Procurador do Trabalho: Reforma trabalhista não melhorou a economia,
O procurador-geral do Trabalho, Alberto Balazeiro, declarou que não enxerga pontos positivos na reforma trabalhista feita no governo de Michel Temer. Segundo o chefe do MPT (Ministério Público do Trabalho), o texto –que completou dois anos em novembro– não criou novas vagas de emprego, como “prometido” à época. Na avaliação de Balazeiro, a legislação não aqueceu a economia e resultou em aumento do trabalho informal.
Publicado 25/11/2019 16:03
“Não há nenhum estudo, inclusive mundial, que aponte uma relação entre reduzir encargos trabalhistas diretos e você ter avanço na economia. Inicialmente porque, se você paga menos, o consumidor é o mesmo que recebe a alteração. Então ele vai deixar de consumir e aí desaquece o próprio mercado interno”, afirmou o procurador-geral do Trabalho.
Balazeiro também disse que a reforma promulgada em 2017 não trouxe segurança jurídica nem foi capaz de ativar a economia. Ele afirma que uma legislação desse tipo deve passar por um crivo mais severo da área econômica do Executivo. “Mexer em legislação trabalhista não é algo que você possa fazer nem da noite para o dia nem fazer sem nenhum tipo de estudo”, declarou.
O procurador entende que atualizações são naturais e que toda legislação é “passiva de ser melhorada”. Na opinião de Balazeiro, são necessárias alterações pontuais para corrigir eventuais distorções, com foco na redução de entraves burocráticos e criação de alternativa de custos. Ele destacou a adequação da legislação à tecnologia e usou como exemplo a ferramenta eSocial, que regulamentou as horas de trabalho de trabalhadores domésticos.
“As atualizações são naturais. Então eu entendo que toda transformação social também deva acompanhar a transformação legislativa”, declarou Balazeiro.
O chefe do MPT ainda declarou que a maneira como o texto foi redigido é simplista. Balazeiro criticou o fato da legislação trabalhista original de 1943 ter sido inteiramente modificada. “Da CLT de [Getúlio] Vargas muito pouco se resta. A gente fez um estudo com dados de quantos artigos da proposta original da legislação de 1943. Pouquíssimos. Todos de lá para cá foram alterados”, disse.
“Imaginar que simplesmente mexendo na legislação a economia iria deslanchar seria muito simples, já teria sido adotada”, completou Balazeiro.
Novas regras da terceirização
Balazeiro não fez só críticas. O procurador declarou que a reforma trabalhista esclareceu as regras sobre a terceirização para atividade fim, traduzida por ele como a “essência da empresa”. Contudo, afirmou que os empregadores confundem terceirização com intermediação de mão de obra.
Segundo ele, companhias têm contratado o serviço de outras organizações quando o correto seria usufruir apenas da produção da empresa terceirizada. Afirmou ainda que a condução do processo tem de ser comandado pela empresa contratada e não pela contratante.
“Você pode contratar para a terceirização, para atividade fim. O que você continua sem poder é mascarar vínculo de emprego, é ter intermediação ilícita de mão de obra”, disse Balazeiro sobre a reforma. Segundo ele, o texto abandonou o critério que era adotado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Com a reforma, o Tribunal passou a validar a contratação de empresas terceirizadas para prestarem serviços tanto de atividade-meio quanto de atividade-fim. Antes do texto sancionado por Temer, apenas a primeira era permitida. Contudo, o TST condiciona a prática desde que mantida a responsabilidade subsidiária da contratante dos serviços em relação aos empregados envolvidos na terceirização.
A burla, segundo Balazeiro, existe quando uma determinada empresa contrata mão de obra para deixar dentro da sede do empreendimento, submetendo esses empregados aos mesmos superiores hierárquicos e às regras dos funcionários que trabalham via CLT.
Por exemplo, uma empresa que fabrica móveis pode contratar marceneiros, mas esses profissionais terão de trabalhar dentro de 1 local segregado e não serem submetidos ao chefes da firma moveleira –e sim aos da empresa que forneceu a mão de obra.
Também ainda não há autorização legal, por exemplo, para que um jornalista ou publicitário trabalhe para um jornal ou agência como sendo pessoa jurídica, tendo apenas esse emprego.
Trabalho escravo e infantil
De acordo com o procurador-geral do Trabalho, ainda há muitos casos de trabalho infantil no país. Segundo ele, as ocorrências são mais frequentes na região Nordeste, onde muitas crianças trabalham em fazendas auxiliando os pais.
“Ainda há muita incidência de trabalho infantil no Brasil. Os dados revelam ainda uma persistência – ainda que com queda na própria caracterização, na própria identificação. O Nordeste brasileiro tem um grau elevado de trabalho infantil, que é a porta de entrada para o trabalho escravo”, declarou o chefe do Ministério Público do Trabalho.
