Bolivianos condenam “Áñez assassina” em El Alto e polícia reprime
Duas sessões de honra que comemoravam os 35 anos de fundação de El Alto, “a mais jovem cidade boliviana”, onde ocorreu no ano passado o massacre de Senkata, foram encerradas na quinta-feira (5) com moradores, familiares e vítimas entoando “Áñez assassina” e jogando ovos, tomates, lixo e pedras na autointitulada presidenta e seus partidários.
Publicado 08/03/2020 15:57 | Editado 10/03/2020 20:46
Rechaçando a presença da autointitulada presidenta Jeanine Áñez, as primeiras confrontações se deram lugar na zona 25 de Julho do Distrito 8, durante a Sessão de Honra da Câmara de Senadores, e a segunda na Ceja, após a sessão do Conselho Municipal.
Áñez chegou sob forte escolta policial e após discursar na sessão de honra do Conselho, dizer que “o tempo de violência havia terminado” e fazer promessas de “100 milhões de dólares” que viriam para El Alto – sem explicar sobre os cortes já praticados nos recursos para a saúde, educação e segurança -, foi enfaticamente vaiada.
Diante da intensidade do protesto dos populares que tomaram as passarelas próximas ao local, as centenas de policiais militares que cercavam a governante tentaram garantir sua saída com violência e despejaram bombas de gás de forma indiscriminada.
Respondendo à agressão, manifestantes acabaram danificando os vidros de vários veículos governamentais e obrigando Áñez – – que também é candidata à Presidência nas eleições de 3 de maio – a fugir, fortemente escoltada e, literalmente, pela porta dos fundos.
Outra confrontação ocorreu no bairro de Senkata, quando os golpistas tentaram instalar uma sessão do Senado e moradores repudiaram a presença do forte aparato militar e exigiram a saída de senadores “vende-pátria” como Oscar Ortiz. Ex-candidato à presidência, Ortiz foi financiado pela Embaixada dos Estados Unidos, identificado como um dos artífices do golpe contra o presidente Evo Morales, sendo atualmente defensor da candidatura de Áñez.
Para reprimir o protesto em Senkata também foi lançada uma enorme quantidade de bombas tóxicas que atingiram estudantes do Colégio 25 de julho, obrigando que fossem liberados, evacuados e tratados.
Cinegrafista preso
Cobrindo os relatos dos abusos do enorme contingente policial, que chegaram inclusive a ocupar os tetos dos prédios vizinhos, o cinegrafista Rene Huarachi, da Rádio e Televisão Bartolina Sisa, foi preso na tentativa de impedir a veiculação de imagens que incriminassem o governo.
“Está mal que a Polícia atue contra as crianças. Eles não têm nenhuma culpa. Porque vieram jogar bombas nas pessoas e estas crianças não merecem porque esta é apenas uma escola”, declarou uma vizinha enquanto prestava socorro aos pequenos. O relato foi registrado pelos jornais, mas a pessoa ficou receosa de identificar-se.
Imagens mostram pais acendendo cigarros e tentando acender fogueiras para que a fumaça neutralize o efeito do gás lacrimogêneo que afetou as crianças.
A presidenta do Senado, Eva Copa, “repudiou totalmente o ato, pois a Polícia atuou de forma abrupta ao jogar gases, sabendo que há uma escola na frente”. Dirigente do Movimento Ao Socialismo (MAS), do candidato à Presidência Luis Arce, ex-ministro da Economia de Evo Morales, Copa assegurou que logo o tempo em que “se trata a população como selvagens” será página virada.
O massacre de Senkata
No dia 19 de novembro de 2019 em Senkata, havia muita fumaça e helicópteros em El Alto e Jeanine Áñez determinou uma megaoperação policial-militar para retomar a unidade da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), nacionalizada pelo governo Evo e ocupada por manifestantes contrários ao golpe, A ação resultou em um massacre em que morreram oficialmente 10 manifestantes e 30 ficaram feridos à bala.
Fartamente documentada, a covardia foi qualificada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas como “grave violação aos direitos humanos”. Apesar da eloquência das provas -,Áñez condecorou os responsáveis da Unidade Tática de Operações Especiais de La Paz com a “Medalha do Valor”, por sua “participação pacífica para recuperar a democracia no país”.
Arce: “Queremos justiça!”
Como tem sustentado Luis Arce, que lidera a disputa pela presidência, é insustentável que crimes como estes permaneçam impunes. “Somos povos de paz, não nos move o ódio nem a vingança, queremos justiça e não descansaremos até lográ-la”, sustentou.
Membro da Assembleia Permanente de Direitos Humanos em El Alto, o ativista David Inca denunciou o terrorismo de Estado praticado pelos golpistas e alertou para “os riscos da campanha de silenciamento, perseguições e ameaças” desencadeada contra jornalistas, “com o objetivo de invisibilizar as vítimas”.
“Quem está conseguindo romper o cerco midiático é a imprensa internacional, pois a mídia nacional está tendo uma relação comercial, mercadológica, que informa à medida em que o veículo recebe publicidades do governo, censuras ou ameaças”, frisou.