EUA: sindicalismo, imperialismo e anticomunismo
Durante o século 20, o governo dos EUA foi repetidamente adversário de movimentos de esquerda e apoiou ou promoveu golpes de Estado em todo o mundo, com o apoio e ajuda de líderes sindicais estadunidenses. Um acerto de contas da história espúria de colaboração entre a AFL-CIO e o imperialismo dos EUA ajuda a forjar no século 21 um sindicalismo avançado e verdadeiramente internacionalista.
Publicado 16/01/2020 17:24 | Editado 16/01/2020 23:18
Dois dias após s deposição do presidente socialista Evo Morales, da Bolívia, por um golpe militar de direita, em novembro passado, o presidente da AFL-CIO, Richard Trumka, usou o Twitter para condenar o golpe e elogiar Morales por reduzir a pobreza e defender os direitos indígenas. Ao fazer isso, Trumka juntou-se a Bernie Sanders, Ilhan Omar, Alexandria Ocasio-Cortez e outras figuras proeminentes da esquerda ao combater a narrativa dominante do establishment político e na mídia dos EUA – de que a deposição de Morales seria uma vitória da democracia.
Embora seja adequado que o presidente da maior federação sindical dos EUA denuncie um golpe de direita contra um líder de esquerda – golpe que foi endossado pelo Departamento de Estado dos EUA e pela CIA –, também representa uma importante quebra de precedente para a AFL-CIO.
Embora raramente discutida, a AFL-CIO tem uma longa história de apoio ao governo dos EUA na ação contra movimentos de esquerda em todo o mundo, inclusive através de golpes de Estado.
Durante a Guerra Fria, o Conselho Executivo da AFL-CIO e o Departamento de Assuntos Internacionais foram dirigidos por anticomunistas zelosos determinados a minar a ascensão de sindicatos de esquerda no exterior. Como seus parceiros no governo dos EUA, George Meany, presidente da AFL-CIO (1955-1979), e seu sucessor, Lane Kirkland (1979-1995), entenderam que se permitissem prosperar os movimentos de trabalhadores com consciência de classe representariam uma séria ameaça ao capital.
Meany, Kirkland e outros dirigentes da AFL-CIO aderiram a uma filosofia de “sindicalismo empresarial”, o que significa que eles não desejavam derrubar o capitalismo – mas promoveram a ideia de que a colaboração de classe e a negociação limitada no local de trabalho por questões de “pão com manteiga” trariam aos trabalhadores a prosperidade de que eles precisavam. Defendiam o nacionalismo econômico em detrimento da solidariedade internacional do trabalho, argumentando que os trabalhadores estadunidenses receberiam salários mais altos e haveria menos desemprego desde que as empresas dos EUA tivessem acesso fácil ao mercado dos outros países para vender produtos “made in USA” – uma versão do tipo de ideologia nacionalista que alimentou o racismo e a xenofobia entre segmentos da classe trabalhadora nos EUA e ajudou a ascensão de Trump ao poder.
Desde ajudar golpes militares apoiados pelos EUA no Brasil e no Chile até guerras de contra-insurgência implacáveis no Vietnã e em El Salvador, a política externa da AFL-CIO durante a Guerra Fria foi fundamentalmente voltada para os interesses do imperialismo americano. Na década de 1970 – quando o capital lançou seu forte ataque aos direitos dos trabalhadores em todo o mundo –, a AFL-CIO perdeu a credibilidade que poderia ter como veículo para a libertação mundial da classe trabalhadora. Foi ridicularizada pelos lutadores anti-imperialistas no país e no exterior , com o apelido de “AFL-CIA”.
Nesta nova década, a perspectiva rejuvenescida de um movimento de trabalhadores nos EUA é forte: uma nova geração de trabalhadores parece ansiosa por se sindicalizar; o número de greves é o maior em 30 anos; os Socialistas Democratas da América têm rápido crescimento com o objetivo puxar os sindicatos para a esquerda por meio de uma estratégia comum; Bernie Sanders, de longa data, planeja dobrar a filiação sindical se for eleito presidente; e sindicalistas militantes como Sara Nelson (que poderá vir a ser presidenta da AFL-CIO) se destacam.