Ele fez uma distinção entre o trabalho infantil e uma ajuda que um filho pode prestar aos pais em um comércio de família. Segundo ele, se há horas de trabalho, obrigações a cumprir e em alguns casos remuneração, o serviço é caracterizado como trabalho infantil, o que é proibido. Balazeiro afirmou que é importante que se invista no programa Jovem Aprendiz, que capacita estudantes de baixa renda a partir de 14 anos para ingressar no mercado de trabalho. Também exaltou o papel dos programas sociais para combater o problema.
O procurador avaliou que crianças que trabalham não têm bom rendimento na escola e crescem com baixo índice de educação. Devido ao cansaço, esse cenário influenciaria esse jovem a viver com um baixo salário e criaria um ciclo de pobreza. “Trabalho infantil prolonga o ciclo intergeracional da pobreza”, afirmou Balazeiro.
“Que tipo de país nós queremos. Nós queremos um país em que uma família, para sobreviver, precisa de crianças de 8 a 9 anos estejam com enxada na mão? Esse que é o debate real”, completou.
Questionado se crianças que trabalham como atores estariam enquadradas no entendimento de trabalho infantil, Balazeiro relativizou. Segundo ele, casos de jovens que atuam na área artística são “episódicos”. O procurador afirmou que esse não é o maior problema para o MPT. “O nosso maior problema são crianças trabalhando na atividade rural. Nós recentemente encontramos uma criança [trabalhando] em uma carvoaria”, disse.
Sobre trabalho escravo ou análogo à escravidão, Balazeiro disse que o Ministério Público do Trabalho conquistou “avanços significativos” no combate a prática. Ele declarou que até 1995, o Brasil negava a existência do trabalho escravo e que foi necessário uma norma internacional para que país reconhecesse a gravidade do problema.
Balazeiro comentou sobre a situação de muitos bolivianos que imigram para o Brasil e acabam trabalhando em condições degradáveis. Na opinião dele, esse cenário é criado quando os vizinhos sul-americanos deixam seu país por falta de emprego e buscam uma condição melhor. Ele afirma, porém, que muitas vezes essa qualidade não aparece e os estrangeiros acabam ingressando em trabalhos análogos à escravidão.
O chefe do MPT disse que há inúmeros processos desse tipo já instaurados no órgão. Disse que os casos mais comuns de trabalho escravo são: confecção, horário longo de trabalho, salário irrisório –abaixo do salário mínimo de R$ 998–, servidão por dívida, entre outros.
Essa última, segundo Balazeiro, é mais comum do que se imagina. Ele disse que há uma prática chamada “truck system”, quando empregadores de uma fazenda, por exemplo, aproveitam-se da distância do local de trabalho para cobrar de funcionários vários utensílios cedidos. Eles anotam em 1 caderno de dívidas objetos como sapatos, sabonetes, comida e cobram dos empregados o valor que definem de maneira arbitrária.
Por outro lado, o procurador reconhece que há exageros durante a fiscalização de locais em que teria trabalho escravo. Ele exime o MPT de culpa nessas ocasiões. De acordo com Balazeiro, a autuação dos casos é feita pelo Poder Executivo, atribuído ao Ministério da Economia. Contudo, disse que há normas gerais que devem ser seguidas, como de saúde, higiene e segurança no local de trabalho.
Definições de assédio
Alberto Balazeiro disse que o Ministério Público do Trabalho atua por meio de audiências públicas para promover a conscientização no combate ao mau comportamento no ambiente de trabalho e à discriminação racial de gênero. O procurador-geral disse que o objetivo principal do órgão é evitar que o “meio ambiente de trabalho adoeça”.
O chefe do MPT explicou casos em que um trabalhador poderia alegar ter sofrido assédio. Segundo ele, o assédio tem objetivo excludente e é caracterizado pela repetição da conduta. Um xingamento episódico, então, seria considerado uma ofensa e não assédio.
“O assédio moral tem uma característica essencial, que é a repetição da conduta. […] Então é uma conduta reiterada. Não existe assédio moral de uma única oportunidade, existe uma ofensa. Não quer dizer que essa ofensa não possa ser indenizada pessoalmente”, afirmou Balazeiro.
O procurador disse ainda que o combate ao assédio é uma meta prioritária do MPT, mas deve ser devidamente tipificada.
“Adoecimento no ambiente de trabalho tem ligação com o assédio, é inegável. Tanto o assédio como a discriminação são metas prioritárias do Ministério Público do Trabalho e a gente tem uma ação efetiva de combate para buscar distinguir o que é propriamente o assédio do que são meros desentendimentos no ambiente de trabalho, do que é efetivamente discriminação”, completou.
Usando o exemplo de um técnico de futebol que xinga jogadores na beira do campo, Balazeiro disse que tem que ser observado o objetivo do palavreado: se é de comunicação ou exclusão. Se o atleta for taxado de algo ou humilhado por falta de produtividade, por exemplo, o caso então seria caracterizado como assédio.
Ainda para ficar no futebol: não há delito de assédio se o atleta está apenas sendo cobrado de maneira vigorosa, ainda que com xingamentos, mas não é excluído de maneira persecutória pelo treinador em outros jogos. Em suma, o ambiente de trabalho às vezes é local de tensão, de fortes cobranças e até de palavrões. Mas esse tipo de prática não pode visar a excluir ou deliberadamente humilhar alguém.
