De Olho no Mundo, por Ana Prestes
Confira os assuntos destacados nas Notas da cientista política e especialista em relações internacionais, Ana Prestes, desta segunda-feira (30). O assunto coronavírus no Brasil e no Mundo toma conta do noticiário. No âmbito da economia, segundo o FMI, o mundo já está em recessão. Até agora, 81 países recorreram ao fundo emergencial do banco.
Publicado 30/03/2020 10:29 | Editado 30/03/2020 16:34
E Trump, quem diria, aquele mesmo que disse que em abril o verão acabaria com o vírus, resolveu estender o período de distanciamento social nos EUA até o dia 30 de abril, por enquanto. Fez isso após, Anthony Fauci, infectologista e epidemiologista que assessora a Casa Branca, fazer uma previsão sobre a possibilidade das fatalidades ficarem entre 100 mil e 200 mil mortes no país. Mesmo com as políticas de contenção. Neste momento, o número de infectados nos EUA já é mais de 100 mil, assumindo o posto de maior número de acometidos pelo vírus no mundo. Os estados de Nova Iorque e Nova Jersey são os que concentram o maior número de casos. Até agora, os surtos mais graves foram em Wuhan na China e na Lombardia na Itália. A continuar com a atual taxa de crescimento de infecções, os EUA podem ultrapassar os dois. Trump também já promulgou o maior plano emergencial da história dos EUA, construído no republicanos e democratas no Congresso, no valor de 2 trilhões de dólares. Com esse recurso está previsto o envio de dinheiro diretamente para mais de 150 milhões de americanos, que receberão 1200 dólares, mais 500 dólares por filho, com um limite de 3000 dólares por família. Também aumento dos benefícios do seguro-desemprego para 600 dólares semanais, por quatro meses. Ainda inclui 500 bilhões de dólares para indústrias afetadas e 350 bilhões para empréstimos às pequenas empresas. Cerca de 100 bilhões vão para hospitais e todo o sistema de saúde. Outro destaque ainda sobre EUA e covid19, foi a conversa telefônica estabelecida entre Trump e Xi Jinping para discutir a pandemia. Mudando o discurso, que já foi de denúncias do “vírus chinês”, Trump fala agora em seu twitter de cooperação com a China e que este país “já passou por muito” e, portanto teria maior compreensão do problema. Do lado chinês também houve um aceno público de cooperação. Enquanto a guerra corre solta nos bastidores (de ambos os lados).
Quem resolveu brigar com a China agora foi a União Europeia. No final de semana uma ministra francesa para Assuntos Europeus, Amélie de Montchalin, disse que China e Rússia estão instrumentalizando a solidariedade em tempos de pandemia. Ela se refere ao envio de profissionais e suprimentos pelos dois países para os países europeus mais afetados pelo covid19 como Itália e Espanha. Enquanto isso, cresce o descontentamento da Itália com a União Europeia. No sábado (28), o premiê Giuseppe Conte pediu à EU que não cometa “erros trágicos” no gerenciamento da crise, pois “todo o projeto da União Europeia perderá sua razão de ser”. O primeiro ministro de Portugal, Antonio Costa, também se disse enojado e classificou de repugnante a declaração do ministro das Finanças da Holanda por propor uma “investigação” das finanças espanholas e outros países que afirmam não ter margem orçamentária para lidar com os efeitos da crise. Segundo Costa, “se a União Europeia quer sobreviver é inaceitável que qualquer responsável político, seja de que país for, possa dar uma resposta dessa natureza perante uma pandemia”. Toda a briga, obviamente é por recursos. Em várias reuniões no final de semana, os europeus se digladiaram sobre saídas econômicas. Países como Itália e França querem a emissão de “corona bonds”, espécie de bônus de dívida comum, mas países como Alemanha, Áustria e Holanda, temendo que os recursos nunca mais voltem, defendem a utilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) que é um fundo de resgate da zona do euro. Até aqui, o Parlamento Europeu já aprovou um plano para redirecionar 27 bilhões de euros do orçamento anual do bloco para ajudar os governos. “Casa em que falta pão… todo mundo briga e ninguém tem razão”.
Outro país, entre inúmeros, a estender o isolamento, pelo menos até o dia 12 de abril, é a Argentina. O presidente Alberto Fernandez começou seu pronunciamento no dia de ontem (29) dizendo que a Argentina era “um caso único no mundo, que decretou a quarentena logo que apareceram os primeiros infectados”. Disse também estar muito animado pela forma com que os argentinos se comportam “como sociedade”, sendo que 90% da população está cumprindo as determinações de distanciamento social. Fernandez disse também que a OMS escolheu a Argentina com um entre 10 países onde será testada uma vacina. Disse que para os mais pobres o Estado estará mais presente do que nunca, destinando recursos econômicos e alimentos e que com os empresários será duro caso demitam funcionários ou deixem desamparadas as pessoal. A Argentina conta hoje com 820 casos de infectados e 20 óbitos.
Segundo o FMI, o mundo já está em recessão. Até agora, 81 países recorreram ao fundo emergencial do banco. A secretária executiva Kristalina Georgieva disse que planeja duplicar recursos de ajuda e oferecer linhas de crédito específicas para os países mais pobres. Alguns países podem chegar ao final da pandemia com dívidas superiores a 150% do PIB. Comparando-se apenas aos cenários de pós-guerra do século passado.