É um bom momento, então, para ativistas e líderes sindicais de esquerda contarem a história do uso do sindicalismo de direita pelo imperialismo dos EUA – uma história ainda desconhecida pelos ativistas mais jovens que chegaram à maioridade no início do século 21. Contar essa história pode ajudar a garantir que um movimento sindical ressurgente nos EUA desempenhe um papel positivo e eficaz na construção da solidariedade mundial dos trabalhadores, em vez de sustentar uma ordem imperialista que prejudica a classe trabalhadora nos EUA e no mundo.
Embora décadas de propaganda empresarial tenham tentado dizer o contrário, o sindicato tem poder. Não apenas o poder de aumentar os salários ou ganhar uma folga remunerada, mas o poder de derrubar governos e parar as economias nacionais.
Durante a Guerra Fria, o governo dos EUA entendeu isso muito bem. Para as autoridades dos EUA determinadas a preservar e expandir o capitalismo internacional diante de uma esquerda mundial cada vez mais influente, os sindicatos representavam uma ameaça séria. Tornaram-se, portanto, um alvo crucial da intervenção imperialista dos EUA: em vez de lhes permitir montar um desafio efetivo ao capital radicalizando os trabalhadores e alimentando movimentos políticos de esquerda, os sindicatos precisariam ser transformados em instrumentos para conter o potencial revolucionário da classe trabalhadora.
Nesse processo, a arma mais poderosa do trabalho organizado – a greve – seria cooptada e usada para perseguir objetivos reacionários, ou seja, para minar os governos de esquerda. Para subverter sindicatos estrangeiros e atraí-los a seus próprios fins imperialistas, o Departamento de Estado dos EUA e a CIA encontraram um aliado entusiasmado na AFL-CIO.
A Guerra Fria coincidiu amplamente com o período em que o movimento dos trabalhadores, nos EUA, estava forte. Mais trabalhadores dos EUA foram sindicalizados nas décadas de 1950 e 1960 do que em qualquer outro momento da história, dando aos líderes sindicais como Meany grande influência política.
Como anticomunistas, os funcionários da AFL-CIO optaram por usar esse poder para ajudar o governo dos EUA a minar a influência esquerdista em sindicatos estrangeiros. Na prática, isso significava interferir nos processos internos dos sindicatos de outros países, fomentar rivalidades internacionais, criar e sustentar financeiramente organizações sindicais fragmentadas, formar sindicalistas conservadores e usar o poder da greve para sabotar governos progressistas.
Após décadas dessas intervenções imperiais, o trabalho organizado em todo o mundo ficou dividido e enfraquecido, facilitando ao capital transnacional explorar trabalhadores na era do neoliberalismo.
Graças à firme resistência contra o fascismo, os partidos comunistas da Europa Ocidental conquistaram amplo apoio popular durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente entre a classe trabalhadora. No final da guerra, federações sindicais como a Confederação Geral do Trabalho (CGT), na França, e a Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL), na Itália, foram lideradas ou fortemente influenciadas pelos comunistas.
Em 1945, os movimentos sindicais das nações aliadas – incluindo a Grã-Bretanha, a União Soviética e os EUA – formaram a Federação Sindical Mundial (FSM), uma espécie de ONU para o trabalho. Nesse momento, a AFL e o CIO ainda eram entidades distintas e concorrentes.
Fundada em 1886, a AFL, politicamente conservadora, incluía sindicatos de trabalhadores qualificados e artesanais, enquanto o CIO – fundado em 1935 como uma organização que se separou da AFL – representava trabalhadores em indústrias, como automóveis e aço. Mais novo e mais progressista, o CIO, que devia seu crescimento ao trabalho de militantes comunistas e outros da esquerda, logo aderiu à FSM. Mas a AFL, maior e firmemente anticomunista, recusou-se a ter algo a ver com a nova organização mundial porque incluía sindicatos da União Soviética (URSS).
Líderes da AFL como Meany argumentaram que os esquerdistas – particularmente os comunistas – eram inerentemente “totalitários” e que quaisquer sindicatos que liderassem eram ilegítimos como representantes dos trabalhadores. Ele e o outros internacionalistas anticomunistas da AFL sustentaram que apenas sindicatos “democráticos” ou “livres” – isto é, pró-capitalistas e empresariais – tinham alguma legitimidade.
A ironia dos sindicalistas “livres” era que frequentemente pisoteavam a democracia e a autonomia sindicais enquanto afirmavam defender esses mesmos princípios. Sempre que comunistas ou outros esquerdistas alcançavam posições de liderança em sindicatos em outros países por métodos democráticos e com apoio comum, pessoas ligadas à AFL atuavam para garantir que seus sindicalistas anticomunistas escolhidos a dedo tivessem os recursos para montar sindicatos divisionistas e posições robustas de ruptura.
