Breve história de Luiz Carlos Prestes no Partido Comunista
Neste 3 de janeiro de 2020, Luiz Carlos Prestes completaria 122 anos de idade. Falecido em 7 de março de 1990, sua história, primeiro como o Cavaleiro da Esperança da Coluna Prestes, e depois como dirigente comunista, é um dos mais importantes patrimônios das lutas populares no Brasil.
Publicado 03/01/2020 21:34 | Editado 06/01/2020 08:37
Por Osvaldo Bertolino
Em dezembro de 1927, o então secretário-geral do Partido Comunista do Brasil (PCB), Astrojildo Pereira, foi enviado para encontrar-se com Luiz Carlos Prestes em seu exílio na Bolívia. Deixou com ele livros marxistas e falou dos planos dos comunistas para tomar o poder.
Um ano e meio depois, segundo conta Leôncio Basbaum em suas memórias intituladas História sincera da República, a delegação que representou o PCB na “I Conferência latino-americana dos partidos comunistas” em Buenos Aires fez uma série de contatos com Prestes, abrigado na cidade depois de se internar com a Coluna Invicta na Bolívia, para convencê-lo a ser o candidato do Bloco Operário e Camponês (BOC), dirigido pelo PCB, a presidente da República em 1930.
Prestes, adepto da ideia de que o Brasil precisava passar por reformas estruturais, também fora consultado por Getúlio Vargas para acompanhá-lo nos preparativos da Revolução de 1930. No final das contas, optou por um caminho próprio e no começo de 1930 lançou o célebre Manifesto de Maio — no qual defendeu um governo baseado nos conselhos de trabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros — e criou a Liga de Ação Revolucionária.
Nome aclamado
O PCB recebeu o documento de Prestes com um misto de apoio e críticas. Para os comunistas, conforme uma nota publicada no jornal A Classe Operária em 5 de julho de 1930, o Manifesto desmascarava ainda mais o “caráter reacionário” da Aliança Liberal de Getúlio Vargas. “Para nós, o Manifesto representa apenas a comprovação mais segura do aprofundamento da marcha para a esquerda, agravada pela penetração cada vez maior dos imperialismos inglês e norte-americano”, dizia o texto.
Segundo o PCB, o documento reconhecia, “sem confessar abertamente”, a “justeza da linha política do Partido Comunista”. Mais adiante, as críticas: “Nós temos o direito de pensar que Luiz Carlos Prestes seja de novo arrastado para o jogo da Aliança e do imperialismo. Sua categoria social, a pequena burguesia, suas ligações com os elementos reacionários da Coluna Prestes e com a Aliança Liberal, suas vacilações anteriores justificam essa nossa opinião, que temos o dever de apontar às massas.”
Essa dubiedade decorria de duas lacunas históricas, na visão de Maurício Grabois e João Amazonas no texto Cinquenta anos de luta, publicado no cinquentenário do Partido Comunista do Brasil, em 1972: a pouca experiência política da classe operária e o precário conhecimento do marxismo. Como consequência, o PCB não compreendeu aquele processo político e não descortinou naquelas lutas o movimento por transformações democrático-burguesas.
Da Bolívia, Prestes foi para a Argentina. Em 1931, ele se estabeleceu na União Soviética, onde foi preparado para retornar ao Brasil como membro do PCB e líder da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Quando voltou ao país, teve seu nome aclamado ao assinar manifestos flamejantes contra o governo. Ao desfraldar a bandeira da revolução sob o lema “Pão, terra e liberdade”, os aliancistas deflagraram um novo ascenso do movimento popular.
Caudilho pequeno-burguês
Prestes filiou-se ao PCB em agosto de 1934 em Moscou e desembarcou no Brasil no dia 15 de abril de 1935. Nesse período, o Partido evoluíra para posições de aceitação crítica do Cavaleiro da Esperança. Segundo o documento Sentinela Vermelha, Prestes deixara de ser um “caudilho pequeno-burguês” e passara “a confiar nas forças do proletariado como única classe revolucionária e no seu partido, o PC”.
Reconheceu “em vários documentos escritos todo o seu passado de erros” e vinha “demonstrando na prática a sua dedicação à causa revolucionária do proletariado, participando ativamente na construção do socialismo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e, sobretudo, que a direção e as bases do PCB se fortificam ideologicamente, completando o processo de sua proletarização”.
A adesão de Prestes, “como simples soldado” da Internacional Comunista, era importante “para o movimento revolucionário do proletariado no Brasil”. Vinha “desarmar todos os elementos oportunistas que exploram o nome de Prestes para trair as lutas das massas trabalhadoras das cidades e do campo, entravando a marcha da revolução agrária anti-imperialista, ou operária e camponesa, dirigida pela vanguarda revolucionária do proletariado, o PCB”.
Mas os comunistas precisavam “intensificar o fogo contra o prestismo dentro e fora de nossas fileiras”, contra a “teoria e prática” de ilusões em “chefetes e caudilhos pequeno-burgueses, ‘salvadores’, ‘cavaleiros da esperança’”. O Partido deveria fechar suas fileiras para a “ideologia prestista”.
Palavras pesadas
Alheio à polêmica, o Comitê Executivo Nacional da ANL reuniu-se pela primeira vez em 12 de março de 1935 e no dia 30 seguinte Prestes foi indicado seu presidente de honra. A proclamação ocorreu no primeiro comício realizado pela ANL, no mesmo dia em que o Congresso aprovou a Lei de Segurança Nacional, logo batizada pelos setores progressistas de “Lei Monstro”. Em 5 de julho — aniversário dos levantes dos “tenentes” de 1922 e 1924 — o jovem e histriônico Carlos Lacerda leu um Manifesto de Prestes na sede da ANL, que incendiou a multidão.
As palavras foram pesadas. Em um dos trechos, o Manifesto dizia que a luta travada no país contava de um lado com os libertadores e de outro com os traidores “a serviço do imperialismo”. Para Prestes, aquele era o momento do assalto ao poder porque a situação era de guerra. “Cada um deve ocupar o seu posto”, disse ele. O documento expressava o encontro de duas vertentes revolucionárias, ambas com raízes na década de 1920: o tenentismo e o PCB. O Brasil estava em estado de fervura.
