Agressões de Bolsonaro e de bolsonaristas geram amplo repúdio
A participação do presidente Jair Bolsonaro em mais uma manifestação em Brasília neste domingo (3) de apoiadores a ele e com críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional gerou amplo repúdio.
Publicado 03/05/2020 19:59
Em declaração transmitida em live dele em rede social, afirmou que o povo e as Forças Armadas estão ao seu lado. Ao final, o presidente disse: “Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana,. Chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão”.
Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada e foi até a rampa do Planalto para acenar aos manifestantes, aglomerados, que gritavam “Fora Maia”, entre outras coisas. Uma bandeira do Brasil foi estendida na rampa.
O presidente voltou a atacar governadores por medidas de isolamento social no combate à pandemia do coronavírus e criticou o que chamou de “interferência” em seu governo, numa alusão às recentes medidas do STF.
Bolsonaro disse querer “um governo sem interferência, que possa atrapalhar para o futuro do Brasil”. “Acabou a paciência”, disse. “É uma manifestação espontânea, pela democracia”, afirmou em live transmitida em sua rede social, da rampa do Planalto.
O presidente repetiu discurso de que estão destruindo os empregos no país. “É inadmissível. Isso não é bom. Segundo ele, o efeito colateral das medidas de isolamento pode ser mais “danoso” que o próprio coronavírus.
Embalados por palavras de ordem e cartazes com críticas ao ex-ministro Sergio Moro, que deixou o governo recentemente, apoiadores afirmavam que estão “fechados com Bolsonaro”. Ao chegar em frente ao Congresso, o grupo deixou os carros e desceu em direção ao Palácio do Planalto diante da promessa feita por um dos organizadores de que Bolsonaro apareceria para vê-los.
Durante a caminhada foram entoados gritos de apoio ao presidente e de críticas a Moro e a Alexandre de Moraes, do STF, que barrou a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, para o comando da Polícia Federal.
Moro, chamado no sábado (2) de Judas pelo presidente, recebeu palavras maia ofensivas do grupo, como “canalha” e “moleque de Curitiba”. Entre as mensagens dos cartazes havia “Armas para cidadãos de bem”, “Fora Maia”, “Fora Alcolumbre”. Os manifestantes entoaram o hino nacional e rezaram um Pai Nosso em frente à Catedral Metropolitana. Em frente ao STF, alguns gritaram “vamos invadir”. “Olé, olé, STF é puxadinho do PT”.
Longa lista
Ao participar de ato contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro acumula mais um item a uma já longa lista de situações em que crimes de responsabilidade podem ter sido cometidos por ele na Presidência da República.
No último dia 15 de março, o presidente incentivou e participou em Brasília de ato que tinha como pauta a defesa do governo e fortes críticas ao Legislativo e ao Judiciário. Houve manifestantes com placas pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo. Bolsonaro cumprimentou participantes e fez fotos com muitos deles. Depois, subiu a rampa do Planalto, em certo momento sob um coro que pedia a volta do AI-5, ato da ditadura militar que fechou o Congresso e suspendeu direitos.
Para além da participação nos protestos, o presidente já deu declarações falsas, insultou jornalistas e tomou medidas que contrariam princípios da Constituição, como uma ameaça de fechar a Ancine caso não fosse possível “filtrar” o conteúdo das produções apoiadas pela agência de cinema —o que poderia ser entendido como tentativa de censura.
Situações do tipo podem vir a ser enquadradas nas definições legais de crime de responsabilidade. No caso do presidente, tentar ou cometer um crime dessa classe pode levar à perda do cargo, que ocorre por meio de um processo de impeachment.
A previsão legal para isso consta da Constituição Federal e de uma lei de 1950. Pela legislação, cabe ao Congresso autorizar a abertura de um processo de impeachment, e o julgamento que decide se houve crime de responsabilidade acontece no Senado.
Hoje há cerca de 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro em análise pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Manifestações de governadores
Durante o dia o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), voltou a se manifestar sobre os episódios deste domingo em Brasília. Em publicações nas redes sociais, disse que “milicianos ideológicos” precisam ser punidos como criminosos.
“Milicianos ideológicos agridem covardemente profissionais de saúde num dia. Agridem profissionais de imprensa no outro. São criminosos que atacam a democracia e ferem o Estado de Direito. A Justiça precisa punir esses criminosos.”
Mais tarde se dirigiu diretamente ao presidente. “O presidente Jair Bolsonaro mais uma vez revela seu desapreço pela democracia, desprezo pelo legislativo, menosprezo pelo judiciário e intolerância com a imprensa”, publicou.
“Além de não admitir o contraditório, ainda estimula o povo do seu país na desobediência à saúde e à medicina. O que afronta o direito à vida. Inimaginável um presidente do Brasil sendo um exemplo do mal e conspirador contra a democracia.”
Wilson Witzel (PSC), governador do Rio, também em rede social escreveu que “o presidente diz pregar a democracia e fica em silêncio diante das agressões sofridas por profissionais do jornal Estadão na manifestação da qual participou. Alimentar o caos é o único plano de governo do presidente.”
São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra […] o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais” das unidades da Federação. A lei também diz que é crime de responsabilidade contra a administração “expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição”.
Câmara dos deputados e STF
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo maia (DEM-RJ), também se manifestou. “Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror“, disse o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia.
Ele prestou solidariedade aos jornalistas e profissionais da saúde agredidos e disse esperar que a Justiça seja célere para punir esses criminosos. “No Brasil, infelizmente, lutamos contra o coronavírus e o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade. O caminho será mais duro, mas a democracia e os brasileiros que querem paz vencerão”, afirmou Rodrigo Maia.