No mercado de trabalho, o procurador disse ser necessário uma investigação para identificar possíveis excessos.
“Todo e qualquer excesso tem que ser combatido. Nos casos em que houver excesso correcional, tem os caminhos próprios. O caso em que houver excesso de entendimento, cabe o próprio Judiciário”, afirmou Balazeiro.
Queda no número de açẽos trabalhistas
O procurador-geral do Ministério Público do Trabalho disse que a diminuição no número de processos na Justiça do Trabalho não pode ser considerada positiva. “Se houve redução da litigiosidade é sempre positivo. Mas a preocupação que nós temos é que não tenha ocorrido redução por conta de falta de acesso ao Judiciário”, declarou.
Balazeiro afirmou que a sucumbência –que são as custas de um processo, o valor que se paga para litigar– também afastou pessoas mais pobres dos tribunais. Isso se deve às restrições da alegação de hipossuficiência, que é quando o processante alega não ter condições de pagar.
As custas do processo –que vão dos honorários do advogado até a fase de investigação. Antes da reforma trabalhista de Michel Temer, qualquer empregado poderia processar o empregador sem medo de derrota, pois não pagava as custas. Hoje, se perder, terá de arcar com o pagamento.
“Sai de um extremo onde as pessoas poderiam demandar excessivamente para um extremo onde a pessoa não pode demandar”, disse Balazeiro se referindo ao período pré-reforma trabalhista.
A saída, segundo o procurador, é otimizar a Justiça gratuita. De acordo com Balazeiro, se uma pessoa não pode pagar pelo processo, ele não deveria ser cobrada pelos custos da perícia de um inquérito. “A gente não consegue, através da lei, eliminar o fato social. Eu consigo eliminar as demandas de juizado especial […] e as pessoas não vão ter onde acionar, porque ninguém vai na justiça comum para discutir 500 ou uma briga de vizinho”, declarou o membro do MP.
Um dos casos mais frequentes na Justiça do Trabalho são empregados e ex-empregados que reivindicam uma dívida por hora extra. Porém, o conceito de horas trabalhadas além do estipulado no contrato ainda é amplo e subjetivo.
Com o avanço da tecnologia, há uma discussão se mensagens trocadas entre o chefe e um funcionário à noite e fora do horário de trabalho pode ser ou não computada como hora extra. Esse tipo de comunicação se disseminou com a chegada dos telefones celulares e dos aplicativos de mensagens.
Para o procurador-geral do Trabalho, depende. “Um simples aviso em tese não é um exemplo de jornada”, afirmou. Contudo, o chefe do MPT disse que ordens contínuas, direcionamentos e interações podem contar como horas de trabalho. O motivo: o funcionário não se desliga completamente do serviço. Segundo Balazeiro, o horário de descanso físico e mental tem que ser preservado.
"Precarização" de aplicativos de transporte
Ao falar sobre vínculo empregatício, Alberto Balazeiro criticou a relação entre colaboradores e aplicativos de transporte de pessoas e mercadorias como Uber, iFood, Loggi, entre outros. Para ele, há uma “precarização com baixíssimo custo” no serviço. Usou como exemplo o início do Uber no Brasil, quando os motoristas ofereciam águas e doces para os passageiros. O serviço tornou-se incomum atualmente, segundo Balazeiro.
“Se a conta não fecha, a balinha e a água têm custo. O pneu do carro tem custo. A gasolina tem custo. A equação só é boa quando todo mundo ganha. Se alguém não está ganhando a conta não fecha”, afirmou o procurador-geral.
Na avaliação do número um do Ministério Público do Trabalho, a “culpa” por essa precarização é da empresa. “A Uber é a maior transportadora de pessoas do mundo e não tem um carro. Estruturalmente, ela pode funcionar sem as pessoas, sem os motoristas?”, disse. A solução, para o entrevistado, é o motorista se tornar de fato um funcionário da empresa, com carteira assinada. Não se pode mascarar as relações, completou.
Para expor a necessidade de contratação de um colaboradores desse tipo de aplicativo, Balazeiro usou um exemplo de ciclistas que transportam comida.
“Ele não é dono da bicicleta, ele não é empregado da empresa que produz comida, ele não é empregado da empresa. Ele é empregado de quem? Ele é um ser que ganha R$ 10 para transportar comida de um polo da cidade a outro”, afirmou o procurador.
O MPT tem um grupo de trabalho para debater como melhorar os apps de transporte. Segundo o chefe do órgão, a atividade de motorista/ciclista dessas companhias é considerada uma “economia de bico”, que serve para o acréscimo de renda. Na teoria, é vista como colaboração, mas na prática é um emprego, declarou.
De acordo com o procurador-geral, o órgão tem o papel de mediar o diálogo entre empregadores e empregados, porém com foco no 2º. “O Ministério Público do Trabalho é o ministério público do emprego. Ele tem um viés de buscar tanto previnir o ilícito como buscar também aumentar o emprego”, declarou.