Da invisibilidade social à conquista da cidadania
A história deste garoto de 15 anos, que só agora conseguiu se descobriu cidadão, não é diferente da de muitos pequenos maranhenses que vivem na periferia de São Luís e em outras centenas de cidades do interior do Estado.
Publicado 14/03/2020 12:27 | Editado 14/03/2020 12:32

Filho da empregada doméstica Marinete Monteiro e do desempregado Werbeth Santos Ribeiro, Joelyson mora com a família e a avó Jucirene Monteiro, no bairro Santa Rosa, na capital maranhense. Sonhador, convivia com a incerteza de que um dia pudesse realizar o desejo de ser jogador de futebol, pois ele sequer existia para o Estado. Fazia parte de uma triste estatística ainda muito comum em nosso País: a de pessoas sem registro civil de nascimento.
Ao nascer, na Maternidade Maria do Amparo, no bairro do Anil, em São Luís, a mãe recebeu da unidade de saúde a Declaração de Nascido Vivo, um documento que garante ao pai ou à mãe o direito de poder fazer o registro civil da criança em qualquer cartório.
O pai, após 4 meses de nascimento da criança, procurou o cartório para fazer o registro. “Estava sem tempo e não sabia que o documento não ia prestar para fazer o registro”, declarou. A declaração recebida na maternidade, com o passar dos dias, ficou ilegível e o cartório se negou a fazer o registro de nascimento do garoto. De volta à maternidade, tendo perguntado se poderia receber uma segunda via do documento, o pai obteve também resposta negativa; não havia como emitir um novo documento. Voltou para casa desolado e por desinformação imaginou que aquele “documento amarelo” poderia servir para que a criança tivesse acesso aos serviços de saúde e até poder se matricular em uma escola.

O momento de maior apreensão foi quando Joelyson, já aos 5 anos de idade, precisou de atendimento na rede pública. “A sorte foi que o pessoal do hospital atendeu, mas disseram que seria só daquela vez”, disse a mãe. Novamente tentaram fazer o registro, já em outro cartório, no entanto, mais uma vez, lhes foi negado o direito de registrarem a criança.
“Infelizmente, ainda há muita desinformação tanto junto às próprias famílias, quanto em relação aos profissionais de diversas áreas. Vários direitos foram negados ao Joelyson de forma indevida, pois mesmo sem o registro ele poderia ter tido acesso”, lamenta a coordenadora estadual de Promoção do Registro Civil de Nascimento da Sedihpop, Graça Moreira.
Assim, Joelyson foi crescendo e em sua cabeça apenas a preocupação de se tornar jogador de futebol, sua grande paixão. De vez em quando, ele cobrava dos pais e perguntava: “Porque eu não vou para a escola? Porque eu não tenho um documento de identidade?”
Recuperando o tempo perdido

Essas perguntas começaram a ser respondidas, assim que o motorista da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular, Cristiano do Nascimento, tomou conhecimento da gravidade do caso. Sensibilizado com o problema, ele não pensou duas vezes e acionou a equipe da Sedihpop, por meio da Adjunta dos Direitos das Crianças e do Adolescentes.
Com base na denúncia feita por Cristiano, a coordenadora estadual de Promoção do Registro Civil de Nascimento, Graça Moreira, imediatamente deu início aos procedimentos que resultaram no registro de nascimento do adolescente.
“O processo para a feitura do registro de nascimento pode ser muito demorado quando é feito assim, de forma tardia, pois é preciso haver um trabalho de busca em todos os cartórios para poder constatar que a pessoa, de fato, não tem outro registro, e isso pode levar até um ano”, contou a coordenadora.
“No entanto, para nossa alegria e surpresa, no caso do Joelyson, no dia que seria apenas a entrevista, todos os cartórios começaram a enviar suas certidões negativas, por conta do grande empenho da Corregedoria Geral de Justiça para resolver o problema. Dessa forma, a certidão de nascimento dele pôde ser expedida neste mesmo dia”, destacou.
Enfim, cidadão
“O dia que recebemos o documento representa para meu neto a sua nova data de nascimento. Com esse papel ele pode estudar, fazer um curso e ser quem ele quiser. Eu estou muito feliz e realizada e agradeço demais ao Governo por ter enxergado a gente”, disse a avó Maria Jucirene Monteiro.
Agora, Joelyson já está matriculado no programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA), da Unidade de Ensino Básico Governador Leonel Brizola, escola da rede municipal de São Luís, localizada no bairro Vila Luizão. “Aqui, ele será bem acolhido, receberá todo o material didático e dentro de pouco mais de 4 anos poderá concluir o seu currículo escolar”, explicou a diretora Solange Araújo.
O retrato da invisibilidade social no Brasil
Atualmente, nem mesmo o IBGE tem como responder quatos brasileiros não possuem sequer o registro civil de nascimento. Estima-se, com base no censo de 2010, que este número chegue à casa de 600 mil brasileiros.
Sem documentos, uma pessoa não pode acessar nenhum benefício social, votar, fazer alistamento militar e se cadastrar no Sistema Único de Saúde, o SUS.
Para diminuir o índice de sub-registro e os casos de registros tardios no Maranhão, a Sedihpop mantém uma série de ações de promoção desse direito, como a articulação da instalação de Postos de Registro Civil em hospitais e maternidades com grande número de partos, fazendo com que as crianças já deixem a unidade de saúde com sua certidão em mãos.
Para a secretária adjunta dos Direitos da Criança e do Adolescente da Sedihpop, Lissandra Leite, a articulação entre as diversas políticas públicas é muito importante para garantir o direito de todos a esse primeiro documento de cidadania. “Trabalhamos para que casos como o do Joelyson deixem de existir. Articulamos com os cartórios, com o Sistema de Justiça e com as Prefeituras para a implantação dos postos e orientamos os profissionais da saúde e assistência social sobre como devem apoiar a população na obtenção da sua documentação civil básica. Temos certeza de que, com o empenho de todos, teremos mais Joelysons com direitos assegurados”, destaca.
O Governo do Maranhão mantém 43 postos de registro civil espalhados em todas as regiões do Estado. Eles funcionam em hospitais/maternidades conveniados ao SUS e que realizem no mínimo 300 partos/ano.
A secretária ressalta também que, mesmo sem a certidão de nascimento, toda criança e adolescente tem direito de ser atendido na rede pública de saúde e ser inserida na escola. “O cidadão tem papel importante no combate a este tipo de injustiça social. Ao tomar conhecimento de que alguma criança não possui registro civil de nascimento, deve procurar o Conselho Tutelar ou alguma unidade da Defensoria Pública do Estado, caso não consiga resolver o problema diretamente com o cartório”.
Ela explica, ainda, que em caso de ter sido negado o acesso a qualquer direito pela ausência da certidão, pode–se também registrar o caso junto à Ouvidoria de Direitos Humanos pelo número (98) 9910-44558 ou através do e-mail ouvidoria.sedihpop@gmail.com, para que as autoridades relacionadas sejam provocadas a solucionar o problema.
Fonte: Agência Maranhão de Todos Nós