Também houve manifestação de ministros do STF. Luiz Roberto Barroso defende o jornalismo profissional para combater o ódio, a mentira e a intolerância.
Já o ministro Alexandre de Moraes disse que as agressões devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à Democracia e ao Estados de Direito. “As agressões contra jornalistas devem ser repudiadas pela covardia do ato e pelo ferimento à Democracia e ao Estado de Direito, não podendo ser toleradas pelas Instituições e pela Sociedade”, escreveu Moraes, no Twitter.
A ministra Cármen Lúcia também se manifestou neste domingo após apoiadores de Jair Bolsonaro agredirem jornalistas durante manifestação em apoio ao presidente.
“Lamento a informação de ter havido agressão a jornalistas em um dia tão significativo para imprensa como hoje. É inaceitável, inexplicável, que ainda tenhamos cidadãos que não entenderam que o papel do profissional de imprensa é o que garante a cada um de nós poder ser livre. Estamos, portanto, quando falamos da liberdade de expressão e de imprensa, no campo das liberdades, sem a qual não há respeito à dignidade”, disse em live promovida pelo Instituto de Direito Público.
A ministra do STF Cármen Lúcia disse que “quem transgride e ofende essa liberdade de imprensa, ofende a Constituição”. “Lamento a informação de ter havido agressão a jornalistas em um dia tão significativo para imprensa como hoje. É inaceitável, inexplicável, que ainda tenhamos cidadãos que não entenderam que o papel do profissional de imprensa é o que garante a cada um de nós poder ser livre. Estamos, portanto, quando falamos da liberdade de expressão e de imprensa, no campo das liberdades, sem a qual não há respeito à dignidade”, disse Cármen Lúcia.
Gilmar Mendes afirmou que “agressão à liberdade de expressão é agressão à própria democracia”.
Agressão a jornalistas
A Abraji repudia a agressão em nota e destacou o fato de este domingo foi no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Também em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) condenou veementemente as agressões sofridas por jornalistas e pelo motorista do jornal O Estado de S.Paulo.
“Além de atentarem de maneira covarde contra a integridade física daqueles que exerciam sua atividade profissional, os agressores atacaram frontalmente a própria liberdade de imprensa. Atentar contra o livre exercício da atividade jornalística é ferir também o direito dos cidadãos de serem livremente informados”, escreveu.
A ANJ disse esperar que as autoridades responsáveis identifiquem os agressores e que eles sejam levados à Justiça para serem punidos na forma da lei.
Durante a manifestação, o presidente Jair Bolsonaro foi avisado que teriam expulsado repórteres da Globo. Ele respondeu: “Pessoal da Globo vem aqui para pegar um cara e falar besteira. Essa TV realmente foi longe demais. TV Globo foi longe demais”.
Em reportagem, o jornal Estadão informou que sua equipe de profissionais de cobria a manifestação foi agredida verbalmente, com chutes e empurrões e precisou ser escoltada pela Polícia Militar.
Governadores do Nordeste
Bolsonaro usou o Twitter, neste domingo (3) para endossar um vídeo do presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Ribeiro, com duras críticas aos governadores do Nordeste.
O grupo pede “a adoção de medidas por este Ministério [da Saúde] para a integração dos médicos formados no exterior, mesmo sob supervisão, adotando-se processo de validação dos diplomas, por meio de programa de complementação curricular e de avaliação na modalidade ensino-serviço, a ser realizado pelas universidades públicas, inclusive as estaduais”.
Na prática os governadores querem autorização para que cerca de 15 mil médicos brasileiros formados no exterior, mesmo sem diplomas revalidados no país, atuem no combate à Covid-19.
Eles atuariam sob supervisão de outros profissionais em brigadas de prevenção e combate à Covid-19, principalmente no interior, onde faltam equipes para atender a população.
Na mensagem Mauro Ribeiro defende que esses profissionais façam o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida) e diz que a prova de suficiência é a única exigência do Conselho Federal de Medicina para que esses médicos mostrem o mínimo de conhecimento para atender a população brasileira.
“Fica aqui o nosso repúdio a essa atitude covarde dos governadores do Nordeste. Se aproveitando de um momento trágico para a nossa sociedade, através de argumentos mentirosos para simplesmente criarem um casuísmo no sentido de legitimarem esses supostos médicos, que nós nem sabemos se são médicos, de atender a população brasileira sem fazer o Revalida”, criticou o presidente do CFM.
Populismo de direita
O cientista político holandês Cas Mudde, que estuda há quase três décadas a ultradireita, identifica entre os políticos desse matiz desde uma abordagem “estereotipada” – negando a realidade e tentando difundir teorias conspiratórias sobre o novo coronavírus – até ações mais contundentes, ainda que tardias.
O presidente brasileiro, para ele, não se encaixa em um grupo específico. “Pelo que pude ver, quando se fala da resposta à covid-19 – ou à falta dela -, Bolsonaro tem uma categoria própria, como o líder de ultradireita mais ignorante e mais isolado do mundo”, diz o professor da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.
O pesquisador se refere em parte ao fato de Bolsonaro desobedecer deliberadamente as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) – ao sair para visitar estabelecimentos comerciais e cumprimentar apoiadores na rua, negando o risco que o novo coronavírus representa à saúde pública -, enquanto, em paralelo, enfrenta oposição dentro da própria administração, o que culminou com desavenças com os agora ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Justiça, Sergio Moro.
Em sua última obra, The Far Right Today (“A Ultradireita Hoje”, sem edição no Brasil), lançada no fim de 2019, Mudde fala sobre a mais recente ascensão do populismo de direita no mundo para o público não especializado no tema.
Com informações do Twitter e da mídia