O país não precisa escolher entre a morte por Covid-19 ou pela crise

A terceira opção, organizar a retração da economia, depende de ações cujos recursos financeiros podem ser obtidos por meio da expansão da dívida pública ou da emissão monetária, sem risco de explosão inflacionária nem do endividamento.

No último dia 17 de março, o presidente Bolsonaro afirmou que “vai morrer muito mais gente fruto de uma economia que não anda do que do próprio coronavírus”. Esta frase sintetiza a ideia que tem guiado suas declarações desde então, contestando medidas tomadas por entes subnacionais que incentivam o distanciamento social e que, com isso, prejudicariam economia.

Medidas que seriam exageradas, fruto de uma histeria. Assim, ele tem se manifestado a favor da reabertura das escolas, do comércio e igrejas, da retomada geral da atividade mesmo que possa provocar a morte de pessoas. Essa posição defendendo a volta à normalidade, que contraria as recomendações da Organização Mundial da Saúde e das associações médicas e outras do setor, assim como o que a maioria dos governos ao redor do mundo vem fazendo, tem sido replicada por altos escalões do governo brasileiro e por empresários no país.

Advertem eles que a paralisação da economia levaria à explosão do desemprego e da pobreza, produzindo mais mortes que o próprio vírus, e por isso deveria ser evitada. Com o auxílio da comunicação institucional do governo e das redes virtuais de apoiadores do presidente, esta ideia tem se disseminado entre a população em todos os segmentos de renda. Isto não surpreende se considerarmos que o pequeno empresário obrigado a fechar as portas ainda tem que pagar fornecedores e empregados e vê sua empresa e fonte de renda com risco de quebrar.

Se considerarmos esses empregados, que com as empresas fechadas correm grande risco de demissão. Se considerarmos a enorme massa de trabalhadores precários, informais e autônomos, que vê sua renda desaparecer, e se considerarmos os já desempregados que vêm sua situação aflitiva se prolongar. Obrigados a escolher entre o risco de contaminar-se com o coronavírus e, com uma probabilidade “baixa”, sofrer complicações de saúde ou mesmo morrer, ou enfrentar o corte profundo e certo da renda e o desespero e impotência e até a morte a que essa situação pode levar, grande parte deles tende a optar pela primeira opção, especialmente enquanto a morte pela doença de algum ente próximo não os alcança.

Se, para cada indivíduo, a escolha entre morrer pelo coronavírus ou pelos efeitos da crise econômica pode parecer a única possível, a sociedade, ao contrário do que o governo e aqueles empresários fazem crer, possui uma terceira opção, a de organizar a retração da economia para salvar vidas, evitando uma catástrofe humanitária que dificultará a recuperação psíquica e material do país.

Essa opção, como indicam as autoridades sanitárias em todo o mundo, demanda que o maior número possível de pessoas permaneça em casa para reduzir a velocidade de difusão da doença e dar tempo para a expansão do sistema de saúde e para a pesquisa da cura e imunização da população contra o vírus. Isso requer a redução ou interrupção da produção de bens e serviços não essenciais, enquanto se mantêm ativas as cadeias daqueles essenciais e os canais de abastecimento e se aumenta a produção dos bens e serviços ligados à saúde.

Certamente haverá uma forte retração da atividade, mas não necessariamente a desestruturação da economia e a calamidade social. O Estado pode evitá-las se preservar, ao menos parcialmente, os rendimentos dos trabalhadores, pagando um benefício aos empregados das empresas que suspenderem ou reduzirem suas atividades e a todas as famílias dos informais e desempregados, e se atuar para que as empresas fechadas não quebrem, permitindo a suspensão dos contratos de trabalho, isentando o pagamento de taxas e tributos, e fornecendo liquidez com carências estendidas.

Os recursos financeiros para essas ações podem ser obtidos por meio da expansão da dívida pública ou da emissão monetária que, com os baixíssimos juros e a enorme capacidade ociosa vigentes, não provocarão explosão inflacionária nem do endividamento. A questão é decidir buscá-los.

O confinamento e a redução do consumo que o acompanha são decerto incômodos, mas a maioria das pessoas tem mostrado concordar com eles para salvar a vida de seus parentes e amigos e a delas próprias. Mas, para isso, elas precisam dos meios para sobreviver hoje, e de uma economia em pé para sobreviver quando o confinamento terminar. É justamente isso o que a retração organizada da atividade permite.

Contudo, ela requer a ação decidida do governo nessa direção. Ao tomar medidas apenas tímidas e incitar a população a abandonar o confinamento, o governo parece preferir outro caminho, que deixa à sociedade apenas a escolha entre a disseminação do coronavírus e a crise econômica. Ao segui-lo, o país provavelmente colherá as duas.

Fonte: Brasil Debate

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