BC despeja liquidez; China, EUA e Europa agem contra a recessão
Avanço da pandemia da Covid-19 lança administração da economia no olho do furacão.
Publicado 23/03/2020 22:52 | Editado 24/03/2020 12:52
A inércia do governo Bolsonaro diante do agravamento da pandemia da Covid-19 é altamente preocupante. O Estado, capturado pela receita do ministro da Economia, Paulo Guedes, não consegue se mexer e dar passos na direção de uma ação efetiva e à altura das demandas do país. Enquanto isso, as notícias econômicas, no Brasil e no mundo, são as piores possíveis.
No Brasil, a economia vai parando de modo acelerado. A cadeia começa nas grandes indústrias, gerando efeito cascata. Grandes empresas reduzem ou suspendem atividades, abalando também as fábricas menores, com calibre financeiro inferior para encarar a crise. Um exemplo, relatado pelo jornal gaúcho Zero Hora, é o do tradicional polo metalmecânico do estado do Rio Grande do Sul, na Serra Gaúcha.
A região abriga grandes companhias que confirmaram a interrupção de atividades. Em conjunto, Marcopolo e Randon, de Caxias do Sul, anunciaram férias coletivas de 20 dias para funcionários a partir desta segunda-feira (23). Outras marcas conhecidas da região, como Tramontina e Soprano, também comunicaram pausa nas operações. Em Gravataí, na Região Metropolitana, a fabricante de veículos General Motors (GM) seguiu o mesmo caminho.
O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), Paulo Spanholi, disse ao jornal que “as indústrias têm muita dependência entre si”. “Quando as grandes têm de parar, as pequenas também sentem, vão na mesma linha, só que o caixa delas é menor”, afirmou. O fator determinante, segundo ele, agora, é a busca dos governos para oferecer linhas de crédito muito baixas. “As taxas de juro ainda estão altas”, alerta.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região, Assis Melo, afirma que o momento requer foco na “questão da saúde”. “O cenário é muito difícil e complexo. Vivemos uma guerra contra o vírus. Depois dessa crise, vamos olhar para a economia”, afirmou.
Liquidez do Banco Central
O governo se recusa a tocar no ponto principal – a adoção de medidas de afrouxamento do rigoroso controle fiscal. O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse, em entrevista coletiva online, que a entidade tem grande arsenal para fazer frente a qualquer tipo de crise. Segundo ele, as medidas e ações em estudo, juntas, implicam uma injeção de liquidez potencial de 1,2 trilhão de reais no sistema financeiro nacional.
Campos Neto defendeu – segundo relatos das agências Reuters e Bloomberg – que o sistema financeiro brasileiro é sólido e está bem capitalizado, habilitado para “funcionar perfeitamente”. Ele disse ainda que o BC “está absolutamente tranquilo” e disponível para prover o incentivo que for necessário. “A gente está falando mais ou menos de 16,7% do PIB (Produto Interno Bruto), comparando com o que foi feito em 2008, que foi 3,5% do PIB”, disse Campos Neto.
Para ele, as medidas para injeção de liquidez são grandiosas. “O que nós estamos querendo passar é que nós temos uma ampla capacidade de atuação. O que já foi feito e o que está sendo anunciado hoje representa o maior plano de injeção de liquidez da história do país”, garantiu. Mais da metade do montante vem de uma medida ainda em fase de elaboração final: a concessão de empréstimos pelo BC a bancos com lastro em letras financeiras garantidas por operações de crédito.
Só com a investida, Campos Neto previu uma liberação de 670 bilhões de reais. Na prática, a ideia é que os bancos ganhem aval para empacotar suas carteiras de crédito e emitir letras financeiras em cima desses ativos. O BC, então, emprestará recursos a essas instituições tomando as letras financeiras como garantia. “É basicamente você pegar a carteira de crédito que o banco tem, securitizar em formato de letra financeira, e passar a financiar isso”, disse Campos Neto.
