Mineração em terra indígena ameaça grandes e pequenos rios na Amazônia
Cientistas pedem ao Congresso Nacional a rejeição do projeto de lei que permite a mineração em terras indígenas
Publicado 24/02/2020 09:02 | Editado 24/02/2020 12:51
Em nota conjunta com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cientistas do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) pedem ao Congresso Nacional a rejeição do projeto de lei 191/2020 que permite a mineração, garimpo, hidrelétricas, agricultura e exploração de petróleo e gás natural em terras indígenas.
No documento, eles explicam que não há interesse do governo do presidente Jair Bolsonaro de regular com devido cuidado esse tipo de atividade na Amazônia. Os povos indígenas ficariam sujeitos “às vontades de empresas e organizações privadas”.
O maior exemplo disso é o desmonte e militarização dos órgãos ambientais e indigenistas como Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
O projeto também é uma ameaça aos grandes e pequenos rios da região por causa da contaminação pelo mercúrio. As áreas de várzea, onde são praticadas a agricultura que abastece os estados da Amazônia, seriam prejudicadas.
Além contaminação da água e do solo, com consequências negativas para o abastecimento humano e agricultura, os rejeitos de mineração ainda têm potencial para afetar a navegabilidade dos rios.
A preocupação dos cientistas é que já é difícil a navegação na seca amazônica. Com a contaminação, seria criada mais uma barreira para o escoamento de produtos e deslocamento de pessoas que dependem do transporte fluvial.
“Ficou claro ainda que a legalização destas atividades não possui garantias de segurança efetiva e a ocorrência de catástrofes ambientais é iminente, como já observados nos crimes ocorridos em Mariana (MG), Barcarena (PA) e Brumadinho (MG)”, acusa a nota.
Insustentável
Segundo o documento, os geólogos presentes no debate “Mineração na Amazônia”, realizado no último dia 7, no Inpa, não conseguiram citar um único exemplo de atividade minerária sustentável, que não destrua a biodiversidade local ou que consiga restaurá-la pós-lavra.
“Conforme registrado na literatura científica, as atividades minerárias criam pouco ou nenhum desenvolvimento econômico e social local, concentrando renda entre os investidores do empreendimento e aumentando mazelas sociais ao restante da cadeia, como danos à saúde da população até a presença de trabalho análogo à escravidão, perpassando também por questões fundiárias, aumento da violência e crescimento desordenado da população”, diz a nota.
Além disso, eles dizem que a aplicação de royalties advindos deste tipo de atividade não tem propiciado desenvolvimento econômico ou social aos municípios e, citam como exemplo, a exploração de gás no município de Coari (AM), ou do ferro em Carajás (PA).
No documento são feitas as seguintes considerações e recomendações:
– Pautar propostas de mineração na Amazônia, em especial em terras indígenas, é um ato de violência contra a natureza e contra o povo da Amazônia.
– Viabilizar empreendimentos de extração de minério em nada garante o desenvolvimento socioeconômico regional, não existindo exemplos de atividades minerárias que foram desenvolvidas de forma sustentável em nenhum lugar do mundo, sobretudo considerando o atual desmonte ambiental, seria inviável garantir fiscalizações adequadas para coibir abusos da inciativa privada.
– Que o PL 191/2020 é inconstitucional, pois fere a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada com o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 que estabelece o direito a consulta prévia, livre, de boa fé e informada dos povos indígenas e tribais que possam ser impactados por qualquer empreendimento.
– Que as propostas de liberação de mineração e garimpo na Amazônia, inclusive em terras indígenas, sejam vetadas pelo risco que representam e pela inexistência de segurança para resguardar os grandes e pequenos rios, as comunidades ribeirinhas, as indígenas e as áreas de várzea, onde é praticada a agricultura que abastece os estados da Amazônia.
– A interferência do Ministério Público Federal (MPF), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Congresso Nacional para rejeitar este PL e impedir o etnocídio e ecocídio programado por esta e outras proposituras sobre Amazônia e seus habitantes, em especial os povos indígenas, e a entrega do patrimônio ambiental do Brasil à iniciativa privada.
– O cumprimento da Convenção 169 da OIT e do decreto Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.