Menos de uma semana depois, em 11 de julho, Vargas recorreu à Lei de Segurança Nacional e decretou a ilegalidade da ANL. Mesmo assim, o Levante aconteceu, em 1935, e foi rapidamente derrotado. Em represália, Vargas jogou pesado. Em quatro vezes sucessivas ele pediu — e conseguiu — ao Congresso que prorrogasse o Estado de sítio por mais noventa dias. Prestes foi preso em 5 de março de 1936, depois de uma caçada comandada por Filinto Müller, o chefe da polícia política, que esquadrinhou o bairro do Méier e revistou casa por casa.
Ele estava com a esposa, a alemã Olga Benário, que foi deportada grávida para a Alemanha nazista e morreu pouco tempo depois de dar à luz a menina Anita Leocádia Prestes na câmara de gás da cidade de Bernburg. Um Informe assinado pela direção da ANL divulgou uma longa lista de personalidades internacionais que intercederam junto ao governo brasileiro pela libertação de Prestes e de vários comitês estrangeiros de solidariedade aos presos políticos.
Unir esforços
Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, a evolução dos acontecimentos levou Vargas para o lado dos Aliados, um fato reconhecido pelos comunistas. Em carta a Agildo Barata – um dos líderes do Levante de 1935 –, enviada da prisão e datada de 22 de junho de 1942, Prestes disse não estar mais preocupado com seu antigo temor de que “os imperialistas quisessem fazer do nosso povo carne de canhão”.
“Hoje, ao contrário, sou de opinião que só pelo sacrifício voluntário do sangue de nosso povo, pela participação ativa na luta dos povos antifascistas, onde for necessário, em qualquer parte do mundo, salvaremos nossas cidades da destruição e evitaremos o massacre de mulheres e crianças, para não falar da ignomínia que seria permitir, por omissão, a organização em nossa pátria de bases nazistas para o ataque ao povo americano”, escreveu.
Para Prestes, seria urgente convencer o povo brasileiro da necessidade de fazer sacrifício. Ele também entregou uma mensagem ao comunista cubano Blas Rocas, em julho de 1942, que o visitara na prisão por arranjo do chanceler de Vargas Osvaldo Aranha, dizendo que, a despeito dos sofrimentos, não estava disposto a viver em recolhimento pessoal.
Considerava seu dever, e dos verdadeiros patriotas brasileiros, cessar todas as disputas de caráter interno e unir esforços para acelerar a derrocada das potências do Eixo nazifascista. A quinta-coluna — termo da Segunda Guerra Mundial usado para se referir a grupos que trabalhavam dentro de um país ou região a favor dos nazifascistas —, acrescentou, era mais forte no Brasil do que no resto da América, mas poderia ser imobilizada se as massas tivessem fé no programa anti-Eixo.
Assembleia Nacional Constituinte
A palavra de ordem “união nacional” estava consolidada e ganhava as ruas. O PCB começara a ser reconstruído pela Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP) e na II Conferência – a Conferência da Mantiqueira –, realizada em 1943, Prestes, ainda na prisão, foi eleito secretário-geral, cargo que seria ocupado ad interim por José Medina Filho e depois por Álvaro Ventura.
Prestes assumiria de fato a função de secretário-geral dois anos depois, no final do “Pleno da Vitória”, como ficou conhecida a primeira reunião legal da direção nacional depois de vinte e três anos de vida clandestina, realizada entre 7 e 12 de agosto de 1945. Os comunistas viviam uma espécie de semi-legalidade. Prestes, ainda nos cárceres do Estado Novo, escrevia artigos que eram publicados em jornais como O Globo e Jornal do Comércio.
Em uma rápida sucessão de ações, Vargas varreu o que restava de grosso do entulho autoritário do Estado Novo. Em 28 de fevereiro de 1945 ele promulgou a Lei Constitucional número 9, um Ato Adicional que abria caminho para as eleições presidenciais e parlamentares. A anistia de 18 de abril beneficiou cento e quarenta e oito pessoas. No dia 23 de maio, um novo código eleitoral foi promulgado.
Faltava institucionalizar a democracia; dar forma à nova realidade política do país. Isso seria papel de uma Assembleia Nacional Constituinte, que viria antes das eleições diretas para presidente da República, cuja realização deveria ser depois de promulgada a nova Constituição, segundo a visão dos comunistas.
Magnetismo de Prestes
No mesmo dia em que Vargas concedeu a anistia aos presos e exilados, Prestes deixou a prisão. Uma comitiva composta pelos principais dirigentes do PCB o acompanhou até a casa do dirigente comunista Leôncio Basbaum, no bairro da Lagoa, onde ficaria confinado por cerca de dez meses — um zelo necessário diante de eventuais ameaças à sua vida.
Em 23 de maio, no comício realizado no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, ondas de povo e milhares de seres, com sofrimento gravado nas fisionomias, precipitaram pelas ruas, invadindo o estádio, atraídos principalmente pelo magnetismo de Prestes.
Prestes era um personagem que magnetizava não só os brasileiros. Na América Latina, da Argentina ao México, seu nome era pronunciado nas manifestações populares e levantava multidões. Em Cuba, sua vida foi tema de uma história de rádio. Nos Estados Unidos, festivais poéticos sempre mencionavam sua heroica batalha antifascista. Quando ele esteve preso, intelectuais, sindicalistas e lideranças políticas daquele país se mobilizaram para pedir a sua libertação.
Alguns dias depois de anunciado o “Grande Comício Luiz Carlos Prestes”, ele recebeu uma mensagem de figuras de projeção mundial residentes nos Estados Unidos.
Assinaram o documento, entre outros, Charlie Chaplin (ator e diretor de cinema norte-americano), Theodore Dreiser (escritor norte-americano), Lion Feuchtwanger (escritor alemão), Thomas Mann (romancista alemão), Walter Dill Scott (professor de psicologia norte-americano), Groucho Marx (ator norte-americano), Frederic March (ator norte-americano), Pierre Van Piaasen (jornalista holandês-canadense-americano), Elliot Paul (escritor norte-americano), além de arcebispos, bispos, rabinos, magistrados, professores, pintores e cientistas.
“Enviamos nossas mais calorosas saudações ao grande brasileiro Luiz Carlos Prestes, e por seu intermédio aos demais anti-fascistas libertados. A anistia é a verdadeira expressão democrática da vontade do povo brasileiro”, dizia a mensagem.
Quando Prestes chegou a São Januário, o estádio estava completamente tomado pela multidão. Não cabia mais ninguém. Uma grande massa ficou pelos arreadores, impossibilitada de entrar. Oficialmente, o estádio comportava oitenta mil pessoas, mas as estimativas do jornal do PCB Tribuna Popular, baseadas na superlotação, indicavam mais de cem mil presentes. “E onde havia um rádio, nos cafés, nos bares, nos clubes, havia gente também escutando. Isso no Rio e no Brasil inteiro. Prestes foi ouvido por milhões de brasileiros”, escreveu o jornal.
