Marx morreu há 137 anos. Seu legado sobrevive?
A morte de Marx não impôs a morte do marxismo – ao contrário. O conjunto de ideias ligadas ao legado de Marx e Engels foi um dos programas mais importantes do século 20, fundamentando governos e projetos políticos pelo mundo inteiro
Publicado 16/03/2020 13:03
Num dia 14 de março como o de hoje, há 137 anos, morreu o filósofo alemão Karl Marx (1818–1883). “O maior pensador vivo deixou de pensar. Deixado só dois minutos apenas, ao chegar, o encontramos tranquilamente adormecido na sua poltrona – mas para sempre”, discursou seu amigo e parceiro Friedrich Engels, três dias depois, em 17 de março de 1883, durante o sepultamento de Marx, no cemitério de Highgate em Londres.
A morte de Marx não impôs a morte do marxismo – ao contrário. O conjunto de ideias ligadas ao legado de Marx e Engels foi um dos programas mais importantes do século 20, fundamentando governos e projetos políticos pelo mundo inteiro. Marx traduziu em sua obra questões de relevância na vida pública, principalmente da esquerda. Quatro delas sobressaem: o conceito de mais-valia, a noção de práxis política, a crítica ao sistema capitalista e o pensamento histórico-dialético.
Marx fundamenta a análise objetiva do sistema em que vivemos, defendendo a ação real em nome da mudança. “A delimitação do marxismo sempre foi objeto de controvérsias, mesmo quando Marx e Engels ainda estavam vivos. O confronto com a obra, a ação política e os programas partidários elaborados por eles, em geral, buscam apenas ressaltar incongruências, revisões e desvios”, afirma o professor de Sociologia da USP Ricardo Musse.
Com mestrado e doutorado em Filosofia, Musse é autor de O Legado de Marx no Brasil e integra o Laboratório de Estudos Marxistas da USP (LEMARX-USP). Em sua visão, “para escapar dos riscos de uma determinação doutrinária ou mesmo dogmática, os historiadores tendem a considerar como pertinentes ao campo do marxismo teorias, programas, partidos e acontecimentos que reivindicam explicitamente ou tenham sido nitidamente marcados pelos legados de Marx e Engels”.
Um bom marxista é, essencialmente, um crítico, inclusive, das próprias ideias. “A teoria de Marx – ela própria – só pode sobreviver criticando-se a si mesma, renovando seu próprio ponto de vista, morrendo, para renascer mais adiante. Em suma, recompondo-se numa fusão de horizontes, em que a autoria passada encontra resposta na leitura e na determinação das condições do presente”, discute Fernando Magalhães, em O Legado do Pensamento de Marx: A Presença do Marxismo na Sociedade Pós-Moderna.
Na opinião do pensador marxista Osvaldo Coggiola, a globalização atual faz da teoria de Marx ainda aspecto importante da vida social. “O processo conhecido como globalização, antevisto por Marx e Engels em 1848, está enfim impondo ao planeta a civilização, isto é, a forma burguesa de sociabilidade”, resume Celso Frederico, em resenha ao trabalho de Coggiola na edição nacional do Manifesto Comunista.
De acordo com Frederico, “a revolução técnico-científica em curso reafirma o prognóstico do Manifesto sobre esse modo de produção que só se mantém através da transformação contínua das forças produtivas. Acirrando as contradições entre o progresso material e a apropriação privada, o capitalismo moderno está agora mais próximo do retrato esboçado pelo Manifesto do que em 1848. Cento e cinquenta anos depois, o texto poderá adquirir uma explosiva atualidade.”
Nesse aspecto, Marx é atual mesmo após mudanças importantes – mas não fundamentais – do capitalismo. Como o papel da tecnologia, o valor do capital intelectual e a capacidade de indexação econômica do capitalismo tardio, que exigem uma abertura de horizontes. Porém, Jorge Grespan, historiador da USP, situa a atualidade de Marx menos nesse aspecto geral, destacando o valor do trabalho do filósofo no entendimento dos desvios e anormalidades do próprio sistema.
“Marx dá um exemplo muito caro a ele que é bem interessante de ver, e muito atual, que é o exemplo de uma mercadoria muito especial: o vinho. É interessante de ver que o vinho não era uma mercadoria tão especial até os anos 90 do século 20”, disse Grespan em entrevista para o canal Boitempo. “Marx trata de uma região – a do rio Moselle – e ele trada do seguinte: o trabalho de um produtor de vinho, tanto para plantar quanto para colher, para tratar as uvas, para espremer, o trabalho é basicamente o mesmo”.
Segundo o historiador, essa distinção está nas convenções em relação às características do produto: “Todo e qualquer vinho tem o mesmo valor de troca. Por que, então, alguns vinhos são tão mais caros que outros? Tem a ver com o valor de uso [que] acaba sendo suporte desse desvio de preço em relação ao valor de troca”.
A atualidade em Marx pode ser projetada no exemplo que o autor dá sobre a terra, que não seria um bem humano, mas adquiriria preço. Hoje, numa época de especulação imobiliária, isso aparece com relevo: “Valor de uso é uma coisa, valor de troca é outra completamente distinta; no entanto, o valor de uso permite que haja um desvio de preço em relação ao valor de troca. Ele serve como suporte material desse desvio.”
“No livro 3 [de O Capital], Marx está explicando um conjunto de fenômenos que são nos mais atuais e mais interessantes do capitalismo que a gente está vivendo. Então realmente o que eu procuro fazer é discutir essas questões do livro 3 e principalmente pelo prisma desse conceito de modo de representação, que permite justamente perceber que o momento que o preço se desvia do valor, o preço está funcionando como uma representação do valor”, diz Grespan.
Já Sabrina Fernandes, do Canal Tese Onze, enfatiza, como principal legado do marxismo, “o incentivo à luta pela libertação econômica e social, a busca pela práxis e pela não acomodação”. Em entrevista ao site The Intercept Brasil, a autora explica: “Precisamos construir alternativas. O capitalismo tem suas crises cíclicas, crises ecológicas inclusive, mas não conseguimos simplesmente substituir um sistema por outro. Precisamos superar e construir algo melhorado.”
Com informações do site Aventuras na História