Ele aposta que esses recursos chegarão às empresas. “Essa é uma forma de dar liquidez em troca de uma carteira de dívida privada que vai fazer com que o banco tenha recursos para fazer mais dívida. Então a gente entende que o direcionamento vai chegar nas empresas”, explicou.
O presidente do BC avaliou que a crise desta vez vem da economia real, diferentemente da de 2008, que decorreu de grande alavancagem financeira, gerando uma percepção de que os bancos como um todo tinham problemas. Desta vez, a turbulência econômica desencadeada pelo coronavírus é “totalmente diferente”, sem problemas identificados nos balanços das instituições, frisou.
A necessidade de liquidez, de acordo com o presidente do BC, se dá para garantir o provimento de fluxo de caixa às empresas para que atravessem o período de isolamento imposto para frear a disseminação do vírus.
Campos Neto argumentou que essa nova dinâmica de distanciamento social quebrará cadeias produtivas e impactará fortemente o setor de serviços, que representa 63% do PIB brasileiro. Por isso, o BC também está estudando medidas para assegurar o direcionamento do crédito para pequenas e médias empresas, partindo do pressuposto de que elas sofrerão mais.
O BC anunciou a redução temporária da alíquota do compulsório sobre recursos a prazo de 25% para 17%, com liberação de 68 bilhões de reais extras na economia. Em 20 de fevereiro, o BC já havia anunciado uma redução do recolhimento compulsório dos bancos sobre depósitos a prazo e um ajuste em regra de exigência de liquidez das instituições que juntos abriram caminho para liberação de 135 bilhões de reais.
O resultado de tudo isso ainda é um grande ponto de interrogação. Por que os bancos públicos não encabeçam essas operações é uma questão que não compareceu nas explicações de Campos Neto, mas é sabido que pela receita de Paulo Guedes eles estão fora das ações de financiamentos de investimentos.
O Federal Reserve, o BC norte-americano, anunciou, também nesta segunda-feira, que começará a respaldar uma gama de créditos sem precedentes para famílias, pequenas empresas e grandes empregadores. Campos Neto afirmou que o BC “não tem operacional” para ir pelo mesmo caminho, comprando diretamente as dívidas de empresas.
No entanto, ele pontuou que, com as medidas já anunciadas e outras que estão sendo estudadas, o Brasil está tomando ações que têm “efeito muito parecido”. Além dos empréstimos do BC a bancos com lastro em letras financeiras, ele citou nesse sentido a autorização já feita pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) nesta segunda-feira para que o BC conceda empréstimos a bancos com garantia em debêntures, buscando prover liquidez ao mercado secundário de dívida corporativa. “O banco vai ter liquidez para fazer mais empréstimos privados, então chega nas empresas”, disse.
Sobre o câmbio, Campos Neto ressaltou durante a coletiva que a moeda é flutuante, mas que a autoridade monetária também tem arsenal grande nessa área do qual pode lançar mão se entender necessário.
Crise nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, relata a Bloomberg, os economistas do Morgan Stanley e do Goldman Sachs avaliaram que o coronavírus deve causar um impacto econômico pior do que o esperado. Os bancos alertam para uma retração recorde do PIB dos Estados Unidos no segundo trimestre e uma recessão global mais profunda.
Em relatório, os economistas da equipe do Morgan Stanley disseram que agora esperam que o PIB dos Estados Unidos registre queda de 30,1% no trimestre de abril a junho. Com isso, o desemprego deve subir para uma média 12,8% no período.
No Goldman Sachs, o relatório diz que a economia global deve mostrar retração de cerca de 1% este ano, o que seria uma queda mais forte do que a registrada em 2009, em meio à crise financeira. O Goldman já projetava retração de 24% do PIB dos Estados Unidos no próximo trimestre.
As previsões de dois dos maiores bancos de Wall Street refletem a parada repentina das economias dos Estados Unidos e da Europa após a crise enfrentada pela China no início do ano. Esse cenário aumenta o temor de uma depressão econômica, mas economistas do Morgan Stanley disseram em outro relatório que a retração sustentada tem como ser evitada, devido às políticas fiscais e monetárias adotadas.