“Prestes sorrindo para a massa e depois falando causou a melhor das impressões, uma impressão além de todas as expectativas. O povo gostou da sua figura, da sua maneira de ser e de sua voz firme. Clara, enérgica. É incrível, comentava-se em todos os cantos. É o líder completo! Tem tudo, até uma voz que dá gosto ouvir”, registrou uma nota da Tribuna Popular.
No discurso, Prestes disse que o Rio de Janeiro festejava a primeira grande vitória da democracia no Brasil. A anistia fora, “sem sombra de dúvida, uma conquista do povo — de homens, mulheres e crianças unidos pelo coração num sentimento que se tornou paixão, numa ideia que se fez força”.
Em uma passagem ele enfatizou sua condição de comunista. “Sabeis, cariocas e brasileiros, que sou comunista. O Partido Comunista do Brasil é o meu Partido. Foi ele o organizador e dirigente do glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora — frente única dos patriotas e democratas que em todo o Brasil se uniram para impedir a fascistização de nossa terra”, falou. Segundo Prestes, dez anos de guerra e perseguições contra o comunismo fizeram do povo brasileiro o mais comunista da América.
“É o que tinha de ser. Comunista para o nosso povo é aquele que de maneira mais firme e consequente luta contra o estado de coisas intoleráveis e injustas predominante em nossa terra; comunista é o que quer a negação disso que aí temos, a negação da miséria e da fome, a negação do atraso e do analfabetismo, a negação da tuberculose e do impaludismo, a negação do barracão e do trabalho de enxada de sol a sol nas fazendas do senhor, a negação da censura à imprensa e das limitações de toda ordem às liberdades civis, a negação enfim da exploração do homem pelo homem. E o povo tem razão, porque é realmente este em seus traços gerais o nosso programa, o programa do Partido Comunista do Brasil, que justamente por isso é nos dias de hoje o Partido não só do proletariado como de todo o nosso povo”, discursou. “Nós, comunistas, não vacilamos. Já escolhemos há muito o nosso caminho — união, democracia, desenvolvimento pacífico. É o melhor caminho, é o que indicamos ao nosso povo”, finalizou.
Em seguida foram feitas as tratativas para realizar um comício semelhante em São Paulo, no estádio do Pacaembu. Uma espécie de ensaio do que seria a grande concentração popular no estádio paulistano ocorreu quando a queda de Berlim foi festejada com uma passeata imensa, seguida de discursos nas escadarias da catedral da Praça da Sé.
Prestes chegou em São Paulo no dia 14 de julho de 1945 – um dia antes do comício – e se hospedou na residência do também dirigente comunista Pedro Pomar. Com ele estava Pablo Neruda, o famoso poeta e senador comunista chileno, que viera especialmente para o comício do Pacaembu e disse estar ansioso para apertar a mão de “el gran capitan”. “Ainda na prisão, Luiz Carlos Prestes era uma luz americana que se divisava desde a Europa (onde estava Neruda, apoiando a luta antifascista na Espanha). Sabemos que o povo do Brasil estava com o povo espanhol na sua heroica luta pela liberdade”, disse o poeta.
Verve de Jorge Amado
O jornal do PCB Tribuna Popular circulou com registros das expectativas sobre a presença de Prestes no comício. O escritor Oswald de Andrade disse que “se procurarmos indagar onde reside a importância da palavra de Prestes, vamos verificar que se acha no seu conteúdo”. “Ele é, além do líder político, o condutor intelectual que não pronuncia uma frase vã”, completou.
Caio Prado Júnior disse que São Paulo receberia Prestes de braços abertos. Segundo ele, o comício do Pacaembu seria igual ao de São Januário. E, como lá, uma grande manifestação democrática. A marcha para a democratização do país teria em Prestes um expressivo marco.
Jorge Amado também foi ouvido e declarou que o comício “São Paulo a Luiz Carlos Prestes” seria a maior demonstração do espírito unitário do estado. “O povo paulista receberá Prestes de braços abertos, pois vê no grande chefe aquele que conhece os problemas brasileiros, apresenta as soluções justas, e é o maior obstáculo ao golpe da quinta-coluna”, disse.
A Tribuna Popular também publicou um convite de Jorge Amado para o comício. Como homem de esquerda, convidava os “amigos” para ouvir no Pacaembu aquele que passara dez anos no cárcere por ter lutado contra o fascismo. Aquele que teve sempre os olhos fixos no Brasil e que soube, ao ser libertado, colocar as necessidades do povo sobre seus sentimentos individuais. Fazia o convite sem sectarismo. “No Pacaembu, vosso monumental estádio, só não cabem os traidores da pátria, os asseclas da quinta-coluna, que ainda guardam no coração a lama verde (alusão à camisa verde dos integralistas, os fascistas brasileiros)”, disse o escritor.
Jorge Amado terminou o convite exercitando sua verve. “Lá vereis a Neruda, o chileno, a Lobato, o paulista. Lá vereis a Miguel Costa, o da Coluna, e a Mário Scott (ferroviário e secretário político do PCB paulista), o das locomotivas. A mulher paulista e o povo todo do Brasil. Luiz Carlos Prestes em meio dele, confundindo com ele. Eu vos convido, vinde todos, amanhã o vosso lugar é no estádio para bem do Brasil, para a grandeza da pátria”, escreveu.
Marcha para a democracia
O evento foi anunciado também por rádio. “Domingo próximo, o líder democrático Luiz Carlos Prestes vem falar ao povo de São Paulo, com a sua autoridade de homem que desde 1924 tem sofrido pelo povo, que pelo povo tem lutado e que ao povo tem dedicado sempre o melhor da sua existência. E vem apresentar ao povo paulista suas ideias e de seu Partido sobre a situação nacional. Todos devem ir ouvi-lo falar, no estádio do Pacaembu. Nós, trabalhadores do rádio, não poderemos faltar. Pouco importa a nossa opinião política, a nossa religião ou a nossa classe”, dizia um trecho do comunicado.
Um artigo do professor de música Cyro Brisolla — o conceituado “professor Cyro”, da Academia Paulista de Música, fundada e dirigida por Eleazar de Carvalho — no Jornal do Comércio dizia que “nenhum brasileiro com um pouco de visão e que pretenda de verdade ver o país unido e em marcha para a democracia deixará de levar a Prestes nesse dia o tributo de sua admiração e reconhecimento”.
