Turbulência ocasional e tendência inexorável no petróleo

Em momentos como esse, de turbulência, o certo é a instabilidade, pois não se pode prever a evolução de um contencioso tão imponderável quanto este entre Estados Unidos e Irã; de qualquer maneira, a hipótese de riscos maiores perdura.

O assassinato do general iraniano Qassim Soleimani, perpetrado em 2 de janeiro desse ano, por ordem do presidente Donald Trump, criou uma imediata intranquilidade no setor do petróleo. Dirigentes iranianos falaram em “vingança severa”. O preço do petróleo subiu 4%, o Brent foi a mais de US$ 70 o barril. 

No Oriente Médio, o clima ficou agudamente tensionado, o país persa encheu-se de indignação pela ação terrorista do Estado norte-americano. Mas não se poderia prever o que iria acontecer. Então, começaram as especulações. A principal delas era a de uma intervenção do Irã no Estreito de Ormuz. 

O Estreito de Ormuz é a faixa de mar que liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã e daí ao Oceano Índico e ao mundo. A certa altura, nesse gargalo, a distância entre suas margens é de apenas 33 km, e por aí passam centenas de petroleiros diariamente, transportando mais de 20% de todo o petróleo vendido no planeta, produzidos pela Arábia Saudita, Iraque, Emirados Árabes Unidos e Kuwait. É também por esse estreito que passa quase todo o gás natural liquefeito (GNL) do Qatar, o maior exportador de GNL do mundo. O detalhe crucial é que o Estreito de Ormuz fica nas costas do Irã. 

O preço do petróleo seguramente teria nova alta, maior e duradoura, e a crise se tornaria dramática, se a navegação fosse obstruída no Estreito de Ormuz. 

Mas não foi esse o caminho seguido pelo Irã. O país optou por bombardear duas bases americanas no Iraque. O “tudo bem” dito por Trump, após os bombardeios, foi visto como uma reviravolta, e o preço do petróleo caiu. 

Em momentos como esse, de turbulência, o certo é a instabilidade, pois não se pode prever a evolução de um contencioso tão imponderável quanto este entre Estados Unidos e Irã. De qualquer maneira, a hipótese de riscos maiores perdura. Mas, se são difíceis prever movimentos que dependem de contextos nebulosos, é possível, sim, identificar a tendência da evolução do setor de petróleo no mundo, pois depende de fenômenos incontrastáveis. 

O primeiro deles é o declínio do combustível de origem fóssil, que predominou no mundo desde fins do século XIX, por todo o século XX e até hoje. Essa predominância sustenta-se, principalmente, em gigantesca frota de veículos, de tamanhos diversos, em número superior a um bilhão, queimando o dito combustível. O inexorável avanço tecnológico e a generalização da consciência ecológica estão levando esse predomínio a um ponto de inflexão. 

Hoje, o que cresce no mundo é a fabricação do carro elétrico, ou híbrido, ou a hidrogênio. Países como China, Estados Unidos e Japão estão na dianteira desse processo, seguidos por outros tantos. A Bloomberg mostrou que já agora, na Noruega, “mais de um terço de todos os carros novos são elétricos” e que o país “planeja, para 2025, não mais vender carros novos a gasolina ou a diesel…”.

Fabricantes de enorme importância já marcam datas para suas “viradas” no sentido do abandono do carro tradicional. A sueca Volvo, a britânica Jaguar Land Rover, as alemãs Audi, Mercedes Benz e BMW, estão nesse caminho. A norte-americana General Motors, fabricante do Chevrolet, lançou o seu “elétrico popular”, e o batizou de “Bolt”. Outra norte-americana, a Tesla, fundada em 2003, e que só fabrica carro elétrico, já exibe um valor de mercado superior a US$60 bilhões, maior que os da Ford e da GM. Aqui no Brasil, a Volkswagen acaba de anunciar para o final desse ano o início de produção em série do seu elétrico “e-Delivery”, e já negocia com a Ambev um contrato de intenção de compra de 1,6 mil unidades desse veículo. 

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Estreito de Ormuz é a faixa de mar que liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã

O número de carros elétricos em circulação ainda é incomparavelmente menor que o dos tradicionais. O petróleo, ademais, tem muitos outros usos, em particular a petroquímica. Mas os fatos já mostram uma tendência segura de reorientação da indústria automobilística. Projeções dão conta de que, em 25 ou 30 anos, cerca de 80% dos veículos novos vendidos no planeta serão elétricos. Daí a Bloomberg afirmar que não estamos em uma “época de mudanças, mas ante a mudança de uma época”. Recentemente aceita-se que essa mudança está sendo mais rápida do que se pensava. 

Nós brasileiros, ante essa tendência inexorável, precisamos rever planos e atitudes, a começar pela tomada de consciência de que nos tornamos detentores de grandes reservas petrolíferas, quando a importância dessas reservas começam a declinar. Mais uma vez devemos nos referir ao que disse o ex-ministro de Energia da Arábia Saudita, Sheik Ahmed Yamani, para quem “a idade da pedra terminou não por falta de pedra, mas porque mudou a tecnologia, e a idade do petróleo acabará não por falta de petróleo, mas também pela mudança tecnológica”. 

Tudo isto acontece no quadro da chamada Quarta Revolução Industrial, que aponta para uma grande conectividade digital e para a automação, o que acentua o alerta de que está em curso uma mudança de paradigma tecnológico. 

Nessa situação, toda e qualquer leniência na busca do desenvolvimento deve ser afastada. Interessa-nos aproveitar o petróleo que temos em benefício de nossa gente, para alavancar nosso parque industrial, educação, saúde. E isto deve ser feito com rapidez, sem o que o tempo passará, a mudança de paradigma tecnológico ocorrerá, e poderemos ficar “pendurados na brocha”. 

Mas a rapidez que nos interessa não é para entregar nossa riqueza, mas para explorá-la em proveito dos brasileiros. Para tanto a Petrobras deve ser fortalecida. 

Apesar de todas as sabotagens, corrupção e ameaças de privatização de que tem sido vítima, sua existência é o pressuposto da presença significativa e soberana do Brasil no setor. 

Deve-se aprimorar também a “partilha” no pré-sal, procurando-se, em contratos futuros, aumentar a parte da União no excedente em óleo durante as três décadas do contrato, e não trocar essa participação por bônus mais elevado e pequena participação da União no excedente em óleo, como se fez no “megaleilão” de novembro de 2019. 

Há que se fortalecer a empresa que fiscaliza os contratos de partilha, a PPSA, sem o que os custos a serem ressarcidos poderão subir a ponto de tornar-se ilusória mesmo uma grande participação da União no referido excedente. 

O país necessita e tem condições de ter, ao lado da Petrobras, petroleiras e parapetroleiras privadas brasileiras, de razoável porte, capazes de preencher desafios que a Petrobras não pode responder. A estatal deve se comprometer com o interesse nacional em ajudar a alavancar essas empresas, que poderão revitalizar campos maduros de bacias como a do Recôncavo, a de Campos e outras, evitando seu abandono quando ainda neles existem reservas expressivas. O “desinvestimento” em campos maduros deve ser uma operação comercial para propiciar novos investimentos.

*Haroldo Lima é engenheiro e consultor na área de petróleo e gás. Foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 

Artigo publicado originalmente no Uol

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