Em entrevista à Bloomberg, o presidente do Federal Reserve Bank de St. Louis, James Bullard, disse que a taxa de desemprego nos Estados Unidos pode atingir 30% no segundo trimestre por causa de paralisações para combater o coronavírus, com uma queda sem precedentes de 50% do PIB.
O governo norte-americano está adotando medidas também para socorrer os trabalhadores. O Senado apresentou o projeto delineando disposições para enviar pagamentos diretos em dinheiro para trabalhadores, conceder empréstimos garantidos pelo governo federal para pequenas empresas e cortes de impostos para empresas, além de oferecer apoio financeiro às companhias aéreas e outros setores atingidos.
No início desta semana, o presidente Donald Trump assinou uma nota de 100 bilhões de dólares para expandir a licença médica paga, aumentar o seguro-desemprego, aumentar o financiamento da assistência alimentar e garantir testes gratuitos em resposta ao surto da Covid-19.
No fim de semana passado, o Federal Reserve fez um segundo corte de taxa de emergência sem precedentes em apenas um período de duas semanas, levando a taxa de referência a quase zero. O banco central também lançou um massivo programa de flexibilização quantitativa, se comprometendo a aumentar suas detenções de títulos em pelo menos 700 bilhões de dólares, como forma de manter baixas as taxas longas e fornecer liquidez aos mercados de capitais.
“Parece que ainda estamos no começo da vitória da batalha contra a Covid-19, e é provável que o mercado de ações permaneça no limite com notícias boas e ruins, mas principalmente ruins, que tomam conta das notícias de rádio”, disseram analistas da Gestão de Investimentos Zacks em uma nota.
Ajuda da China
No caso da China, a maioria dos economistas prevê o maior impacto no primeiro trimestre. O JPMorgan Chase estima queda de 40% do PIB chinês no primeiro trimestre em relação aos três meses anteriores, a maior retração em pelo menos 50 anos.
Mesmo assim, o país anunciou que um trem de carga que transporta máscaras faciais doadas e outros suprimentos anticoronavírus partiu da cidade de Yiwu, no leste da China, com destino a Madri. A doação incluiu 110 mil máscaras cirúrgicas e 766 trajes de proteção. Foi o primeiro trem de carga China-Europa a transportar suprimentos antiepidemia para a Europa e chegará a Madri em cerca de duas semanas.
Não haverá taxas de transporte para as instituições, grupos ou indivíduos que doarem suprimentos antiepidemia para a Espanha. O trem de Yiwu para Madri aumentará a frequência, de uma viagem por semana para duas, disse Feng Xubin, líder da Yiwu Tianmeng Industrial Investment, uma operadora privada de serviço de trem. Desde novembro de 2014, quando o primeiro trem de carga foi operado entre Yiwu e Madri, cerca de 1.200 trens transportaram mais de 96.700 contêineres para a Europa.
Um novo Plano Marshall
A cooperação agora se intensifica por conta da Covid-19. Mas a economia europeia também sente o baque. O desemprego na Alemanha pode subir de 90 mil para 2,356 milhões de pessoas em 2020 se a crise causada pela pandemia de coronavírus for moderada. No entanto, o número de pessoas desempregadas poderá superar os 3 milhões se a crise for mais grave, informou o instituto de pesquisa sobre o mercado de trabalho IAB (a sigla em alemão).
De acordo com a pesquisa, o instituto acredita que a produção econômica do país recue 2% em 2020 como resultado da pandemia. As previsões são baseadas no pressuposto de que partes da economia serão efetivamente fechadas por seis semanas e que o retorno ao normal levará o mesmo tempo.
Em 2012, no auge da crise das dívidas soberanas, a chanceler alemã garantiu que só por cima do seu cadáver haveria obrigações europeias que permitiriam mutualizar a dívida da zona euro. Merkel está agora de quarentena em casa por causa do coronavírus e provavelmente vai ter de encontrar um coronabond, seja ele qual for
Esta semana Merkel lançou fora a regra de ouro do déficit zero e afrouxou as cordas da austeridade com um pacote de mais de 800 bilhões de euros. A Europa já fala fortemente no “coronabonds”, a ideia de obrigações europeias que mutualizem uma parte da dívida pública dos membros da União Europeia (UE).