Em 1944, antes que as linhas de batalha da Guerra Fria tivessem sido traçadas, a AFL estabeleceu o Comitê de Sindicatos Livres (FTUC) para minar os sindicatos liderados pelos comunistas na Europa Ocidental. Jay Lovestone, que já fora líder do Partido Comunista dos EUA, mas que foi expulso em 1929, foi escolhido para dirigir a FTUC.
Lovestone havia ingressado no movimento sindical na década de 1930, através do Sindicato Internacional das Mulheres do Vestuário. Ansioso por vingança contra seus ex-companheiros, ele trabalhou para o presidente anticomunista do UAW (United Automobile Workers), Homer Martin, e usou seu conhecimento íntimo do Partido Comunista dos EUA para ajudar Martin a expulsar seus oponentes sindicais. Essa experiência fez dele a escolha perfeita para dirigir a FTUC.
Como diretor da FTUC, Lovestone enviou seu associado, Irving Brown, para ser seu homem na Europa. De um escritório em Paris, Brown começou a dividir o movimento sindical internacional acusando a FSM de ser uma organização dominada pelos soviéticos. Ele trabalhou particularmente para dividir a CGT francesa, apoiando sua facção interna não comunista, a Força Ouvrière, a se transformar em uma concorrente direta contra a CGT.
A Force Ouvrière havia começado como um pequeno grupo na CGT, disposto a coexistir com os comunistas. Brown ajudou a transformar esse grupo em uma organização sindical anticomunista separada, sustentada mais pelos fundos dos EUA do que pelo apoio popular.
Entre 1947 e 1948, o governo dos EUA alcançou a AFL na Guerra Fria; criou a CIA e lançou o Plano Marshall para garantir a “contenção” do comunismo, reconstruindo a economia europeia destruída pela guerra, dentro de uma estrutura capitalista. Reconhecendo o movimento sindical como um campo de batalha crucial da Guerra Fria, a CIA foi atraída pela FTUC de Lovestone e, em 1949, concordou em financiar os esforços da FTUC na ação contra os sindicatos comunistas no exterior, em troca de informações sobre organizações sindicais estrangeiras.
Os líderes da AFL Meany, David Dubinsky e Matthew Woll estavam na nova parceria, assim como Lovestone e Brown, mas outros sindicalistas da AFL e dos EUA mantiveram-se no escuro e sabiam pouco do que a FTUC estava planejando.
Pode ser difícil entender que líderes sindicais dos EUA forjaram uma aliança secreta com a CIA para dividir de forma não democrática os sindicatos no exterior. Mas os líderes da AFL e a CIA compartilhavam da crença de que os sindicatos de esquerda eram literalmente capazes de provocar a revolução proletária.
Para impedir que isso acontecesse, a CIA precisava da experiência da AFL. Como as direções anticomunistas pró-capitalistas da AFL já estavam trabalhando para minar os movimentos sindicais de esquerda antes mesmo da criação da CIA, eles não precisavam de nenhum convencimento.
Agora cheio de dinheiro da CIA, no início dos anos 50, Brown tinha a reputação de carregar malas de dinheiro para comprar a lealdade de sindicalistas na França, Itália, Alemanha Ocidental e outros lugares. Onde quer que os sindicatos comunistas fossem fortes, sindicatos anticomunistas eram criados e apoiados financeiramente pela FTUC/CIA.
A AFL também fez parceria com o Departamento de Estado dos EUA, que desenvolveu um corpo de adidos sindicais e os alocou em embaixadas dos EUA no exterior. Frequentemente egressos das fileiras dos sindicatos da AFL e examinados por Lovestone, os adidos sindicais do Departamento de Estado usavam sua influência diplomática para isolar e desacreditar os sindicatos liderados pelos comunistas da Europa.
Lovestone também enviou agentes da FTUC para a Ásia. Após a Revolução Chinesa de 1949, Willard Etter, representante da FTUC, instalou-se em Formosa (Taiwan). Com os recursos fornecidos pela CIA, Etter apoiou a Liga do Trabalho da China Livre, que serviu de fachada para atividades de espionagem e sabotagem.
