Primavera feminista em Tijuana contra o feminicídio

Uma nova geração de feministas mexicanas está se mobilizando com táticas cada vez mais radicais, na esperança de forçar seu governo a agir.

Protesto feminista no México em 14 de fevereiro - Foto: tumblr MarinaVampire

Dalilah Loza tem 15 anos e sonha em ser dentista ou economista – talvez até fotógrafa. Mas acima de tudo, ela quer ser a voz de sua mãe.

“Eu sou a única que pode falar por ela agora. Eu sou filha dela. Sou a única que realmente se importa ”, disse a adolescente, cuja mãe foi assassinada aos 33 anos em sua casa em Tijuana em setembro de 2019, na frente de Dalilah e de seu irmão mais novo.

Antes de fevereiro, Dalilah nunca havia participado de um protesto político. Mas quando feministas mexicanas saíram às ruas no Dia dos Namorados para denunciar a piora da crise de feminicídio no país, ela viu uma chance de garantir que a vida e a morte de sua mãe fossem lembradas.

Ladeada por dezenas de jovens manifestantes, Dalilah marchou para a sede da procuradoria-geral segurando um cartaz caseiro com o retrato e a mensagem: “Sinto sua falta, mamãe”.

“Minha mãe era a melhor mãe do mundo”, ela lembrou, e seu rosto se iluminou. “Você podia dizer a ela o que quisesse e ela nunca contava a ninguém. Ela era realmente minha melhor amiga.”

A mãe de Dalilah, Nery Rodei Pelayo Ramírez, foi morta a facadas pelo namorado em 16 de setembro – uma das quase 4 mil mulheres mexicanas mortas em 2019.

E com a violência ainda aumentando, uma nova geração de feministas mexicanas – a quem Dalilah se juntou recentemente – está se mobilizando com táticas cada vez mais radicais, na esperança de forçar seu governo a agir.

“Não ficaremos em silêncio esperando que outra mulher seja assassinada ou que outra garota seja estuprada”, disse Carolina Barrales, uma das fundadoras do Círculo Violeta, o coletivo feminista de Tijuana que ajudou a organizar o protesto de 14 de fevereiro.

Barrales disse que seu grupo apoiou a ação direta como forma de deter a violência de gênero.

Na capital do país, feministas mascaradas entraram em choque com a polícia e cobriram o palácio presidencial com tinta vermelha e grafite, denunciando o fracasso do presidente em proteger as mulheres no México.

Em Tijuana, ativistas tentaram fechar a passagem de fronteira mais movimentada do mundo, entre o México e os Estados Unidos.

“No Círculo Violeta, acreditamos em esmagar tudo o que precisa ser esmagado, gritar o que precisamos gritar, fazer o que precisar”, diz Carolina, de 33 anos, que também é mãe. “Nós não somos vândalos, mas apoiamos essa forma de protesto. É o nosso último recurso – e o último recurso que eles nos deixaram. Nós gritamos e gritamos e nada acontece”.

Neste fim de semana, as ativistas lançarão novos atos de resistência: uma manifestação nacional no domingo (8) e uma greve de mulheres de 24 horas com potencial para se tornar histórica na segunda-feira (9), na qual se espera a participação de mais de 20 milhões de mexicanas.

“Acho que será um momento realmente importante para mostrar nossa musculatura”, disse Soraya Vázquez, advogada de direitos humanos que atua no movimento feminista de Tijuana desde os anos 80, e chamou a atual mobilização, sem precedentes na história da cidade.

A revolta feminista do México ganha força desde o verão passado, quando manifestantes ocuparam as ruas no que foi apelidado de “revolução diamantina”.

Mas o levante atual começou em fevereiro, quando houve três feminicídios macabros e manchetes que chocaram a nação e destacaram o fracasso do governo em proteger as mulheres.

Primeiro, ocorreu o assassinato de Ingrid Escamilla, de 25 anos, em 9 de fevereiro. Ela foi esfaqueada e esfolada por seu parceiro, e teve uma foto do seu corpo estampada na primeira página de um tabloide local.