Foi o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, que, aflito por governar o país que é epicentro do coronavírus na Europa, na reunião virtual dos líderes europeus em 17 de março colocou o problema na mesa. Pediu que os colegas abrissem a carteira da solidariedade e se dispusessem, em conjunto, a estudar todos os “instrumentos potenciais, incluindo a emissão de coronabonds”.
O primeiro-ministro italiano promete mais medidas para famílias e empresas nos próximos dias, mas os efeitos na economia serão prolongados. Para evitar o pior, quer apoio total da UE (e prevê mais uma reunião “dura” esta semana).
O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, foi à TV e falou também da capacidade do sistema de saúde, dos ventiladores comprados à China e da necessidade de não entrar em pânico. É um “tsunami” e “não há boias que nos salvem de um tsunami”, disse ele.
É preciso, para travar a onda que se agiganta a cada hora, um vento contrário muito forte, que impeça a devastação completa da economia. E esse vento só virá de uma bazuca econômica da UE. “Chamem-lhe Plano Marshall ou von der Leyen, não importa o nome. A Europa tem de ter um grande projeto de recuperação econômica, isso tem de ter”, afirmou.
Segundo o primeiro-ministro português, o pagamento de salários com a ajuda do Estado será alargado também às empresas que foram obrigados a fechar as portas. O governo vai voltar a mexer nas regras do chamado “lay-off simplificado”, de modo a permitir que um número maior de empresas possam entrar no plano.
Os trabalhadores de empresas que estejam em situação de “crise empresarial” continuam recebendo 2/3 da remuneração bruta, 70% pagos pela Segurança Social e 30% pelo empregador, até um máximo de 1.905 euros – na prática, o Estado disponibiliza-se a subsidiar os salários a empresas nesta situação, por um mês, renovável por um total de seis meses.
Drama na Espanha
A crise econômica se agrava na velocidade da pandemia. Na Espanha, a morte de uma jovem de 13 anos foi um choque para o país. O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus , que alertou para a aceleração da pandemia, disse que “foram necessários 67 dias desde o primeiro caso reportado para se chegar aos 100 mil casos, 11 dias para os segundos 100 mil, e apenas quatro dias para os terceiros 100 mil”.
“Precisamos de unidade entre os países do G-20 que detêm mais de 80% do PIB global. Se não dermos prioridade à proteção dos trabalhadores de saúde, muitas pessoas vão morrer porque o profissional de saúde que poderia salvar-lhes as vidas está doente”, sublinhou.
Isto no dia em que o número de infectados ultrapassou os 370 mil, as mortes excederam as 16 mil e os recuperados os 100 mil. Itália, com mais de 63 mil casos, aproxima-se vertiginosamente do número de casos da China (81 mil), sendo que os óbitos em território italiano (mais de seis mil) já são quase o dobro dos registados em território chinês (mais de três mil). As autoridades de Pequim adiantaram que o país continua sem casos locais de infeção, enquanto as de Roma encerraram a produção não essencial em todo o país.
A Espanha, com mais de 35 mil casos de infeção e mais de dois mil mortos, entrou no mesmo caminho de Itália. Mais um dado que pode ajudar a explicar: idosos em lares espanhóis vivem no mesmo espaço que cadáveres que não são retirados dos quartos. O país renovou o estado de alarme por mais duas semanas.
Venezuela e Irã
Os ministros das Finanças dos 27 Estados-membros da UE deram aval à suspensão da disciplina orçamental, validando a proposta da Comissão Europeia que liberta os governos das metas recomendadas do déficit. O objetivo é aumentar a sua margem de manobra para que possam injetar mais dinheiro no combate à pandemia.
Bruxelas anunciou que quer vias verdes (trânsito livre) nas fronteiras para o transporte de mercadorias. E a UE mostrou-se ainda preparada para ajudar financeiramente a Venezuela e o Irã, “que estão em maiores dificuldades devido a sanções”.
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