Equipes de agentes anticomunistas chineses viajaram secretamente de Formosa para a China continental, onde não apenas reportavam informações a Etter por transmissões de rádio – mas também explodiram o suprimento de combustível (causando baixas civis) e tentaram agitar os trabalhadores em fábricas estatais.
Com a operação na China da FTUC, a AFL tornou-se cúmplice em atividades terroristas patrocinadas pela CIA, afastando-se de seu objetivo básico de capacitar os trabalhadores. A maioria dos agentes de Etter foi capturada e executada pelo governo chinês depois que a CIA perdeu o interesse e os abandonou assim que a Guerra da Coreia começou.
A relação entre a AFL e a CIA era difícil. Lovestone se irritou com a burocracia e a supervisão da CIA, exigindo continuamente maior independência para sua FTUC. Por sua parte, alguns dos principais escalões da CIA – normalmente os WASPs da Ivy League [Nota da Redação: suposta aristocracia de brancos, protestantes e anglo-saxões, reunidos nas principais universidades dos EUA] – olhavam com desdém para os contatos da AFL, cuja maioria era de judeus e católicos irlandeses com educação de imigrantes e da classe trabalhadora.
A aversão era mútua, com Lovestone frequentemente ridicularizando seus parceiros da CIA como “garotos fracassados” em cartas a Brown. Tal acrimônia era um subproduto trivial da parceria desagradável entre a voz nominal da classe trabalhadora dos EUA e o estado imperialista dos EUA.
Apesar das tensões interpessoais, a aliança FTUC-CIA na Europa Ocidental alcançou o objetivo principal de dividir a FSM em 1949. Cada vez mais pressionado pela geopolítica da Guerra Fria, o CIO e o Sindicato Britânico de Comércio romperam com a FSM no início daquele ano. A ruptura resultou em desentendimentos sobre o Plano Marshall, ao qual os sindicatos liderados pelos comunistas se opuseram, alegando que era uma tentativa de minar sua influência e reconsolidar o sistema capitalista internacional, com os EUA no centro.
Foi no ano de 1949, também, que o movimento sindical nos EUA sofreu as mesmas divisões que a AFL espalhava pelo mundo. Querendo permanecer nas boas graças do governo, os líderes do CIO tomaram uma decisão à direita naquele ano, expulsaram os comunistas de suas fileiras e passaram a perseguir os sindicatos liderados pela esquerda. O resultado foi devastador. O CIO – que antes estava no centro de um movimento multirracial da classe trabalhadora por justiça social e econômica – foi transformado e virou à direita. Nesse contexto, em 1956 a AFL, maior e mais conservadora, absorveu o CIO, e o movimento sindical iniciou, nos EUA, um declínio de décadas.
Em dezembro de 1949, o CIO e o Sindicato dos Comércios Britânicos haviam se unido à AFL e a outros sindicatos anticomunistas para fundar a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (ICFTU), apresentada como a alternativa do mundo “livre” à FSM. Graças às maquinações da AFL, da CIA e do Departamento de Estado dos EUA, o movimento sindical internacional agora estava dividido em dois campos hostis, com os líderes sindicais estadunidenses mais concentrados em combater a esquerda do que em lutar contra o capital.
Após a reconstrução da Europa Ocidental, os líderes sindicais dos EUA e seus aliados no governo voltaram cada vez mais a atenção para os países em desenvolvimento – o então chamado 3º Mundo. No Hemisfério Ocidental, Lovestone teve uma presença mínima. Em vez disso, o “Representante Interamericano” da AFL era o emigrado italiano e ex-socialista Serafino Romualdi. Forçado a fugir da Itália por se opor a Mussolini, Romualdi se estabeleceu em Nova York. Como Lovestone, ele entrou no movimento dos trabalhadores através do Sindicato Internacional das Senhoras do Vestuário, de David Dubinsky, na década de 1930.
Durante a 2ª Guerra Mundial, Romualdi viajou pela América Latina em nome do escritório de Nelson Rockefeller, coordenador de Assuntos Interamericanos. Depois voltou brevemente à Itália como agente do escritório de Serviços Estratégicos – o precursor da CIA –, onde tentou marginalizar os comunistas.
Em 1946, Romualdi se tornou o principal representante da AFL na América Latina e no Caribe. Assim como Irving Brown trabalhou para dividir a FSM, a missão de Romualdi era enfraquecer a Confederação de Trabalhadores da América Latina (CTAL), que havia sido fundada, em 1938, pelo líder sindical mexicano Vicente Lombardo Toledano, para unir o movimento consciente da classe na América Latina.
