Juristas pela Democracia criticam ataque do Judiciário aos petroleiros
Para a ABJD, decisões monocráticas contrárias à greve revelam uma “guinada antidemocrática”
Publicado 18/02/2020 13:19 | Editado 18/02/2020 16:18
A ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) lançou nota pública, nesta terça-feira (18), para repudiar as decisões monocráticas contrárias à greve dos petroleiros. De modo incisivo, a entidade manifesta “sua preocupação e profundo desacordo com a guinada antidemocrática de setores do Poder Judiciário, espelhada pelas posições do ministro Ives Gandra Martins Filho do TST (Tribunal Superior do Trabalho), e do ministro Dias Toffoli do STF (Supremo Tribunal Federal)”.
Segundo a ABJD, esses setores, “ao analisarem demanda proposta pela Petrobras em desfavor do movimento paredista, legalmente constituído por seus trabalhadores e trabalhadoras, limita, senão põe fim, ao direito de greve, garantido pela Constituição Federal de 1988”. A crítica se baseia na decisão do TST de exigir “manutenção de 90% dos trabalhadores em atividade” na Petrobras, “garantia da livre circulação nas unidades da empresa” e multa exorbitante em caso de “descumprimento da decisão”.
“A posição é teratológica e cria precedente extremamente perigoso, na medida em que aponta percentual quase total de trabalhadores que devem continuar em atividade, esvaziando, assim, a possibilidade do exercício do direito de greve”, aponta a ABJD. “Além do mais, descaracteriza a jurisdição trabalhista que deve primar pela mediação das negociações coletivas, ao fechar a porta de diálogo pela via da resposta judicial, desdobrando-se como uma prática completamente antissindical.”
Leia abaixo a íntegra da nota:
NOTA | ABJD defende trabalhadores em greve e critica decisões dos ministros do TST e STF
No ordenamento jurídico brasileiro, a greve representa uma forma de autotutela, que se efetiva com a paralisação temporária, coletiva e pacífica da prestação de serviço por parte das trabalhadoras e trabalhadores.
Em seu artigo 1º, a Constituição Federal de 1988 declara que os valores sociais do trabalho, e a dignidade da pessoa humana são fundamentos da República Federativa do Brasil. Em seus artigos 6º, 7º a 11º, e 170º, a Carta elenca os direitos sociais – incluído o trabalho – como direitos fundamentais, e subordina a ordem econômica a eles. Com outras palavras, nos diz que as normas devem ser criadas a partir do princípio da proteção, sendo a dignidade humana a base do trabalho e da ordem econômica.
Sobre o direito de greve, em seu artigo 9º, a Constituição Federal assegura que cabe aos trabalhadores definirem a oportunidade e sobre quais interesses se dará seu exercício, e à lei determinar as atividades essenciais que devem ser mantidas nas paralisações, para evitar prejuízos à sociedade. Ao Poder Judiciário incumbe analisar casos concretos de possível abusividade durante as greves.
É nesse sentido que a ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) vem a público externar sua preocupação e profundo desacordo com a guinada antidemocrática de setores do Poder Judiciário, espelhada pelas posições do ministro Ives Gandra Martins Filho do TST (Tribunal Superior do Trabalho), e do ministro Dias Toffoli do STF (Supremo Tribunal Federal) que, ao analisarem demanda proposta pela Petrobras em desfavor do movimento paredista, legalmente constituído por seus trabalhadores e trabalhadoras, limita, senão põe fim, ao direito de greve, garantido pela Constituição Federal de 1988.
Não nos parece nada razoável que, sob a inafastável observância do princípio da proteção e do direito de greve ainda vigentes, possa o Poder Judiciário considerar que há razoabilidade nas decisões monocráticas do ministro Dias Toffoli do STF, e do ministro Ives Gandra Martins Filho do TST, atestando a necessidade de manutenção de 90% dos trabalhadores em atividade, a garantia da livre circulação nas unidades da empresa, além de fixar multa aos sindicatos por descumprimento da decisão, reformado o julgamento da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), órgão colegiado do TST.
A posição é teratológica e cria precedente extremamente perigoso, na medida em que aponta percentual quase total de trabalhadores que devem continuar em atividade, esvaziando, assim, a possibilidade do exercício do direito de greve. Além do mais, descaracteriza a jurisdição trabalhista que deve primar pela mediação das negociações coletivas, ao fechar a porta de diálogo pela via da resposta judicial, desdobrando-se como uma prática completamente antissindical.
A falta de compreensão acerca dos valores democráticos e o desrespeito às garantias e aos direitos fundamentais, reiteradamente consagrados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pela Constituição Federal de 1988, assentados nos entendimentos isolados de dois ministros integrantes de Cortes que deveriam primar pelas suas preservações e defesas, apenas corroboram com a fragilização institucional do sistema de justiça.
Dessa forma, a ABJD clama pela observância da Constituição Federal e dos direitos sociais nela esculpidos e se coloca ao lado dos defensores e defensoras do Estado Democrático de Direito, da luta dos trabalhadores e trabalhadoras por dignidade, direito de livre manifestação, defesa de garantias fundamentais e da soberania nacional, pelo meio constitucional de luta à sociedade garantido: o direito de greve.