A servidão do emprego doméstico e o dólar nefasto de Paulo Guedes
A falácia de Paulo Guedes está superada pela história desde que houve a compreensão da igualdade social, quando a escravidão do mundo antigo e a servidão do mundo medieval foram superadas.
Publicado 13/02/2020 21:34 | Editado 14/02/2020 13:17
É comum se ver em lugares frequentados por quem ostenta algum sinal de riqueza a empregada doméstica devidamente paramentada de forma a deixar bem definida a diferença entre patrões e serviçal. Uma obtusidade social que só perde, em termos de opressão, talvez, para algumas castas em alguns rincões do mundo. Em poucos lugares é tão fácil pagar salário vil e impor condições de trabalho desumanas para alguém limpar banheiros, cozinhar, lavar e passar roupas, ou cuidar de crianças.
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Também em poucos países uma elite perdulária como a brasileira vive num mundo de mentiras, de trocas de favores, de tráfico de influência, de sonegação de impostos. É um tipo de gente com conhecimentos financeiros, que sabe conservar e ampliar sua fortuna em um país em que a crise econômica atinge cruelmente a maioria da população, entregando seu dinheiro para instituições bancárias muito bem enfronhadas nas malandragens do mundo do capital.
Estima-se que do total de contribuintes mais endinheirados a quantidade que declara sua renda deve representar entre 40% e 50%. São os artífices do caixa dois, da evasão de divisas e da lavagem de dinheiro. Boa parte dos dólares aplicados por investidores estrangeiros no país pertence a brasileiros. Durante muito tempo, convencionou-se (com base em estimativas da Receita Federal) que cada real arrecadado em impostos corresponde a outro sonegado.
O dinheiro, depositado em paraísos fiscais, retorna ao país sob a forma de investimento em ações e em aplicações de renda fixa, sem identificação do titular da conta, e sai sem pagar imposto algum. As empresas estrangeiras registram o capital que investem no país como empréstimos feitos pela matriz para poder remeter os juros às matrizes sem pagar Imposto de Renda. O assunto já rendeu até uma CPI, promovida pelo Senado em 1994.
Tese fantasiosa
São essas pessoas que dizem haver “frouxidão” das autoridades no combate à violência e à “corrupção”, e pregam uma dura política repressiva como prova visível de que o crime não compensa. Para elas, a solução seria colocar a polícia nas ruas com metralhadoras a tiracolo, implantar uma política de “tolerância zero” e adotar a pena de morte. E não permitir que empregadas domésticas visitem a Disney — a não ser como serviçais de seus patrões.
Foi o que defendeu o ministro da Economia Paulo Guedes ao dizer que a taxa de câmbio mais alta é “boa para todo mundo” e coíbe “abusos” como viagens de empregadas domésticas à Disney. A base da sua argumentação é que com o dólar na lua haverá mais investimento privado. “Vamos investir, consumir mais e, ao mesmo tempo, ter um câmbio um pouquinho mais alto, o que é bom para todo mundo. Mais exportação, mais substituições de importações”, receitou.
É uma tese falaciosa. Industrialização para valer foi a adotada por Getúlio Vargas, especialmente no seu segundo governo, quando ele desenvolveu uma política nacional impulsionada pelos polos estatais da Revolução de 1930, apoiados no BNDE (depois BNDES) e na Petrobras, criados em 1953. Ao mesmo tempo, criou uma lei de remessa de lucros para obrigar as empresas estrangeiras a investir no país. Com isso, levou a cabo um extenso programa de substituição de importações e modernizou o parque industrial brasileiro.
Igualdade política
Uma política industrial para o país continuar se desenvolvendo e exportar mais é uma necessidade inquestionável, uma urgência que o Brasil precisa atacar e vencer. O paradigma econômico vitorioso utilizando o que o país tem de melhor, a agricultura farta, não basta. Seria muito mais racional e lógico, em vez de exportação in natura, beneficiar seus produtos de modo a não ficar à mercê das cotações ditadas pela Bolsa de Chicago e gerar empregos, estimulando o consumo.
O ponto comum entre as necessidades de fortalecimento do mercado interno e aumentar a participação na economia internacional atende por um nome: Estado. Além dos investimentos públicos agindo como locomotiva da economia, a política cambial está no centro dessa equação. A moeda excessivamente fraca numa economia como a brasileira afeta muito mais do que viagens internacionais.
Grande parte dos bens produzidos no país também encarecem pela importação de peças e insumos. Outra consequência é o aumento das exportações de alimentos, beneficiadas pela troca cambial favorável aos exportadores — mais reais adquiridos por cada dólar trocado —, que faz os preços internos subirem. De acordo com o Dieese, os preços da cesta básica aumentaram, em janeiro, em 11 das 17 capitais pesquisadas.
A falácia de Paulo Guedes, enfim, está superada pela história desde que houve a compreensão da igualdade social, quando a escravidão do mundo antigo e a servidão do mundo medieval foram superadas — a partir do momento em que a igualdade política entre os homens se firmou. O patrão é igual ao operário. O latifundiário é igual ao camponês. Foi a Revolução Francesa que proclamou essa verdade-síntese, essa verdade política fundamental: todos os homens são iguais.