A CTAL foi uma voz autêntica para o trabalho pan-americano, liderado por sindicalistas latino-americanos e livre do domínio imperial dos EUA. Como a FSM à qual era filiada, reuniu comunistas e não comunistas em torno do objetivo comum em defesa dos trabalhadores. Romualdi e a AFL procuraram minar a CTAL e substituí-la por uma confederação interamericana de trabalhadores liderada pelos EUA, garantindo que a classe trabalhadora latino-americana não se tornasse uma força forte e independente capaz de desafiar o controle dos EUA.
Com o apoio dos partidos socialdemocratas da América Latina e dos adidos sindicais do Departamento de Estado dos EUA, Romualdi conseguiu convencer muitos sindicalistas latino-americanas a se afastarem da CTAL, reunindo os sindicatos anticomunistas da região em 1948, com a criação da Confederação Interamericana de Trabalhadores, três anos depois reconstituída como Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (Orit) para servir como o braço regional da ICFTU no Hemisfério Ocidental. Sob a influência de Romualdi, a Orit lutou contra sindicatos esquerdistas, peronistas e católicos em toda a região ao longo da década de 1950, com o resultado de que a classe trabalhadora latino-americana permaneceu dividida.
Após a Revolução Cubana de 1959, Meany, com apoio de seus aliados no establishment da política externa dos EUA rapidamente transformou a América Latina em sua nova prioridade para a “contenção” do comunismo. Infelizmente para ele, a FTUC havia sido fechada recentemente por insistência do presidente do UAW, Walter Reuther, depois que o CIO de Reuther se fundiu com a AFL.
Embora fosse um anticomunista, Reuther acreditava que poderia haver uma coexistência pacífica entre o Oriente e o Ocidente e não desejava aumentar as tensões com a União Soviética. Desprezando Lovestone por sua tentativa de dividir o UAW anos antes, Reuther queria que a AFL-CIO conduzisse sua política externa por meio da ICFTU multilateral, e não pela FTUC de Lovestone. Embora a ICFTU tenha sido formada a pedido da AFL, durante a década de 1950, Meany havia se desencantado com os sindicalistas europeus que a administravam, acreditando que não eram beligerantes o suficiente em seu anticomunismo.
Na esperança de reorientar a Guerra Fria dos trabalhadores na América Latina após a Revolução Cubana, mas não querendo confiar na ICFTU, Meany queria uma organização nova e unilateral nos moldes da agora extinta FTUC. Ele o conseguiria com a criação do Instituto Americano para o Desenvolvimento do Trabalho Livre (AIFLD). O AIFLD se tornaria o instrumento mais importante da AFL-CIO para a Guerra Fria.
A ideia foi proposta pela primeira vez pelo presidente da Communications Workers of America, Joseph Beirne, que teve assento no Conselho Executivo da AFL-CIO. Em 1959, Beirne trouxe 16 sindicalistas afiliados à Orit, da América Latina para a Virgínia, para um treinamento sobre como ser um sindicalista eficaz. Beirne procurou ampliar esse programa e transformá-lo em uma organização permanente, convencendo Meany a apoiar o plano.
Meany, então, convenceu o novo governo Kennedy de que a organização proposta, o AIFLD, serviria como auxiliar perfeito ao trabalho para a Alliance for Progress (Aliança para o Progresso) – uma iniciativa do tipo Plano Marshall para dar ajuda dos EUA aos governos latino-americanos anticomunistas para impedir o surgimento de outra Cuba revolucionária. Como na Europa do pós-guerra, esse trabalho ajudaria novamente o governo dos EUA a cumprir os objetivos da Guerra Fria.
Em 1962, o AIFLD entrou em operação. Quase exclusivamente financiado pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), no valor de vários milhões de dólares por ano, o Instituto rapidamente ampliou sua presença em quase todos os países da América Latina, coordenando suas atividades com o aparato da política externa dos EUA.
A principal atividade do AIFLD era a educação sindical, sobretudo treinando participantes sobre como combater a influência de esquerda em seus sindicatos. Os estagiários que fossem considerados com potencial excepcional seriam levados para uma instalação em Front Royal (Virgínia) para um curso de três meses. Era uma espécie de Escola das Américas para sindicalistas. De volta aos seus países, recebiam apoio financeiro para os esforços de organização antiesquerdista.
