PIB de Bolsonaro/Guedes não chegou nem à metade da previsão do mercado
Na posse do presidente, estimava-se um avanço de 2,53%. do PIB. Mas o dado oficial foi de 1,1%.
Publicado 05/03/2020 11:25 | Editado 05/03/2020 12:43
O crescimento da economia brasileira em 2019 frustrou as expectativas do mercado. Quando o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, em 1º de janeiro do ano passado, a mediana das estimativas de consultorias e instituições financeiras para o Produto Interno Bruto (PIB), reunidas pelo Banco Central no boletim Focus, apontava um avanço de 2,53%.
Mas o dado oficial, divulgado nesta quarta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não chegou nem sequer à metade da estimativa inicial: 1,1%. Embora o fenômeno não seja novo – projeções de economistas já haviam se revelado equivocadas em anos anteriores –, a discrepância entre previsão e realidade é gritante.
Parte da confiança do mercado com o governo Bolsonaro se devia à confirmação do nome do ultraliberal Paulo Guedes como ministro da Economia. Guedes seria a garantia de uma gestão alinhada aos interesses empresariais e, em tese, criaria um ambiente mais favorável aos investimentos privados.
Apesar das medidas pró-mercado adotadas pelo governo – em especial, a nefasta reforma da Previdência –, o salto no crescimento econômico não se viabilizou. E os economistas do mercado, mais uma vez, erraram.
Em 2018, no último ano do governo Michel Temer, a previsão de crescimento do PIB era ainda mais otimista – de 2,7%. Porém, em um ano no qual a redução de juros pelo Banco Central não teve o efeito positivo esperado sobre a economia e em que uma greve de caminhoneiros parou o país por dez dias, a economia cresceu apenas 1,3%.
Com isso, após sair da recessão de 2015-2016, o Brasil está estagnado há três anos seguidos. A situação contraria a lógica de outros ciclos recessivos, em que a recuperação geralmente foi mais vigorosa em um primeiro momento.
Por ora, governistas correm a acusar “três choques” como causas do fiasco econômico: 1) o crime da Vale em Brumadinho, que atingiu o setor de mineração; 2) a recessão na Argentina, principal comprador de produtos manufaturados do Brasil; e 3) a desaceleração global provocada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China, que contribuíram para a queda de quase 6% das exportações brasileiras no ano passado – apesar do dólar mais caro.
Mas, na prática, uma das principais razões para a estagnação econômica é a falta de investimentos. A medida desse indicador dentro do PIB – a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – cresceu apenas 2,2% no ano passado. O resultado é inferior ao de 2018 (3,9%) e bem mais modesto do que o esperado pelos economistas no início de 2019 – a projeção do Ibre era de 4,7%.
A FBCF soma investimentos na construção civil, em máquinas e equipamentos e em outros ativos fixos. É esse índice que capta os efeitos do aumento da capacidade instalada de uma fábrica, por exemplo, ou da melhoria nos processos de uma linha de produção.
Trata-se de uma componente importante do PIB porque, via de regra, sinaliza aumento no potencial de crescimento da economia. Com o resultado de 2019, o nível dos investimentos ainda está mais de 20% abaixo do pico registrado em 2013.
O fator consumo
O avanço de 1,1% da economia em 2019 foi em boa parte sustentado pelo consumo das famílias – que aumentou 1,8% sobre 2018 –, especialmente os serviços prestados às famílias, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre. Mas segundo Silvia, essa tendência limita o potencial de crescimento do país, uma vez que a atividade industrial continua medíocre.
“O crescimento pautado no consumo é mais volátil”, concorda Rafael Pananko, da Toro Investimentos. O comércio e os serviços não têm o mesmo “efeito multiplicador da indústria”. São setores menos produtivos, que demandam nível menor de investimentos e pagam salários mais baixos.
A lenta recuperação da construção civil – que avançou 1,6% em 2019, após cinco anos consecutivos de retração – poderia contribuir para o crescimento em 2020. Na segunda-feira (2/3), antes da divulgação do “pibinho” de 2019, a mediana do boletim Focus para o crescimento em 2020 era de 2,17%. O próprio Rafael Pananko falava em 2,3% de alta do PIB.
Mas, além do “pibinho”, a economia brasileira sofrerá os efeitos da disseminação do surto de coronavírus. Pananko, mais recentemente, reduziu sua projeção de crescimento para um índice bem mais modesto: 1,5%. A do Ibre-FGV segue em 2,2%, mas com viés de baixa por conta da doença. Tudo indica que teremos mais um ano de frustração.
O analista William Jackson, da Capital Economics, critica as expectativas “demasiadamente otimistas” do mercado. Em janeiro, ainda antes da incerteza trazida pelo coronavírus, ele estimava crescimento de 1,5% para o PIB brasileiro em 2020. Sua leitura é que, além das limitações impostas pelo baixo investimento e pela fragilidade da indústria, o consumo tem uma capacidade limitada de estimular a economia neste ano.
De um lado, o governo dispõe de menos “aditivos” para incentivar as famílias a gastarem, como a polêmcia liberação de saques do FGTS, utilizado no ano passado. De outro, o mercado de trabalho segue dando sinais de que se recupera de maneira lenta, com geração de emprego de péssima qualidade. Assim, nesta semana, William Jackson cortou a projeção para 1,3%, antecipando parte dos efeitos negativos que o coronavírus deve ter sobre a economia brasileira.
Não foi a única revisão. O economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, diminuiu significativamente a estimativa para o Brasil, de 2,2% para 1,5%. A seu ver, o Pestá exposto aos riscos econômicos que surgiram com a disseminação do coronavírus de diferentes formas.
Uma delas é a balança comercial. A queda nos preços de commodities como petróleo, soja e minério de ferro – resultado da expectativa de desaceleração da economia chinesa – deve reduzir o superávit esperado para o ano. Se o surto afetar a China por muito tempo, há o risco de queda na demanda. Nesse caso, o impacto sobre a balança não viria apenas pelo canal do preço – mas também do volume. Afinal, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de 30% do valor total das exportações.
A desvalorização adicional do real é esperada, devido à saída de dólares do País para mercados considerados mais “seguros”, já que os investidores estão mais avessos a risco. Esse fator deve encarecer insumos importados, além de máquinas e equipamentos para investimentos. Sem contar a interrupção no fornecimento de matérias-primas para indústrias como a de eletroeletrônicos (celulares, notebooks, etc.), que trabalham com estoques reduzidos e usam uma série de componentes importados da China.
Em relatório divulgado na segunda (2/3), a OCDE revisou de 2,9% para 2,4% a projeção para o crescimento global por conta da disseminação da covid-19. Esse cenário leva em consideração que os efeitos negativos para a economia causados pela doença ficarão concentrados no primeiro trimestre e que o surto fora da Ásia será mais suave.
Com essas premissas, a instituição manteve inalterada a estimativa que tinha para o PIB do Brasil, de 1,7%. A OCDE alerta, entretanto, que se o surto for mais intenso e disseminado do que o esperado, o PIB global poderia cair à metade do esperado antes da revisão, para 1,5%, levando países como o Japão e a Zona do Euro à recessão.
Com informações da Época