Bolsonaro, a cura do Covid-19 e o lucro da farmacêutica
Que motivos teria Bolsonaro para fazer “publi”, como um youtuber, do remédio do laboratório Apsen, pertencente a empresário que o apoiou na campanha presidencial?
Publicado 06/04/2020 19:08 | Editado 06/04/2020 21:17
Nunca se viu um presidente da República fazer publicidade, em entrevista coletiva, de um produto farmacêutico, mostrando a embalagem, como se tivesse sido contratado como garoto propaganda da indústria. Até o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)…
Se o laboratório Apsen estiver na Bolsa, suas ações devem ter explodido no fim de março, assim como seus acionistas ficaram milionários em questão de horas. Se você comprou as ações no dia anterior ao vídeo no jardim do condomínio de Bolsonaro, vai ser suspeito de ter recebido informação privilegiada. O próprio Bolsonaro disse que a farmacêutica resolveu fazer uma pequena doação de frascos do remédio ao governo federal (dez milhões de comprimidos). Há quem diga que a doação para campanha de 2022 já está garantida.
O fato é que Renato Spallicci, presidente da Apsen, que trata o Reuquinol como grande esperança contra o coronavírus, fez campanha para Bolsonaro e ataques ao PT, conforme revelam suas redes sociais. O medicamento composto por hidroxicloroquina que Bolsonaro tem propagandeado como esperança de cura para a Covid-19 é produzido por uma empresa farmacêutica que tem como dono um grande entusiasta do bolsonarismo. Na home da empresa, um pop-up alerta para as medidas que a empresa está tomando para garantir o estoque de cloroquina nas farmácias.
A Apsen, que registrou lucro de R$ 696 milhões em 2018 (segundo o site Panorama Farmacêutico), produz o Reuquinol, que Bolsonaro mostrou até para os líderes do G-20 por teleconferência. Presidente da empresa, Renato Spallicci faz apaixonada defesa do mandatário do país, Jair Bolsonaro, e críticas ao PT em suas redes sociais abertas, como Instagram e Facebook.
Com a notícia de que o composto tem se mostrado promissor – a partir de testes em infectados pelo novo coronavírus –, o remédio se esgotou nas farmácias em todo o Brasil, deixando pacientes de doenças crônicas e autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide, para os quais é indicado originalmente, sem o composto.
Como observaram vários sites de fofocas e se confirma nas redes sociais, no último dia 26, Spallicci chegou a postar em seu Facebook a notícia de que o Reuquinol havia sido mostrado pelo presidente aos mais poderosos líderes mundiais. O próprio Bolsonaro levou remédios da Apsen para expor ao público, naquela ocasião.
Ao fazer o anúncio, por meio de suas redes sociais, Bolsonaro repete a estratégia do presidente norte-americano, Donald Trump. A repercussão desse tratamento ganhou força justamente depois de o norte-americano pedir agilidade ao FDA, o órgão fiscalizador e de vigilância sanitária dos EUA, na liberação da indicação do medicamento para o novo coronavírus.
Cloroquina para todos
Para dar conta da demanda, no caso do possível uso em grandes quantidades para tratar de pacientes com o novo coronavírus, a empresa colocou em prática, segundo a revista Exame, um plano emergencial para triplicar a produção do Reuquinol, com turnos extras nos fins de semana.
O movimento foi feito mesmo sem a comprovação científica de que o remédio é realmente eficaz contra a Covid-19. O uso do composto em pacientes com o novo coronavírus já está sendo testado no Brasil e em outros países, com resultados promissores, mas sem certezas do quão efetivo ele pode ser, sobretudo em casos mais graves.
O mandatário do país também determinou que o laboratório farmacêutico do Exército produza a cloroquina.
Por causa da alta procura e dos riscos trazidos pela automedicação, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) vetou a venda do produto em farmácias sem receita dupla, como já ocorre com os antibióticos.
A pressa de Bolsonaro em alardear o medicamento levou o Twitter a apagar postagens do presidente da República sobre o medicamento produzido pelo empresário. A política da rede social é evitar a divulgação de fakenews em tempos de pandemia global.
Vídeo caseiro
A decisão de assumir a publicidade do remédio, segundo Bolsonaro em vídeo publicado em uma rede social, foi tomada após ele tomar conhecimento de que o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, começou a analisar os efeitos da substância. Na postagem do dia 21 de março, o presidente escreve “Hospital Albert Einstein e a possível cura dos pacientes com Covid-19”.
“Agora há pouco os profissionais do Hospital Albert Einstein me informaram que iniciaram um protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia da cloroquina nos pacientes com Covid-19”, afirmou o presidente.
Neste sábado, o Ministério da Saúde afirmou que o uso do medicamento, caso seja aprovado, não deve se dar em larga escala para tratar dos sintomas do coronavírus. A pasta alertou para que as pessoas não se automediquem.
“O Ministério da Saúde pretende nos próximos dias elaborar uma nota em relação à utilização desses medicamentos. No momento, com a Anvisa, bloqueamos a retirada dos medicamentos da farmácia sem receita médica porque, se não fizéssemos isso, as pessoas que usam esses medicamentos ficariam abruptamente sem”, afirmou o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo.
“Ninguém vai poder tirar da farmácia para guardar para usar contra o coronavírus. Primeiro, esse medicamento tem uma série de efeitos colaterais graves. Obviamente ele só pode ser usados com prescrição médica e o paciente tendo consciência do risco que ele tem.”
Ele afirmou que os medicamentos só devem ser adotados em caso de aprovação para casos graves, de pacientes internados. “Hoje ele está sendo utilizado em pesquisas clínicas e poderá ser utilizado caso o Ministério da Saúde libere esse medicamento, para médicos prescreverem para pacientes graves, que estejam em hospitais. Não é para usar quem está gripado e acha que usando não vai ter complicações”, disse.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou parecer técnico sobre a hidroxicloroquina para orientar juízes em caso de judicialização para acesso ao medicamento. O estudo que embasa o suporte aos magistrados é de autoria do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. Segundo o CNJ com base no parecer do Sírio-Libanês, a eficácia e a segurança dos medicamentos é incerta. O documento já está disponível em plataforma online para juízes.