O Instituto também usou fundos da Usaid para realizar projetos de desenvolvimento em toda a América Latina, incluindo a construção de moradias populares para trabalhadores membros de sindicatos filiados à Orit, sinalizando a eles os benefícios de ingressar no movimento sindical “livre” patrocinado pelos EUA.
Para demonstrar o compromisso da AFL-CIO com a colaboração de classe, o AIFLD convidou empresários dos EUA com interesses na América Latina para fazer parte de seu conselho de curadores, incluindo os chefes da Anaconda Company, da Pan-American Airways e da WR Grace & Co., entre outros. Essas empresas não eram estranhas à ação contra os sindicatos, o que tornava a ansiedade da AFL-CIO especialmente perturbadora. O fato de concordarem em fazer parte do AIFLD demonstra como os capitalistas dos EUA não viam ameaça – mas apenas oportunidade – no tipo de sindicalismo que o Instituto estava encorajando.
Romualdi dirigiu o Instituto nos primeiros três anos até sua aposentadoria, quando foi substituído por William Doherty Jr. Doherty, cujo pai havia sido presidente da Associação Nacional de Portadores de Carta e embaixador dos EUA na Jamaica, era um suposto amigo da CIA e atuaria como diretor do AIFLD pelos próximos trinta anos.
No início dos anos 60, o AIFLD ajudou a minar o governo esquerdista democraticamente eleito de Cheddi Jagan na pequena nação sul-americana da Guiana, que era então uma colônia chamada Guiana Britânica. A colônia estava a caminho de uma transição planejada para a independência, e Jagan esperava reorganizar a economia de acordo com as linhas socialistas. Mas o governo Kennedy, temendo que Jagan fosse outro Fidel Castro, pressionou o Reino Unido a impedir a transição até que ele pudesse ser expulso do poder.
No verão de 1962, oito sindicalistas guianenses, de uma federação de direita, vinculados à oposição política a Jagan, participaram de um curso do AIFLD nos Estados Unidos, e voltaram para casa com os subsídios fornecidos pelo Instituto. Na primavera seguinte, eles ajudaram a liderar uma greve geral contra o governo de Jagan. A greve de três meses prejudicou a economia da colônia e se transformou em um tumulto racial, pondo a oposição afro-guiana em luta contra a base indo-guiana de Jagan.
O Departamento de Estado e a Usaid ficaram tão satisfeitos com o trabalho do AIFLD que aceitaram a proposta da AFL-CIO de criar institutos semelhantes para a África e a Ásia. Entre o final de 1964 e o início de 1965, foi criado o Centro Afro-Americano de Trabalho e, em 1968, foi lançado o Instituto Americano-Asiático de Trabalho Livre.
Como o AIFLD, essas duas organizações sem fins lucrativos foram quase inteiramente financiadas pela Usaid para realizar programas de treinamento e desenvolvimento para apoiar sindicatos anticomunistas e antiesquerda. Em 1977, uma quarta organização sem fins lucrativos – o Instituto de Sindicatos Livres – foi criada para se concentrar na Europa.
Na convenção da AFL-CIO de 1965 em São Francisco, Meany apresentou uma resolução, escrita por Lovestone, prometendo o “apoio irrestrito” da federação trabalhista à política do presidente Lyndon Johnson de ampliar a Guerra do Vietnã. Quando a resolução estava prestes a ser votada sem discussão ou debate, um grupo de estudantes universitários que, da sacada, observava os procedimentos, levantou-se e gritou “Saia do Vietnã!” e “Debate!”. Meany respondeu mandando-os embora do salão de convenções, descartando-os como “malucos”. A resolução pró-guerra foi então adotada por unanimidade.
Um punhado de sindicatos independentes, sindicatos locais e sindicalistas já havia expressado ceticismo em relação à guerra, se não à oposição total. Após testemunhar a hostilidade de Meany em relação ao movimento antiguerra e sua falta de vontade de permitir o debate, mais líderes sindicais – especialmente do UAW – começaram a expressar abertamente suas divergências com a política externa da AFL-CIO.