O comício seria transmitido pela Rádio Cruzeiro do Sul, em ondas longas, e pela Rádio Difusora, em ondas longas e curtas, segundo a Comissão Organizadora do evento. Uma nota do Comitê Metropolitano do PCB do Rio de Janeiro na Tribuna Popular anunciou que seriam instalados vários alto-falantes no Largo da Carioca para transmitir o discurso de Prestes.
“O Partido apela para todos os possuidores de rádio, inclusive rádios de automóvel, particularmente aos chauffeurs de praça, para que os façam ligar de maneira a serem ouvidos pelo maior número possível de pessoas. O mesmo espera o Partido que seja feito por todas as organizações populares que desejam contribuir para maior brilhantismo do grande acontecimento democrático”, dizia a nota, assinada por Francisco Gomes, secretário político do Comitê.
Dito no Pacaembu
No dia do comício, um domingo de sol radiante, com o Pacaembu já superlotado e os morros vizinhos tomados por uma massa considerável, entrou no campo o carro aberto que conduzia Prestes, sob intensos aplausos e ovações. Ao seu lado estava o antigo companheiro da Coluna Invicta, o general Miguel Costa, presidente da Comissão Central do comício. O carro deu uma volta no gramado, enquanto uma palavra ressoava pelo estádio: Prestes, Prestes, Prestes… Em seguida, ele dirigiu-se à tribuna oficial.
Após as primeiras falas, foi anunciada a palavra de Monteiro Lobato, ao tempo em que era recomendado silêncio máximo porque, gravemente doente, ele ia ler de sua residência, ao telefone, o discurso de saudação a Luiz Carlos Prestes. A voz grave do escritor foi ouvida no mais absoluto silêncio:
Tenho como dever saudar Luiz Carlos Prestes porque sinceramente vejo nele uma grande esperança para o Brasil. Vejo nele um homem nitidamente marcado pelo destino. Vejo nele o único dos nossos homens que pelos seus atos e pelo amor ao próximo conseguiu elevar-se à altura de símbolo. Símbolo do quê? De uma mudança social, enorme canteiro em que as classes privilegiadas são as flores, e a imensa massa da maioria é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo.
Nasci na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi de miséria silenciosa nos campos e cidades me força a repudiar uma ordem social que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra qualquer mudança. A nossa ordem social me é pessoalmente muito agradável, mas eu penso em mim mesmo se acaso houvesse nascido esterco. Essa visão da realidade brasileira sempre me preocupou e sempre me estragou a vida. Nada mais lógico, pois, do que meu grande interesse pelo homem que não conheço, mas acompanho desde os tempos em que um punhado de loucos lutava contra todo o poder do governo.
E lutava por quê? Com que fim? Pela conquista do poder? Fácil lhe seria isso, como foi fácil para outros companheiros que desandaram. Prestes não lutava por. Lutava contra. Contra quê? Contra a nossa ordem social tão conformada com o sistema do mundo dividido em flores e esterco. E pelo fato de sonhar com a grande mudança foi condenado a trinta anos de prisão, como pelo fato de sonhar um sonho semelhante, Jesus foi condenado a morrer na tortura.
Os acontecimentos do mundo vieram libertar o nosso homem-símbolo e ei-lo hoje na mais alta posição a que um homem pode erguer-se em um país. Ei-lo na posição de força de amanhã. Na posição do homem que fatalmente será elevado ao poder e lá agirá para que o regime de flores e esterco se transforme em algo mais equitativo e humano.
Todos nós, um país inteiro, esperamos em Luiz Carlos Prestes; e esperamos nele tanto quanto desesperamos de outros cujos programas de governo botam acima de tudo a “manutenção da ordem”, isto é, a conservação do sistema de flores e esterco. E qualquer coisa no fundo da nossa intuição nos diz que Prestes não nos decepcionará, e que um dia o antigo Cavaleiro da Esperança se transformará no Realizador das Nossas Esperanças.
A luta não é minha. A luta é de todos nós.
Suas últimas palavras foram cobertas pelos aplausos. Terminada a fala de Monteiro Lobato, Pedro Pomar, que apresentava o comício, anunciou, após uma breve saudação, que o orador seguinte seria Pablo Neruda. Soaram os acordes do hino nacional chileno, ouvido de pé pela multidão. O poeta famoso leu, então, no ritmo dos aplausos, o poema escrito para aquela ocasião, intitulado Dito no Pacaembu.
Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos, pensamentos
e saudações. Saudações das neves andinas,
saudações do Oceano Pacífico, palavras que me disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros, todos
os povoadores de minha pátria longínqua.
Que me disse a neve, a
nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me espigas?
Uma mensagem tinham. Era: Cumprimenta Prestes.
Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.
Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.
E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te.
Nos conta amanhã o que viste.
Hoje estou orgulhoso de
vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.
Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.
Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua luta.
A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.
Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.
Pedi-lhes ajuda em nome
de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha lutam, morrem,
Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O’ Higgins, de San Martín, de Prestes.
E quando disse o nome de Prestes foi como um rumor imenso.
no ar da França: Paris o saudava.
Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o futuro do Brasil e para a Espanha.
Vou contar-vos outra pequena história.
Junto às grandes minas de
carvão, que avançam sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempos, um cargueiro soviético.
(O Chile não mantinha ainda relações
com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Por isso a polícia estúpida
proibiu que os marinheiros russos descessem, e que os chilenos subissem.)
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.
Aquela noite escura teve
estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.
Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.
Vou dizer-lhe que não
guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.
E que a liberdade cresça no fundo do Brasil como árvore eterna.
Eu quisera contar-te,
Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.
Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.
Um grande silêncio peço de terras e varões.
Peço silêncio à América da neve ao pampa.
Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.
Silêncio: que o Brasil falará por sua boca.
Seria a vez de Prestes discursar. Antes, todos cantaram, de pé, o Hino Nacional brasileiro.
Faltava pouco para as dezoito horas quando o comício terminou. Segundo a Tribuna Popular, funcionários do Pacaembu calcularam que cento e trinta mil pessoas estiveram no evento. Além das arquibancadas apinhadas, os corredores e os espaços em frente à tribuna foram totalmente tomados. Nos bairros, os cafés, restaurantes e confeitarias se encheram, todos ouvindo a transmissão pelo rádio.
