Morre aos 94 anos Rubem Fonseca, ícone maior da literatura brutalista
Com mais de 30 obras, escritor fundou uma nova era na ficção nacional, que se tornou mais urbana depois dele
Publicado 15/04/2020 16:46 | Editado 15/04/2020 18:03
O escritor Rubem Fonseca – que renovou a literatura brasileira no século 20 com uma linguagem direta que influenciou gerações – morreu na tarde desta quarta-feira (15), aos 94 anos, no Rio de Janeiro. Recluso e avesso a entrevistas, Fonseca era reconhecido, na intimidade, como uma pessoa divertida e respeitosa. Segundo familiares, ele sofreu um infarto em seu apartamento e foi levado ao Hospital Samaritano, em Botafogo, na Zona Sul, mas não resistiu.
Ao escritor é a atribuída a fundação de uma nova era na ficção nacional, que se tornou mais urbana depois dele. Foram mais de 30 obras em 77 anos de carreira. Com seus livros, também chega ao País uma influência mais direta da literatura dos Estados Unidos, além da linguagem cinematográfica. Esses traços estão presentes nos volumes de contos Lucia McCartney (1967), Feliz Ano Novo (1975) e O Cobrador (1979), além dos romances O Caso Morel (1973), A Grande Arte (1983) e Agosto (1990).
Repleta de palavrões, a literatura sem artifícios de Rubem Fonseca, marcada por um estilo violento, seco e erótico, era classificada como “brutalista” pelo crítico Alfredo Bosi. Principal ícone desse gênero literário no Brasil, Fonseca recebeu, pelo conjunto da obra, o Prêmio Camões e o Prêmio Juan Rulfo de Literatura da América Latina e do Caribe (ambos em 2003), bem como o Prêmio Machado de Assis, da ABL – Academia Brasileira de Letras (2015).
Nascido em Juiz de Fora (MG) em 11 de maio de 1925, José Rubem Fonseca se mudou para o Rio aos 8 anos de idade. Formado em Direito, trabalhou como comissário de polícia no início dos anos 1950. Na década seguinte, prestou serviços para o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), vinculado ao golpe militar de 1964. Mais tarde, ele negou que tivesse apoiado o regime.
O lançamento de Feliz Ano Novo, em 1975, e proibição posterior geraram rumorosa polêmica. O livro trazia cinco contos com o estilo que consagrou Fonseca, exaltando personagens do submundo, como um milionário que atropela pessoas de noite. Após um ano de circulação, a obra foi proibida pela ditadura, sob a acusação de “atentar contra a moral e os bons costumes”. Fonseca processou a União, mas o livro só voltou às prateleiras em 1985, com a redemocratização.
Chamado pelos amigos de Zé Rubem, o escritor era alvo de anedotas por sua reclusão. Umas delas diz respeito à distração de um repórter de TV que, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989, resolve entrevistar um brasileiro que por ali passava. Aos ser questionado sobre seu nome, o tal brasileiro responde: “José Rubem”. O jornalista conversa com o escritor sem se dar conta de sua real identidade.
Até o fim da vida, o escritor mineiro evitava eventos públicos. Em 2015, ao receber o Prêmio Machado de Assis, lembrou o impacto de seu livro de estreia, escrito aos 17 anos. Segundo ele, a obra chocou o primeiro editor a quem ela foi oferecida devido à presença de palavrões.
Questionado sobre o fato de Machado de Assis e Eça de Queiroz – algumas de suas inspirações – não usarem palavrões em seus textos, Fonseca afirmou que as palavras não devem ser discriminadas. “Escrevi 30 livros, todos cheios de palavras obscenas. Nós, escritores, não podemos discriminar as palavras”, declarou. “Não tem sentido um escritor dizer: ‘Não posso usar isso’. A não ser que você escreva um livro infantil, toda palavra tem que ser usada.”
Ao lhe agraciar, há cinco anos, com o Prêmio Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras destacou “sua narrativa nervosa e ágil, ao mesmo tempo clássica e moderna, entre o realismo e o policial”. A obra de Rubem Fonseca, conforme a ABL, revelou “a violência urbana brasileira, sem perder o olhar sensível para a tragédia humana a ela subjacente, a solidão das grandes cidades ou para os matizes do erotismo. Seu estilo contido, irônico e cortante ao mesmo tempo denota um leitor dos clássicos e um ouvido atento ao falar das ruas em seu tempo”.
Da Redação, com agências