O presidente do UAW opôs-se à escalada militar no Vietnã, querendo ver o fim da guerra através de negociações pacíficas. Além disso, ele não gostava da abordagem agressiva e independente de Meany para questões internacionais, preferindo trabalhar com a ICFTU. Reuther também não confiava em Lovestone, que agora era diretor do Departamento de Assuntos Internacionais da AFL-CIO. Ainda assim, ele estava relutante em divulgar suas divergências, não querendo criar uma brecha entre o UAW e a AFL-CIO.
Em vez disso, Victor Reuther – irmão mais novo de Walter, encarregado das relações internacionais do UAW – falou para a imprensa, em 1966, que Lovestone e a AFL-CIO estavam “envolvidos” com a CIA, e criticou o papel do AIFLD no golpe de 1964 contra João Goulart, no Brasil. No ano seguinte, uma série de matérias jornalísticas ajudou a substanciar a reivindicação de Victor, revelando os laços da CIA com a federação sindical e suas afiliadas, voltando à FTUC. Obviamente, Meany e os outros internacionalistas da AFL-CIO negaram vigorosamente qualquer relacionamento com a CIA.
Juntamente com a postura agressiva de Meany sobre o Vietnã – que incluía tentativas de reforçar a Confederação Anticomunista Vietnamita do Trabalho do Vietnã do Sul –, as revelações sobre a CIA prejudicaram gravemente a credibilidade da AFL-CIO entre liberais e membros da Nova Esquerda. Desentendimentos sobre política externa, bem como várias questões domésticas, finalmente levaram o UAW a se afastar da AFL-CIO em 1968 (retornaria em 1981).
Apesar dessas controvérsias, Meany, Lovestone e AIFLD não alteraram o curso. Quando o socialista Salvador Allende foi eleito presidente do Chile em 1970, eles decidiram ajudar o governo Nixon a desestabilizá-lo. Enquanto a classe trabalhadora chilena apoiava predominantemente a Allende, o AIFLD apoiou associações profissionais de direita e da classe média, junto com o sindicato conservador de trabalhadores marítimos do país. Em 1972, pelo menos 29 chilenos participaram do curso de treinamento do AIFLD na Virgínia (EUA), muito mais do que jamais haviam participado nos anos anteriores.
Com a ajuda do AIFLD, em 1972 e 1973, donos de caminhões e comerciantes em todo o Chile realizaram uma série de greves destinadas a criar um caos econômico e subverter o governo de Allende. Como na Guiana Britânica, nove anos antes, os grevistas receberam apoio da CIA. Os esforços dos EUA para minar Allende culminaram no violento golpe militar de 11 de setembro de 1973. A nova ditadura militar que o AIFLD ajudou a levar ao poder usando táticas tradicionais da classe trabalhadora, como a greve, ironicamente – e tragicamente – atropelou os direitos dos trabalhadores, prendeu e assassinou milhares de sindicalistas chilenos.
Depois que pesquisadores como Ruth Needleman e Fred Hirsch ajudaram a expor o papel do AIFLD no golpe chileno, obtendo documentos, realizando entrevistas e divulgando suas descobertas, os sindicalistas nos EUA começaram a exigir mais transparência em torno do AIFLD em meados dos anos 1970. Vários sindicalistas pediram à AFL-CIO que financie seus programas estrangeiros de forma independente, em vez de confiar na Usaid. Enquanto essas demandas foram ignoradas, Lovestone finalmente se aposentou em 1974, e Meany seguiu seu exemplo após cinco anos.
Depois da aposentadoria de Meany, seu antigo braço direito, Lane Kirkland, se tornou presidente da AFL-CIO. Como seu antecessor, Kirkland era um anticomunista de linha dura. Preparado para ser um diplomata na Escola de Serviços Estrangeiros de Georgetown, era amigo pessoal de Henry Kissinger.
Sob Kirkland, a AFL-CIO apoiou a política externa agressiva do governo Reagan, destinada a reacender a Guerra Fria, mesmo quando Reagan inaugurou uma nova era antissindical ao demitir 11 mil controladores de voo em 1981. Por insistência da AFL-CIO, Reagan supervisionou a criação da National Endowment for Democracy (NED) em 1983, uma fundação de doação financiada pelo governo para desembolsar dinheiro aos mesmos tipos de organizações anticomunistas no exterior, anteriormente financiadas secretamente pela CIA. Com Kirkland atuando no conselho de diretores da NED, o AIFLD e os outros institutos estrangeiros da AFL-CIO tornaram-se os principais beneficiários de subsídios.