Perdão a Getúlio
Pablo Neruda estava entusiasmado. “Este comício supera todas as manifestações a que eu havia assistido, em qualquer parte do mundo”, disse ele. Recordava as gigantescas mobilizações das frentes populares que vira na Espanha e na França às vésperas da Segunda Guerra Mundial. “Pablo Neruda me disse e eu acredito: foi o maior espetáculo político jamais visto na América do Sul”, afirmou o dirigente comunista Agildo Barata.
O pintor Cândido Portinari também estava eufórico. “Nem sei o que dizer. Achei as palavras de Prestes uma coisa fantástica, fabulosa. Ele aponta o caminho que o povo deve seguir.”
O escritor Graciliano Ramos foi na mesma toada: “Considero o discurso de Prestes em São Paulo uma excelente resposta aos provocadores.”
No dia seguinte, Prestes visitou Monteiro Lobato. “Capitão, que de melhor e mais útil o senhor viu na União Soviética, que mais lhe impressionou?”, indagou o escritor, segundo a Tribuna Popular. “Vi muita coisa, mas de uma me convenci: o quanto é difícil construir o socialismo! E mais: que isso só é possível com um poderoso instrumento — o partido comunista bolchevista”, respondeu Prestes.
Lobato quis saber se no Brasil era possível organizar um “instrumento” semelhante. “Temos todas as condições para construir em nosso país um poderoso Partido Comunista”, disse o Cavaleiro da Esperança. “É preciso, é preciso, capitão”, respondeu Lobato.
Além da cortesia, a visita a Monteiro Lobato teve o propósito de sondar a disposição do escritor brasileiro para se candidatar a deputado federal. Poucos dias depois, seu nome foi anunciado na chapa apresentada pelo Comitê Estadual paulista do PCB. Lobato desistiria da candidatura por discordar do apoio do Partido ao governo, que ele chamou de “perdão a Getúlio”. Prestes e Lobato trocaram correspondência até a morte do escritor.
Mulheres na política
Com a legalidade, Prestes assumiu de fato a função de secretário-geral do PCB. A posse ocorreu em 7 de agosto de 1945, no “Pleno da Vitória”, a primeira reunião legal do Comitê Nacional. O secretário-geral interno Álvaro Ventura transmitiu o cargo com uma frase curta: “Vou passar o cargo de secretário-geral do Partido Comunista do Brasil ao camarada Luiz Carlos Prestes, que vai usar da palavra.”
Em seu Informe, Prestes chamou a atenção para o papel das mulheres na política. Ele disse que as mulheres brasileiras possuíam tradição de luta. Demonstraram isso na campanha pela Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou na Europa contra o nazifascismo.
Em última análise, afirmou, era a mulher, como dona de casa, mãe e esposa, que sentia as terríveis consequências da crise. Ninguém melhor do que ela para compreender o que “havia de justo na linha política de ordem e tranquilidade, de luta para a democracia e contra os ‘golpes salvadores’”, asseverou.
No penúltimo dia da reunião, a direção do PCB e alguns convidados se reuniram em almoço de confraternização na Churrascaria Gaúcha, na Avenida Presidente Wilson, centro do Rio de Janeiro, para comemorar o sucesso do “Pleno da Vitória”. Participaram quarenta e cinco comunistas. Agildo Barata e Francisco Gomes fizeram uma saudação a Prestes.
Em seguida, o Cavaleiro da Esperança tomou a palavra e, empolgado, fez uma vibrante análise da história dos comunistas e da conjuntura. Enquanto falava, os que estavam na churrascaria deixavam as mesas para se aproximar dos comunistas. No final, recebeu cumprimentos do público, dos garçons e até do dono do estabelecimento.
Golpe “reacionário”
Começava ali uma campanha que arrastou multidões pelo país afora em favor da Assembleia Nacional Constituinte. Em meio à efervescência no país, um golpe depôs Getúlio Vargas. Segundo Prestes, ele não resistiu porque não quis.
“No dia 29 de outubro (dia do golpe), quando os tanques marchavam para depô-lo, por ordens do general Góis Monteiro, eu estava com o general Estillac Leal e o coronel Osvino Ferreira Alves. Nós mandamos um recado para ele: ‘Resista, porque alguns tanques vão virar os canhões contra o Álcio Souto, comandante das tropas. E a massa vai lhe apoiar.’ Mas ele preferiu ficar sentado de charuto na mão, esperando ordens para ir para a casa. Foi o mesmo caso de Perón, na Argentina: o povo clamava por armas para defendê-lo, em frente à Casa Rosada, mas ele preferiu fugir e abrigar-se num navio de guerra do Paraguai. Não foi para evitar derramamento de sangue que Getúlio deixou de resistir. Ele preferiu agir assim, pois compreendeu que, no choque, o nosso Partido cresceria muito. Preferiu optar pela defesa dos seus interesses de classe. Assim, ele e Perón acabaram agindo de forma semelhante: capitularam em defesa dos interesses de classe”, avaliou.
A campanha eleitoral dos comunistas entrava na fase decisiva. Prestes anunciou Yeddo Fiúza, engenheiro e ex-prefeito de Petrópolis, como candidato à Presidência da República em comícios realizados em várias cidades e explicou, por meio de um Manifesto, que a escolha daquele candidato não comunista era um gesto claro de desprendimento em busca da união nacional.
Condenou o “golpe reacionário” de 29 de outubro e fez nova conclamação à unidade em torno das propostas do PCB de reforma agrária, da Constituinte e de apoio às Nações Unidas — o Programa Mínimo de União Nacional dos comunistas. Fiúza teria, numa campanha de apenas 15 dias, 9,7% dos votos.
Prestes foi eleito senador, ao lado de 14 deputados constituintes do PCB. O hino da sua campanha foi composto por Dorival Caymmi. “Vamos votar em Prestes/ Votar no Partido Comunista/ Para todos terem terra/ E o pão de cada dia/ Para o povo, liberdade/ Para o Brasil, democracia. Ordem e tranquilidade/ Progresso e democracia/ Para o povo igualdade/ o Partido é o nosso guia”, diz a letra.
Dura batalha
O resultado oficial das eleições foi aprestando por Pedro Pomar para cem mil pessoas no comício em que os parlamentares do PCB anteciparam o compromisso que assumiriam na Assembleia Nacional Constituinte realizada no Largo da Carioca em 29 de janeiro de 1946, uma quarta-feira. O comício foi um espetáculo, uma festa comemorativa.
As células, que na época eram nominadas — Joaquim Távora, Tiradentes, Comuna de Paris, Noel Rosa e assim por diante —, se apresentaram com faixas e seus respectivos nomes. Uma delas estava com um retrato a óleo de Prestes, ladeado pelo emblema com a foice o martelo.
