Marcelo Rubens Paiva: Nazismo no Brasil
Os nazistas estiveram por aqui nos anos 1930. E suas ideias nunca nos deixaram. Se foram em busca de tesouros perdidos no Egito, não deixariam escapar a chance de xeretar a Amazônia. Aportaram no Amapá, quando ainda era território, e se aliaram aos Aparais. Num pequeno cemitério, existe a prova da sua visita: um monumento com quase três metros de altura com uma suástica.
Por Marcelo Rubens Paiva*
Publicado 19/11/2019 12:49
O marco é visível do rio. É o legado de uma expedição da Alemanha nazista à Floresta Amazônica. A inscrição nele indica, em alemão: “Joseph Greiner morreu aqui de febre amarela em 02 de janeiro de 1936 a serviço da pesquisa alemã”. Greiner era do grupo de pesquisadores alemães que, por dois anos, instalou uma colônia nazista. O plano era subir e se espalhar pela Guiana Francesa, Holandesa (atual Suriname e Guiana). O cemitério continuou a ser usado pelos indígenas por muito tempo: na cachoeira de Santo Antônio, da usina hidrelétrica do mesmo nome.
Segundo o historiador Edivaldo Nunes, da Universidade Federal do Amapá, a expedição que foi organizada pelo número dois do reich, Hermann Göering, desembarcou em Belém no verão de 1935. Declararam às autoridades de imigração que vieram em missão de paz estudar a geografia, a fauna e os povos da região amazônica. Saiu até em jornais do Rio de Janeiro: um dos líderes da expedição, Otto Schulz-Kampfhenkel, chegou a ir à capital pedir uma autorização especial do governo brasileiro do dúbio Getúlio Vargas.
O fascismo esteve organizado por aqui no Movimento Integralista, tinha uma simbologia própria, marchava saudando seu líder, Plínio Salgado, e foram caçados por Getúlio, quando o Brasil, enfim, estrou na aliança que combateu o nazifascismo na Segunda Guerra, em troca de dinheiro, uma siderúrgica (CSN), equipamento e aeroportos (como os de Belém, Natal, Recife e Fernando de Noronha, a ponte aérea para combater na África e Itália).
Depois da guerra, criminosos nazistas notórios se instalaram por aqui. Como o médico Josef Mengele. Durante a ditadura, entre 1967-68, o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) foi atuante no tiroteio da Maria Antônia, contra estudantes de USP, e em invadir teatros e espancar atores da peça Roda Viva.
A antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias (Unicamp) pesquisa a ascensão da extrema-direita desde 2002. “Observando o Ódio” é o título da tese de doutorado, em que observou sites, blogs, fóruns e comunidades neonazistas
Ela que também é programadora trabalhou com muitas ferramentas, várias delas pouco conhecidas pela antropologia, como Gephi e N*Vivo, e principalmente a rede Thor, a fim de acessar a denominada Deep Web: “Sou muito exigente com meus dados e, na primeira vez que os vi, achei que estavam mentindo, que não era possível o fenômeno ser tão grande. Levantei números de sites, postagens, downloads em redes, inscritos e postagens em fóruns, integrantes em comunidades como Facebook e Twitter. Há uma postagem antissemita no Twitter a cada quatro segundos; uma postagem em português contra negros, pessoas com deficiência e LGBTs a cada 8 segundos”.
Para a Revista da Unicamp, disse em 2018: “Em 2002, quando comecei a pesquisar a extrema direita no Brasil e no mundo, as pessoas não viam sentido nesse esforço, porque não acreditavam na existência de um movimento neonazista. Infelizmente, os dados apontaram para um caminho que se mostrou verdadeiro… No meu mestrado em 2007, a situação já estava muito mais grave do que quando iniciei as pesquisas. E, hoje, vivemos o que considero um tsunami do movimento da direita”.
“Trabalhei com algoritmos que buscam palavras-chave e criei ferramentas que fornecem extratos numéricos que eu não teria como manipular. Utilizei quatro ferramentas de análise quantitativa (no mestrado foram duas), sendo que uma confirma o resultado da outra. Quem mais gostaria que esses dados não existissem sou eu, mas se trata do meu objeto de pesquisa.”
Recentemente, ela identificou 334 células de grupos nazistas em atividade no Brasil. A maioria nas regiões Sul e Sudeste. Saiu no Portal UOL. Os grupos se dividem em até 17 alas: hitleristas, supremacistas separatistas, de negação do Holocausto. Tem ainda três grupos filiados à KKK (Ku Klux Klan), duas em Blumenau (SC) e uma em Niterói (RJ).
O estado com mais células é São Paulo (99 grupos, 28 na capital). Seguido por Santa Catarina (69 grupos), Paraná (66) e Rio Grande do Sul (47). Ela crê que existam mais de 300 mil simpatizantes do nazismo no Brasil. E aponta três razões.
Recorre a Peter Gay: “O ódio é cultivado sobre um tripé. Em primeiro lugar está a crença na meritocracia: a ideia – resultante da má interpretação da teoria darwiniana – de que estamos em evolução e alguns mais aptos têm direitos conquistados ‘meritocraticamente’. Isso é uma farsa, pois nem todos saem do mesmo lugar”. E exemplifica: como todas as crianças vão sair do mesmo lugar, quando temos a que tomou café da manhã e a outra, não, a que tem pai com salário de 40 mil, e a outra com pai ganhando salário mínimo ou desempregado?
O segundo instrumento do ódio é a construção de um “outro” conveniente, para justificar porque brancos nem sempre conseguem conquistar o melhor lugar “naturalizado”. O “outro” teria roubado o lugar do branco. Quem é o outro? O gay, o negro, o imigrante, o judeu, o deficiente, que são construídos como inimigos do branco que deveria ter o lugar natural.
No terceiro elemento como o ódio se sustenta: o culto à masculinidade, vendo-se a mulher apenas como a receptora da raça, que vai dar a criança para o homem construir um novo mundo.
* Marcelo Rubens Paiva é escritor, dramaturgo e roteirista