reportagem do Washington Post revela que o planejamento da operação teria começado em setembro de 2019, em Miami. Representantes de Guaidó teriam se encontrado com um ex-militar norte-americano Jordan Goudreau, hoje dono de uma empresa de segurança, Silvercorp. Ainda segundo a reportagem, ali se tratou da mobilização de até 800 homens para entrar na Venezuela e sequestrar Maduro e os principais dirigentes do governo. Em entrevista à CNN, Rendón teria dito que “o governo legítimo do presidente Guaidó não controla nenhuma força policial no país, portanto todos os cenários são analisados: alianças com outros países, militares que estão dentro (da Venezuela), uso eventual de atores que estão fora, como militares aposentados”. A investigação do WP teria encontrado inclusive um contrato, assinado pelo próprio Guaidó com a Silvercorp para a execução do plano de invasão. O pagamento pelo “serviço” viria após o controle da Venezuela. Há uma controvérsia, no entanto, se o início da operação teria sido autorizado pelo pessoal de Guaidó. Eles dizem que não e o chefe da Silvercorp diz ter resolvido prosseguir assim mesmo. Nas palavras do Ministro da Defesa dos EUA, Mark Esper, o governo Trump “não tem nada a ver com o que aconteceu na Venezuela nos últimos dias”. Mas a tentativa de invasão se deu pouco tempo após os EUA terem apresentado ao mundo um plano de Moldura Institucional para a Transição Democrática na Venezuela, com apoio enfático do Brasil e outros países do Grupo de Lima. No mesmo período, o Brasil retirou seus diplomatas da Venezuela e tenta expulsar os diplomatas venezuelanos do Brasil.

E o governo argentino voltou ao tema do Mercosul. Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Argentina, o ideal é que o bloco siga negociando com outros blocos e países, mas com as devidas precauções para preservar empregos e não debilitar ainda mais as produções domésticas. A proposta foi feita em videoconferência realizada na última quinta (7) com as equipes ministeriais do Brasil, Paraguai e Uruguai. De acordo com o MRE argentino: “o Mercosul deve estar conectado ao mundo, com fluxos de investimento, transferência de tecnologia e mercados globais, mas protegendo seus setores sensíveis, o trabalho e a criação de valor agregado na região”.

A China anunciou no final de semana um surpreendente aumento em suas exportações no mês de abril. Segundo os dados amplamente divulgados pela imprensa internacional, as exportações chinesas cresceram 3,5% em abril, em comparação ao mesmo mês em 2019. A alta é atribuída especialmenteo ao aumento das exportações na área médico-hospitalar. Houve um salto de 300% nas exportações em relação a março deste ano. Outro fator importante é que muitos países deixaram de exportar diversos produtos, fazendo com que a busca por produtos outros, que não os médico-hospitalares, importados da China aumentasse.

E por falar em exportação, uma queda na exportação de carnes pelos EUA pode significar ganho para o Brasil. Muitos frigoríficos foram fechados nos EUA até agora por conta da pandemia. Inclusive alguns tendo sido foco de surto da Covid-19. Segundo dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), 115 instalações, em 19 dos 50 estados, de processamento de carne e aves relataram casos de infecções por coronavírus até o final de abril. Dos 130 mil trabalhadores nestes locais, houve 4913 infectados registrados e pelo menos 20 mortes. Entre estes frigoríficos está a famosa JBS USA. Há uma grande pergunta se o Brasil também não viverá a mesma situação em seus frigoríficos. O Brasil é hoje o maior exportador de carne bovina do mundo, só em 2019 vendeu 7,5 bilhões de dólares em carne.

O mundo já tem mais de 4 milhões de infectados registrados pelo novo coronavírus. Caminhamos para chegar nos 300 mil mortos. Alguns países europeus vão arriscar a reabertura a partir desta semana. Na França, escolas do ensino fundamental devem voltar com turmas reduzidas, mas dependendo da região, Paris continua na “zona vermelha” de perigo. No Reino Unido, Boris Johnson resolveu esperar um pouco mais e já avisou que com a reabertura, quem chegar do exterior terá que fazer quarentena. Na Alemanha a taxa de transmissão voltou ao patamar de 1,1 (10 infectados contaminam 11 pessoas) e pode haver revisão da abertura. Na China, Wuhan voltou a registrar transmissão comunitária. Um país muito comentado no final de semana foi a Rússia, em que o número de casos registrados explodiu. O país superou os 220 mil infectados e segundo o governo isso se deu por uma massificação da testagem. De acordo com a agência de notícias Tass, foram feitos mais de 5 milhões de testes. Outros países, como Reino Unido, Espanha e Itália, fizeram cerca de 2 milhões de testes cada. Comparado com o Brasil que tem uma das piores testagens do mundo, a Rússia tem 2009 falecidos e o Brasil já passou de 11 mil. (Imaginem quantos infectados registrados teríamos se fossem feitos testes!).

Enquanto o mundo está concentrado na pandemia do coronavírus, pelo menos três conflitos armados seguem seu curso. Trata-se da Síria, da Líbia e do Iemen.

Também na Palestina segue a tentativa de anexação violenta por parte de Israel. Recentes decisões do Ministro da Segurança de Israel, Naftali Bennett, permitiram a construção de 7 mil novas unidades de assentamentos na Cisjordânia. As decisões foram reforçadas pelo embaixador dos EUA em Israel, David Fiedman, que disse que o “Acordo do Século” (apresentado por Trump em janeiro passado) outorgaria cerca de 30% das terras da Cisjordânia a Israel e que as autoridades israelenses não precisariam esperar para começar a anexar as terras.

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