Músicas festivas, alternadas com ligeiras intervenções ao microfone, animavam o ambiente. Os deputados eleitos, que começaram a chegar às dezenove horas, eram apresentados por Amarílio Vasconcelos, um dos reorganizadores do PCB ainda no Estado Novo.
Luiz Carlos Prestes chegou acompanhado de João Amazonas e Lígia Prestes, a irmã do Cavaleiro da Esperança. A massa imediatamente começou a gritar: Prestes! Prestes! Prestes! Um mar de mãos se ergueu no ar, fazendo o “V” da vitória, gesto respondido pelo secretário-geral do PCB com igual movimento.
Na Constituinte, Prestes, como líder da bancada comunista, enfrentou uma dura batalha. Na sessão de 19 de março de 1946, o deputado Juracy Magalhães (UDN-BA), o ex-interventor do Estado Novo em seu estado, levantou uma ardilosa onda de provocações ao PCB. O mote foi uma declaração de Prestes durante sabatina promovida por funcionários da Justiça, publicada na Tribuna Popular.
A uma pergunta sobre qual a posição dos comunistas se o Brasil acompanhasse qualquer nação imperialista que declarasse guerra à URSS, o secretário-geral do PCB respondeu: “Faríamos como o povo da Resistência Francesa, o povo italiano, que se ergueram contra Petáin e Mussolini. Combateríamos uma guerra imperialista contra a URSS e empunharíamos armas para fazer a resistência em nossa pátria, contra um governo desse, retrógrado, que quisesse a volta do fascismo. Se algum governo cometesse esse crime, nós, comunistas, lutaríamos pela transformação da guerra imperialista em guerra de libertação nacional.”
Melhor defesa é o ataque
Como que obedecendo a uma batuta, os jornais do dia seguinte promoveram um escarcéu em torno do assunto. Juracy Magalhães concedeu entrevista ao jornal Folha Carioca deturpando acintosamente as palavras de Prestes.
Na Constituinte, ele indagou ao senador comunista: “No caso de uma guerra a que for arrastado o Brasil, por força das obrigações internacionais, cumprindo o governo os dispositivos constitucionais e legais, nessa guerra, adversária do Brasil, o senhor Luiz Carlos Prestes e o Partido Comunista do Brasil lutarão pela sua pátria ou iniciarão uma guerra civil?” Seguiu-se um longo e acirrado debate.
Uma poderosa onda anticomunista começava a se levantar novamente. Na sessão de 26 de março de 1946 da Assembleia Nacional Constituinte, Prestes ocupou a tribuna para desfazer a insidiosa campanha de deturpações das suas palavras e de insultos ao PCB, mas não se limitou a contestar as infâmias e os jorros de calúnias amplamente repercutidos pela mídia.
Mal começou a falar, ele deixou de lado o assunto até então dominante na Constituinte e disparou munição pesada contra o que chamou de preparação de guerra no país. Como era do seu estilo, Prestes falou sem qualquer inflexão de emoção, contornando as provocações — algumas, como as de Juracy Magalhães, raivosas — e pontuando o que era essencial em sua fala.
O senador do PCB usou a tática de que a melhor defesa é o ataque. No momento em que era acusado de traidor, mostrou exemplos de lutadores patrióticos que pagaram com a vida a defesa dos seus ideais. “Repete-se muito, nos dias de hoje, a palavra traidor. Traidor, sabemos bem, são todos os revolucionários vencidos. Traidor nesse conceito foi Tiradentes, Frei Caneca. A posição dos que são contrários às guerras imperialistas está de acordo com as tradições do nosso povo. São as tradições já registradas na Carta de 1891 e, posteriormente, na de 1934”, afirmou.
O discurso de Prestes jogou os provocadores na defensiva quando ele denunciou a presença de oficiais norte-americanos no Rio Grande do Sul, onde estariam até participando da construção de uma base aérea. O PCB começou a dar forma à campanha contra a presença norte-americana no país, mostrando que as denúncias não eram apenas uma simples retórica política. Havia um perigo muito grave e próximo das cabeças dos brasileiros.
Bases norte-americanas
Em seu discurso na Constituinte, Prestes tocou em outro ponto crítico: as bases militares instaladas durante a Segunda Guerra Mundial ainda estavam indevidamente ocupadas por tropas norte-americanas. Por mais que a imprensa reacionária e venal procurasse esconder, os olhos da nação estavam voltados para esse grave problema, segundo os comunistas.
Ao levantar a voz contra a presença norte-americana no país, o PCB mobilizou a massa para mostrar que os ataques a Prestes eram parte de um plano orquestrado pelo imperialismo contra a soberania do país. No Rio de Janeiro, um comício realizado em Iarajá contou com a presença de trinta mil pessoas, segundo os organizadores. Mesmo com as ameaças da polícia, a massa compareceu para ouvir Prestes.
O prestígio de Prestes estava no auge. Em 22 de abril de 1946, duzentas mil pessoas participaram de outro comício, este preparado com mais tempo e mais recursos, realizado na Esplanada no Castelo. No dia seguinte, Prestes falou para trezentas mil pessoas – segundo a Tribuna Popular -, em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, no “Comício São Paulo pela União Nacional”, convocado para desagravar o secretário-geral do PCB.
Prestes comentou que o verdadeiro significado de uma democracia não era, como se dizia demagogicamente, “o governo do povo, pelo povo e para o povo”, mas, sim, “o regime que beneficia a maioria”. O Jornal de Notícias disse que “a massa popular comprimia-se do Largo da Bandeira até além do viaduto”.
Ao falar da questão das bases norte-americanas, Prestes levantou o véu de um verdadeiro escândalo, revelando a ingerência cada vez mais ostensiva e insolente do regime de Washington em assuntos internos do país. A campanha fez os provocadores reagirem com a proverbial gritaria anticomunista.
Segundo o PCB, em resposta a Prestes logo depois do seu discurso falsos “patriotas” saíram a campo com editoriais da “imprensa sadia” — expressão popularizada na época para designar ironicamente os jornais de direita, como O Globo, o Correio da Manhã, e os Diários Associados, cadeia pertencente a Assis Chateaubriand — para tentar desqualificar a denúncia. Mas os fatos eram tão evidentes que, mesmo com o monumental aparelho de propaganda dos inimigos do PCB, seria difícil ocultar a verdade.