Dois dias depois, uma menina de sete anos, Fátima Cecilia Aldrighetti Antón, foi sequestrada e assassinada na Cidade do México, aumentando o clamor.

Enquanto isso, em Tijuana, todos os olhos estavam voltados para um terceiro crime: o assassinato de Marbella Valdez Villarreal, uma estudante de 20 anos cujo corpo foi encontrado em um depósito de lixo em 8 de fevereiro. Posteriormente, surgiram fotos mostrando o suspeito assassino de Valdez participando de seu funeral e colocando flores em seu caixão.

“Para mim, foi como um terremoto – um chacoalhão”, disse Barrales. “Muitas jovens se viram nela. Viram a história de Marbella como sua. Se isso aconteceu com ela, poderia acontecer com qualquer uma delas.”

A crise do feminicídio no México não começou com a presidência do atual mandatário, Andrés Manuel López Obrador, de esquerda, que assumiu em dezembro de 2018 e é mais conhecido como Amlo.

Mas o número de assassinatos está aumentando. No ano passado, 1.006 dos 3.825 assassinatos foram oficialmente classificados como feminicídios – mulheres ou meninas mortas por causa de seu sexo. O número foi comparado a 426 em 2015, quando as autoridades começaram a contar esses crimes.

E a resposta de Amlo aos recentes assassinatos enfureceu as ativistas de direitos das mulheres, muitas das quais votaram nele em 2018 acreditando que um líder progressista faria mais por sua causa.

Nas últimas semanas, Amlo criticou a greve da próxima segunda-feira (9) como parte de uma conspiração de “forças das trevas” preparada por agitadores conservadores. Em outra ocasião, pareceu lavar as mãos da crise do feminicídio, culpando as políticas “neoliberais” dos governos anteriores.

“Não estou enterrando minha cabeça na areia”, insistiu Amlo, embora os ativistas digam que ele faz exatamente isso

Barrales disse que votou em Amlo, mas ficou cada vez mais desiludida com a redução do financiamento de programas criados para apoiar as mulheres, incluindo creches e abrigos.

Com as declarações recentes, sua paciência se esgotou: “Para ser sincera, tento evitar observar a estupidez que esse homem revela. Ele simplesmente não se importa com a dor das mulheres. “

Barrales lembrou-se de ter sido convencida pelas promessas de Amlo de governar pelas pessoas e pelos pobres. “Mas agora vemos claramente o que realmente queremos dizer para ele – que não queremos dizer absolutamente nada. Minha opinião sobre ele é que é o presidente mais cínico e venenoso que já tivemos, incluindo Peña Nieto”, acrescentou.

Enquanto a batalha política se desenrola, Dalilah e sua família ainda estão lutando contra a dor.

Sua avó, Elvia Pelayo Gutiérrez, lembrou-se de ter recebido um telefonema de sua neta aterrorizada na tarde em que sua mãe foi morta.”Por favor venha!” Dalilah implorou. “Vou explicar quando você chegar.”

Quando Pelayo chegou, encontrou a casa cercada pela polícia e a ex-mulher do filho – que se mudara para Tijuana há quase 20 anos em busca de uma vida melhor – em uma cama.

Ela se recusou a entrar. “Queria me lembrar dela como ela era”, disse Pelayo, que também acredita que o governo está falhando em seu dever de proteger as mulheres.

Seis meses após o assassinato de Nery, o principal suspeito ainda não foi preso, e muito menos julgado pelo crime. Apenas 10% desses crimes levam a uma condenação.

“Acho que as autoridades não estão fazendo nada”, afirmou Pelayo. Aos 61 anos, cabe agora a ela criar seus dois netos, Dalilah e seu irmão de quatro anos. Enquanto isso, as jovens feministas da cidade – entre elas Dalilah – estão se preparando para a luta.

“Esta é a nossa primavera feminista aqui em Tijuana. E não vamos parar até conseguirmos justiça”, prometeu Barrales. “Está apenas começando.”

Colaborou Jordi Lebrija

Tradução: José Carlos Ruy

Fonte: The Guardian

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