Kirkland apoiou a política de Reagan na América Central de armar forças da repressão em El Salvador e contrarrevolucionários terroristas na Nicarágua. O AIFLD foi especialmente ativo em El Salvador na década de 1980, desempenhando um papel crítico no desenvolvimento e na implantação de um programa de reforma agrária destinado a minar o apoio rural ao movimento revolucionário de esquerda. O governo de contra-insurgência de El Salvador – totalmente apoiado por generosa ajuda militar dos EUA – combinou a reforma agrária com um estado de sítio em que milhares de camponeses foram assassinados brutalmente em uma onda de massacres.
Alarmados com o apoio de Kirkland à política externa de Reagan, os sindicalistas nos EUA se tornaram ativos no movimento de paz e solidariedade à América Central, exigindo a mudança de direção da AFL-CIO. Em um dos desenvolvimentos mais significativos para o internacionalismo sindical nos EUA desde o início da Guerra Fria, os presidentes de vários sindicatos nacionais filiados à AFL-CIO se uniram para formar o Comitê Nacional do Trabalho de Apoio à Democracia e aos Direitos Humanos em El Salvador (NLC).
O NLC se opôs abertamente a Kirkland e ao Conselho Executivo, pressionando o Congresso a cortar a ajuda militar dos EUA ao governo salvadorenho. O NLC também enviou delegações de sindicalistas dos EUA para El Salvador e Nicarágua, a fim de testemunhar em primeira mão como o apoio dos EUA estava ajudando os direitistas a assassinar e intimidar os trabalhadores da América Central. Mais tarde, o NLC evoluiu para uma organização que ajudou a expor a cumplicidade das principais marcas de roupas em violações dos direitos dos trabalhadores na América Central, no Caribe e na Ásia.
Enquanto enfrentava oposição interna ao seu programa na América Central, a AFL-CIO deu apoio financeiro e político ao Solidarność, o sindicato polonês liderado por Lech Wałęsa que acabou ajudando a derrubar o governo comunista na Polônia. Opondo-se a funcionários da política externa que temiam provocar hostilidades com a União Soviética, a ação da AFL-CIO na Polônia tem sido apontada pelos intervencionistas como um estudo de caso da “promoção da democracia”.
Embora Kirkland tenha reivindicado a vitória do sindicalismo “livre” na Polônia na década de 1990, os líderes sindicais associados ao NLC estavam convencidos de que a federação precisava muito para melhorar sua imagem no exterior. Além disso, vários presidentes sindicais no Conselho Executivo da AFL-CIO acreditavam que a federação havia se tornado letárgica diante dos anos de declínio da atividade sindical.
Nesse contexto, o sindicalista John Sweeney reuniu apoio suficiente para forçar Kirkland a se aposentar, e assumiu o controle da AFL-CIO em 1995. Chamando a si mesmos de ardósia da “Nova Voz”, Sweeney e seus aliados pretendiam revitalizar a AFL-CIO, organizando novos trabalhadores e abandonando as prioridades anticomunistas ultrapassadas.
Sob Sweeney, em 1997, o AIFLD e os outros institutos estrangeiros foram encerrados e reorganizados em uma nova ONG chamada Centro Americano de Solidariedade Internacional do Trabalho, ou Centro de Solidariedade, que continua sendo o braço operacional da AFL-CIO no Sul Global. Mas, como suas predecessoras, o Centro de Solidariedade é financiado principalmente pelo governo dos EUA, particularmente a Usaid, o Departamento de Estado e o NED, conhecido por se intrometer nos processos democráticos de outros países e promover a “mudança de regime” para manter o domínio global dos EUA, incluindo Venezuela, Haiti, Ucrânia e vários países da América Central.
Dada a história da FTUC e do AIFLD, a dependência financeira do Centro de Solidariedade em relação ao governo dos EUA e a associação com a NED devem ser motivos de preocupação no movimento sindical e merecem um exame mais minucioso. Isso não é particularmente surpreendente, considerando que a AFL-CIO ainda não reconheceu ou se desculpou formalmente pelo importante papel que desempenhou durante a Guerra Fria na divisão dos sindicatos no exterior, minando as democracias estrangeiras e endossando o militarismo – tudo o que serviu apenas para fortalecer o capital multinacional e enfraquecer o poder dos trabalhadores.
Fonte: Jacobin | Tradução, adaptação e seleção de trechos: José Carlos Ruy