Catalisador das esperanças
Pedro Pomar dizia que a figura de Prestes era o catalisador das esperanças do povo na democracia. Quando o PCB comemorou o primeiro aniversário da libertação do Cavaleiro da Esperança com a anistia de 1945, ele escreveu um artigo no jornal A Classe Operária com o título “Prestes — símbolo do verdadeiro patriotismo”, dizendo que o secretário-geral e o Partido eram inseparáveis da existência da democracia.
A candidatura de João Amazonas ao Senado em 1947 também foi baseada no prestígio de Prestes. A Tribuna Popular de 16 de janeiro daquele ano anunciou em letras garrafais a “Grande festa eleitoral” que seria o comício “O primeiro lugar para o Partido de Prestes”, que falaria “a linguagem dos morros esperançosos de dias melhores”. Na capa do jornal, Amazonas e Prestes apareceram com punhos cerrados em grandes ilustrações.
O aniversário do líder máximo do PCB em 3 de janeiro de 1947 foi uma grande festa. Uma série de atividades foi organizada por uma comissão presidida pelo ator Mário Lago, com uma participação estimada de cento e cinquenta mil pessoas. De manhã, Prestes recebeu visitas, presentes e telegramas na sede nacional do PCB. No começo da noite acompanhou João Amazonas — além de outros candidatos da Chapa Popular — em um comício para quatro mil pessoas na Praça Serzedelo Correia, em Copacabana. Em seguida, foram para o Largo do Machado.
Uma série de comícios estava sendo realizada simultaneamente no Rio de Janeiro. Prestes e Amazonas falavam rapidamente em um e corriam para outro. Estiveram, na mesma noite, também no Parque de Diversões da Avenida Passos; no Largo do Rio Comprido; na Praça Saenz Pena, na Tijuca — onde dez mil pessoas os receberam com desfiles das escolas de samba Unidos de Acaú e Unidos da Tijuca —; em Engenho de Dentro, em Irajá; em Bonsucesso; e em São Cristóvão.
Época histórica
Na edição do dia seguinte, a Tribuna Popular publicou o prefácio do livro Problemas atuais da democracia, uma coletânea de textos de Prestes, que sairia naquele mês pela Editorial Vitória, escrito por Pedro Pomar. Para ele, o Cavaleiro da Esperança representava muito mais do que um carismático líder político e revolucionário brasileiro.
Se do outro lado do mundo Stálin despontara como o esteio da derrota do nazi-fascismo, no Brasil Prestes era uma figura cujos limites não podiam ser abarcados senão tomando em consideração toda uma época histórica, desde as grandes lutas pela Independência no século XIX até a perspectiva de libertação nacional, escreveu.
Para Pomar, o Cavaleiro da Esperança representava muito mais do que um carismático líder político e revolucionário brasileiro. Se do outro lado do mundo Stálin despontara como o esteio da derrota do nazi-fascismo, no Brasil Prestes era uma figura cujos limites não podiam ser abarcados senão tomando em consideração toda uma época histórica, desde as grandes lutas pela Independência no século XIX até a perspectiva de libertação nacional, escreveu.
O legendário herói da Coluna Invicta, segundo Pedro Pomar, ganhara status de líder mais popular e querido dos brasileiros e quiçá da América Latina. “Falar de Prestes, de sua obra ou de sua figura, de sua ação, enfim, não é tarefa que possa ser realizada em poucas linhas, nem com adjetivos elogiosos”, comentou. A transformação do Cavaleiro da Esperança em um dirigente político lúcido e um guia revolucionário se devia à utilização da ciência marxista, avaliou Pedro Pomar.
Energia e combatividade
A importância atribuída a Prestes naquela nova etapa do PCB ficou bem demarcada no prefácio. Segundo Pedro Pomar, os dirigentes comunistas que reorganizaram o Partido na Conferência da Mantiqueira e traçaram a linha política que tirou Prestes das mãos de seus algozes, com a ajuda de todos os povos na guerra antinazista e com o apoio de milhões de brasileiros antifascistas, compreendiam, com maior ou menor clareza, a noção do seu valor para o movimento libertador da pátria.
Sentiam o peso da responsabilidade para assegurar ao líder do PCB as condições necessárias ao seu trabalho criador e para a sua própria vida, asseverou. Os “grandes dirigentes do proletariado” — escreveu Pedro Pomar — opinaram sobre a importância de Prestes para a emancipação do povo brasileiro, assim como da própria América Latina. Ele passara por um rápido processo de auto-educação que só a sua energia e sua combatividade seriam capazes de realizar.
“Os homens, numa sociedade como a nossa, vivem cheios de preconceitos e estão sujeitos, pela sua vaidade e pelo seu individualismo, a cometer os erros mais grosseiros. Compreendendo isso e utilizando o método revolucionário da crítica e da autocrítica foi que Prestes pôde despir-se desses prejuízos que cegam os homens, às vezes mesmo os inteligentes”, disse.
Para Pedro Pomar, a miséria do povo, a exploração da pátria pelos grandes monopólios e capitais estrangeiros, o analfabetismo, a doença e o atraso eram temas que interessavam, havia muito tempo, ao “general revolucionário”.
Prestes travara contato com dirigentes políticos e operários na Argentina e começou a desenvolver-se politicamente e a aprofundar a análise da situação brasileira, afirmou. Segundo ele, o secretário-geral do PCB acompanhou, bem de perto, a formação de partidos comunistas na América Latina, particularmente na Argentina e no Brasil, o que lhe deu base para a compreensão do caráter agrário e anti-imperialista da revolução no país, que precisava do desenvolvimento do capitalismo nacional e do uso de métodos de governo democrático-progressista.
Grupos imperialistas
Em 1930, Prestes já havia chegado a essa compreensão, lembrou Pedro Pomar. “A justa caracterização da revolução nos países latino-americanos, mesmo nos da importância do Brasil e da Argentina, era a tarefa mais importante dos comunistas, a fim de que pudessem determinar o papel da classe operária e orientar a luta de emancipação nacional dos nossos povos”, escreveu.
O Cavaleiro da Esperança e os comunistas avaliaram, naquela época, que o período de estabilidade relativa do capitalismo terminara, recordou, asseverando que as previsões dos chefes revolucionários, especialmente de Stálin, de que o capitalismo não poderia estabilizar sua situação, haviam sido inteiramente confirmadas. Um novo período de catástrofes e guerras se aproximava, avaliou Pedro Pomar.
