Extinguir pequenas cidades não é eficiente e deve aumentar miséria
No geral, a proposta se limita ao efeito contábil nas contas públicas e não realiza análises do impacto no país e nas regiões afetadas. Poupará pouca verba para um ônus econômico e social muito maior.
Por Rafael da Silva Barbosa*
Publicado 27/11/2019 16:08
Desde o golpe de 2016, a ausência de base científica e metodológica parece ser a regra para a tomada de decisão nos governos da direita brasileira. Assim como as reformas trabalhistas [2017] e da previdência [2019], a atual extinção dos municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação inferior a 10% da receita própria segue à risca o mesmo padrão obtuso de desenvolvimento. Óbvio que alguns municípios podem ser extintos, mas a realidade extremamente heterogênea do Brasil impõe alta capacidade técnica para isto.
A contar pelo baixo rigor metodológico da proposta, tudo indica que o achismo ideológico contido no “Plano mais Brasil” aprofundará ainda mais a miséria da população.
O plano propõe mudanças profundas na operacionalidade do Estado brasileiro [“Transformação do Estado”] a partir das PECs intituladas Emergência Fiscal , Pacto Federativo e Revisão dos Fundos que buscam “desobrigar”, “desindexar” e “desvincular” os gastos sociais dos estados, municípios e União.
De acordo com o plano, o “caminho para a prosperidade” vai depender apenas do mercado. Para isto, o Estado deverá sair completamente da vida econômica e se limitar apenas ao controle das contas públicas e da inflação. Em termos operacionais, as receitas e gastos deverão ser “livres” para o gestor local [União, estados e municípios] alocar os recursos da forma que bem entender. Feito isto, a recuperação será imediata pela ação unilateral do mercado.
Entretanto, é importante lembrar que esse modelo já foi testado no Regime Militar e não funcionou. A realidade já mostrou que, para o Brasil, a redução da obrigatoriedade do gasto público por parte dos entes federados resulta na concentração dos recursos e gastos nos grandes polos urbanos, agravando os desequilíbrios regionais, onde as áreas mais necessitadas são abandonadas tanto pelo mercado quanto pelo Estado. O Milagre Econômico da década 70 foi exatamente isso, cerca de 9 milhões de pessoas das regiões desassistidas migraram para os grandes centros urbanos, ampliando o caos urbano e as injustiças sociais.
O desconhecimento histórico das políticas econômicas do Brasil implica outro equívoco desse governo, o de conceito. A perspectiva do uso do custo para classificar o gasto social já está ultrapassada, principalmente os gastos sociais atrelados a Educação e a Saúde. Diversas pesquisas quali-quantitativas internacionais qualificam o gasto social como investimento. Estudo do IPEA atesta para o caso brasileiro que para cada R$ 1,00 real gasto em Educação e Saúde, o resultado é de 85% e 70% de multiplicação do valor investido, respectivamente.
Nessa perspectiva, achar que as transferências constitucionais municipais são um custo é um erro básico de quem desconhece o perfil e a dinâmica de um país continental como o Brasil. Isto porque as transferências municipais têm um papel central na melhoria do perfil da desigualdade regional, ao exigir que todos os municípios invistam no mínimo 25% com Educação e 15% com Saúde. De modo a produzir uma população mais qualificada civil e laboral (mão de obra) e saudável. Além de garantir o dinamismo econômico das regiões mais isoladas dos núcleos urbanos, gerando emprego, renda, novas empresas, qualidade de vida e aumento da arredação tributária pelo governo – que garante a sustenbilidade da própria transferência.
Ademais, a eficiência do “tamanho ótimo” de cidade não é um conceito vazio, ela prescinde dos conceitos de efetividade e eficácia na unidade administrativa. Em primeiro lugar, se deve assegurar a efetividade da ação pública, levando efetivamente o bem público a todos os cidadãos; depois, busca-se melhorar a operacionalidade dessa ação, tornando-a mais eficaz; e por último, exige-se para uma sustenbilidade adequada a eficiência da ação pública, ofertando o público para todos de forma efetiva e eficaz ao menor valor possível. É um processo histórico e ao mesmo tempo operacional.
A proposta bolsonarista tem um custo de oportunidade muito alto. Ou seja, alterar alocação dos recursos nas pequenas cidades para o uso em outras finalidades [normalmente com juros da dívida] causará mais impacto negativo do que positivo. Em outras palavras, os rebotes econômicos das transferências são mais positivos do que negativos para o país.
Se analisarmos por cima, das 1.256 cidades com menos de 5 mil habitantes, em 2018, o valor das transferências em relação à grande quantidade de cidades pequenas e do montante total é baixo. E se analisarmos, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), apenas os municípios que se enquadram nos critérios estabelecidos pelo governo [1.217 municípios], o efeito se mantém negativo e ineficiente. Poupará pouca verba para um ônus econômico e social muito maior.
Logo, cortar essas transferências é um desinvestimento em mão de obra qualificada e saudável, num contexto onde o setor privado não investirá nessas regiões se não houver a contrapartida de cobertura do risco pelo Estado. A medida pode quebrar a coluna vertebral do país (ver mapa 1).
No geral, a proposta se limita apenas ao seu efeito contábil nas contas públicas e não realiza sequer uma análise básica do impacto econômico e social no país e nas regiões afetadas. Não se questiona, por exemplo:
Qual será o impacto nas empresas, no emprego, renda e PIB municipal dessas regiões e do entorno?
Qual a redução prevista nos serviços de educação e saúde, mas também em obras públicas?
Por fim, a proposta não ataca os principais problemas financeiros do Estado brasileiro, que são os mecanismos de elevação das taxas de juros e os enormes Refis (perdão de dívidas) realizados todos os anos para classe mais rica do país.