Hoje, 30 de março, é o Dia da Terra na Palestina. Este ano não haverá aglomerações por conta de protestos na fronteira com Israel. Em lugar dos protestos, bandeiras palestinas serão estendidas nas janelas e telhados. Bandeiras de Israel serão queimadas também, segundo os organizadores em reportagem da Reuters. Hoje, enquanto eu escrevia esta nota sobre a Palestina, fui ao mapa do covid19 da John Hopkins University, que tenho acompanhado desde o dia de sua criação em janeiro, e busquei a Palestina para reportar aqui o número de casos. E qual não foi minha surpresa ao perceber que a Palestina não aparecia mais na lista de países. E me lembro bem que aparecia no começo da epidemia. Fiz uma busca pela internet e descobri que a exclusão foi feita durante o último final de semana e que há até uma campanha na internet: #putpalestineonthemap. Descobri também que eles trocaram o nome Palestina na lista por “WestBank and Gaza”, como se a Palestina não existisse. Não sei, sinceramente, se esta universidade foi criada ou é mantida com dinheiro judeu (se alguém souber me avisa), como muitas são nos EUA, mas creio que autoridades de Israel e dos EUA tenham pressionado para tirar a Palestina desse mapa que está sendo consultado diariamente por milhões de pessoas. Nem mesmo em tempos de pandemia, a Palestina é deixada em paz. Segundo o relatório diário da OMS, são 104 os casos de Covid19 registrados por lá e uma morte, até ontem 29 de março.
Um dos países latinoamericanos que mais tem sofrido com a crise do covid19 é a Bolívia. A instabilidade política é prejudicial ao extremo para estas situações. Sabemos bem, pois vivemos no Brasil de Bolsonaro. Por lá, o governo de Jeanine Añez carece de total legitimidade e vocês podem imaginar qual o grau de adesão da população indígena às suas determinações. Ela, uma mulher branca, que representa a tomada de poder por assalto, e que nunca escondeu seu “lugar de fala” elitista de higienização étnica do governo. Deste modo, a governante de fato que jamais esperava ter uma bomba dessa para administrar tem abusado do poder policial para reprimir e tentar fazer com que as pessoas cumpram à força as medidas de isolamento social. Em uma sociedade com 70% de informalidade no mercado de trabalho. Alguns de seus ministros mais proeminentes já sumiram de cena e o eterno candidato Carlos Mesa está aproveitando o momento para culpar tanto Evo, pelos governos passados, quanto Añez, pelo desastre que se avizinha em matéria de saúde pública e econômica.
Cada um se aproveita da crise como pode, enquanto aqui no Brasil, o governo Bolsonaro aproveita a cortina de fumaça criada pela pandemia para desalojar quilombolas em Alcântara no Maranhão, no âmbito das políticas relativas ao Centro de Lançamento Espacial, nos EUA se aproveita para atacar a Venezuela. A novidade da Casa Branca foi ter acusado formalmente Maduro e outras autoridades venezuelanas de narcotraficantes internacionais. Seriam responsáveis por uma complexa rede de distribuição de drogas através do Caribe, com a “intenção” de “ivandir” o mercado dos EUA de narcóticos, segundo as palavras do procurador americano William Barr. Deram até um nome para a rede: “Cartel de los soles”. E para completar a cena de faroeste americano, colocou a prêmio a cabeça de Maduro, com uma recompensa de 15 milhões para quem entrega-lo e 10 milhões por cada um dos 12 membros de sua administração também acusados. Lembremos que na última visita de Bolsonaro aos EUA, no começo de março, e que retornou com 25 da comitiva presidencial infectados, um dos temas principais tratados entre ele e Trump foi justamente a Venezuela. Os EUA ainda não desistiram de atacar o país militarmente, e a narrativa do “narco Estado” vem a calhar para forçar uma intervenção “necessária”. Para fechar, um dos 12 acusados junto a Maduro pela procuradoria dos EUA é Cliver Alcalá Cordones, ex-major-general da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), curiosamente opositor ao chavismo desde 2013. Na semana passada, este mesmo Cliver deu entrevista e publicou vídeos revelando um plano de assassinato de Maduro, elaborado com Juan Guaidó e assessores do governo dos EUA. Revelou também algo que todos já sabem: grupos paramilitares são treinados em território colombiano. Por que Cliver falou? Segundo ele, se sentiu traído ao ver nas notícias que seu nome aparecia entre os denunciados com cabeça à prêmio pelo Departamento de Estado dos EUA. Cliver Alcalá fez parte do primeiro levantamento militar liderado por Chávez em fevereiro de 1992. Liderou a reforma da Polícia Metropolitana de Caracas após a tentativa de golpe de 2002. Desligou-se das forças armadas em 2013 e também do chavismo, assim que faleceu Chávez. Um dia antes de Cliver revelar o plano, o governo venezuelano havia detido um veículo com armas e equipamentos como visores noturnos e silenciadores em uma rodovia que liga Barranquilla à Santa Marta na Colômbia. (Algumas dessas infos constam em matéria do jornal Brasil de Fato).
Última nota, mas não menos importante, na sexta (27) o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), cujo chefe é o gen. Heleno, hoje se recuperando da infecção por covid19, publicou uma lista com os requisitos de segurança cibernética a serem exigidos de concessionárias e fornecedores do sistema 5G no Brasil. O leilão está previsto para ocorrer no final de 2020 (edital lançado mês passado). Não há na lista nada que sugira um veto à chinesa Huwei. Algo que vinha sendo pressionado pelos EUA. A lista saiu três dias após o presidente Bolsonaro conversar por telefone com Xi Jinping para desfazer a crise diplomática criada por seu filho deputado federal Eduardo Bolsonaro ao acusar a China pela pandemia mundial do novo coronavírus. A tecnologia 5G é a que vai possibilitar o avanço mundial para a “internet das coisas” (geladeiras inteligentes, carros autônomos e etc). O grande argumento usado pelos EUA para os países não liberarem sua rede 5G para a Huawei é a possível espionagem e o vazamento de dados para a China. Como diz o ditado, a gente sempre mede o outro pela nossa régua.