Ele fez, partindo desse gancho, uma análise pormenorizada das circunstâncias em que Prestes se aproximou dos comunistas, em uma difícil etapa da formação do PCB. O Partido se viu espremido pela disputa entre os grupos imperialistas ingleses e norte-americanos na busca da hegemonia na política brasileira. E apareceram soluções golpistas e demagógicas que utilizaram a tradição tenentista e democrática para manter o predomínio dos conservadores, que não tinham partido próprio, comentou.
Segundo Pedro Pomar, o Cavaleiro da Esperança estava preparado para ingressar nas fileiras comunistas desde 1930, quando denunciou a Aliança Liberal de Getúlio Vargas como um movimento político liderado pelos agentes do imperialismo americano contra a predominância inglesa nos negócios econômicos e políticos brasileiros. Não havia motivos para os comunistas ficarem ressabiados com ele, afirmou. No entanto, faziam acusações graves, dando a entender que a honra do comandante da Coluna Invicta podia ser enxovalhada porque ele pertencia ao campo inimigo, destacou.
Sentido de classe
Mesmo quando Prestes entrara para o PCB, graças à Internacional Comunista que cuidou de pôr água fria naquela guerra de bastidores, seu passado político não era tolerado, avaliou Pedro Pomar, lembrando que as reservas e desconfianças do Partido sobre sua filiação tinha se originado da incompreensão da luta contra o oportunismo e contra os métodos golpistas.
Segundo Pedro Pomar, Prestes possuía qualidades extraordinárias de dirigente. “Para os comunistas, os grandes homens são aqueles que sabem acompanhar o sentido da história, da necessidade do progresso histórico e de lutar por esse progresso. Foi exatamente o que Prestes revelou quando compreendeu que a classe operária era a classe que tinha um futuro diante de si, a única que seria capaz de lutar até o fim pela libertação de nossa pátria e pelo bem-estar da humanidade”, escreveu.
O sentido de classe de Prestes, portanto, estava devidamente elucidado. O reflexo seria a tradução, em termos políticos, da nova etapa do desenvolvimento pacífico entre os povos que ele imprimia ao PCB, avaliou.
Mas os dias de Prestes no Senado estavam contado. Assim como os demais eleitos pelo PCB em todo o país, seu mandado foi cassado em 1948, depois que o registro do Partido fora extinto, em 1947. Tão logo a cassação dos mandatos se consumou, o regime do governo do general Eurico Gaspar Dutra, eleito em 1945, mostrou as garras.
Ofensas ao presidente
O temor maior era o de Prestes ser preso quando pisasse fora do edifício da Praça Paris, onde funcionava o Senado, sem o mandato. Amazonas organizou um comando armado que, com três veículos, foi esperá-lo em uma porta lateral. Pedro Pomar e Diógenes Arruda Câmara, que preservaram os mandatos por terem sido eleitos pelo Partido Social Progressista (PSP) em São Paulo, foram buscar o senador comunista no interior do prédio. Já era noite.
Prestes, escoltado pelos dois deputados, entrou imediatamente em um dos veículos. Amazonas seguiu atrás, em outro. Um terceiro abriu caminho, deixando o que conduzia Prestes no meio da caravana. Em velocidade máxima permitida, levaram o secretário-geral para um esconderijo.
Recomeçava a perseguição aos comunistas. Prestes e outros dirigentes do PCB estavam denunciados na Justiça com base em um inquérito policial, remetido à 3ª Vara Criminal. Os autos reuniam em um só processo duas peças investigatórias em que foram apuradas as responsabilidades do “ex-senador vermelho nas ofensas ao presidente da República e altas autoridades constituídas assacadas pelo jornal comunista em junho de 1947, e pelo Manifesto lido na tribuna da Câmara pelo deputado Pedro Pomar, em janeiro do corrente ano”, uma referência à Tribuna Popular e ao Manifesto de Janeiro, o mais recente documento estratégico do PCB que imprimia uma nova orientação política à militância comunista.
Bandos policiais
A figura de Prestes continuava sendo lei no PCB. Seu carisma, seu prestígio e suas análises formavam uma espécie de aura que cobria a sua imagem. Quando ele completou 51 anos, em 3 de janeiro de 1949, quatro dias antes uma edição especial do jornal A Classe Operária trazia artigos de dirigentes e militantes exaltando suas muitas e notórias qualidades.
Pedro Pomar denunciou na Câmara dos Deputados a perseguição à irmã e à filha de Prestes, obrigando-as a deixar o país. Ele relembrou o episódio da entrega de Olga Benário à Gestapo por Getúlio Vargas e Filinto Müller e falou do recuo do chefe do Estado Novo em 1945 para concluir que as forças do fascismo se agruparam em torno de Dutra, quando retomaram a ofensiva. Naquele momento, disse Pedro Pomar, Prestes era vítima de novas perseguições — bandos policiais estavam à sua caça por toda parte e sua filha, uma criança, não era deixada em paz.
O diretor do colégio onde a filha de Prestes estudava foi chamado e coagido a expulsá-la. “Agora, Anita Leocádia Prestes viu-se obrigada a deixar o país, em vista da situação em que nos encontramos”, protestou. Segundo Pedro Pomar, a filha de Prestes corria o risco de ser presa como refém. “Isso fez com que suas tias providenciassem sua saída para o estrangeiro, a salva da sanha assassina das feras de Truman, das quais nos diz Prestes que são piores do que as feras de Hitler”, afirmou.
Duas organizações
Para Pedro Pomar, em artigo no jornal Voz Operária de 3 de janeiro de 1952 intitulado Saudemos Prestes, um chefe à altura de sua missão — uma reverência à passagem do 54º aniversário do secretário-geral do PCB —, exigia um forte Partido Comunista, “armado com a teoria marxista”. E Prestes seria figura imprescindível naquela tarefa.
Logo em seguida, viria o “racha” que separou os comunistas brasileiros em duas organizações – o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o partido Comunista Brasileiro (PCB). Prestes lideraria o PCB por muito tempo, depois deixou as suas fileiras, mas nunca renegou a ideologia comunista.
O clima pesado dos acontecimentos subsequentes ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), o estopim do “racha”, não impediu que Pomar reconhecesse a importância de Prestes.
Ele foi o orador da comemoração festiva do 60º aniversário de Prestes na noite de 3 de janeiro de 1958, na sede do jornal Notícias de Hoje, em São Paulo. A festa reuniu amigos, camaradas e admiradores do líder máximo do PCB. Saudando o aniversariante, Pedro Pomar destacou o papel e a importância de Prestes na luta do povo brasileiro pela sua independência, progresso e bem-estar.
Um comentario para "Breve história de Luiz Carlos Prestes no Partido Comunista"
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