A educação está acima da pauta de costumes, afirma Evaldo Lima
Em entrevista concedida ao jornal O Estado, o vereador de Fortaleza Evaldo Lima (PCdoB) comenta sobre a pressão conservadora que o obrigou a retirar de tramitação na Câmara Municipal o chamado projeto de lei que dispunha sobre liberdade de cátedra.
Publicado 04/11/2019 10:28
Após retirar de pauta, na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), o projeto de lei ordinária (PLO) nº 524/2018, o vereador Evaldo Lima (PCdoB) conversou com o jornal O Estado sobre o que levou o projeto a esse fim, os debates sobre pautas de costumes no Legislativo, a importância das discussões sobre educação no Parlamento e as perspectivas para as eleições de 2020.
Confira:
O Estado. Quando você apresentou o projeto da liberdade de cátedra, esperava que fosse ter a repercussão que teve?
Evaldo Lima. Não esperava essa repercussão. Acreditava que era um projeto que tramitaria de forma pacífica, pelos fundamentos expostos no projeto que vão ao encontro do Conselho Estadual de Educação e o artigo 206 da Constituição Federal, que fala da pluralidade e diversidade do ambiente na sala de aula, como espaço de liberdade para a produção do conhecimento. Me surpreendi com as interpretações equivocadas relacionadas ao projeto.
Qual foi o ponto decisivo em que você percebeu que era melhor retirar o projeto de pauta?
É aquilo que o [ex-governador] Virgílio Távora falava da humildade diante dos fatos. A correlação de forças, voto a voto dos 43 vereadores, era desfavorável para o projeto. Houve uma articulação forte, especialmente da bancada religiosa evangélica, houve uma interpretação equivocada de que o projeto tratava de pauta de costumes ou ideologia de gênero. Na verdade, não existe um único artigo, inciso ou parágrafo que trate disso, é um projeto cuja pauta essencial é a educação, o ambiente escolar, mecanismos de proteção ao professor em caso de violência do mesmo no exercício da profissão. Na verdade, esses são os mesmos atores que, em momentos pretéritos, falavam de kit gay, de mamadeira de objeto fálico ou questões dessa natureza. Infelizmente, vivemos um período de obscurantismo, de propagação de fake news, é a pós-verdade fundamentada na emoção, distanciada da realidade objetiva.
A gente ouve falar de vereadores que concordavam com o projeto, mas deixaram de apoiar o projeto para não se indispor com os grupos conservadores. O que pensa disso?
É preciso que as pessoas se posicionem. Nesse ambiente de polarizações, é importante que se tenha posição. O que está em discussão, na perspectiva mais ampliada, é a defesa da razão, da ciência, do conhecimento, da arte. O confronto civilização versus barbárie. Porque do outro lado estavam atores que não conhecem a realidade da educação, não conhecem a dificuldade da sala de aula. Era importante que os vereadores se posicionassem. Mas todo respeito a cada vereador, ele representa sua base social, territorial, filosófica, tem um posicionamento no campo das ideias e sua posição é soberana.
Essa polarização que você observa prejudica também outras pautas no Legislativo?
Sim. Objetivamente, pauta de costumes não faz parte do meu escopo de atuação parlamentar, não é a minha praia, eu acho que o tema é diversionista, acaba afastando a sociedade e o próprio Parlamento, como reflexo das polifonias, das vozes da sociedade, e afastando dos reais objetivos do Parlamento e da sociedade. Não costumo fazer uso desse debate de pauta de costumes, acho que há muito oportunismo nisso. Minha pauta é a da educação. Eu sou professor há mais de 30 anos, em diferentes instituições, estudei em escolas públicas, minha trajetória é marcada pelo compromisso com a edução. E estamos observando um cenário de muitas dificuldades para a educação, desde os cortes orçamentários, as incertezas com o Fundeb. Não há nenhuma elaboração do Governo Federal a respeito do Fundeb. O ministro Paulo Guedes, que é contrário à vinculação orçamentária da saúde e da educação. O piso salarial dos professores também está ameaçado. Estas são questões muito importantes para a educação e não passam pela pauta de costumes. Essa suposta ideologia de gênero não faz parte da realidade de quem está no dia-a-dia da escola.
Qual é sua perspectiva para o clima das eleições de 2020?
Estou muito preocupado com a preservação da democracia, do estado de direito democrático, com as liberdades individuais e a própria liberdade de imprensa. Nos últimos dias, o nosso País tem estado muito tenso, com o filho do presidente Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, fazendo comentários a respeito do AI-5, é claramente uma ameaça explícita à democracia e às instituições democráticas. O AI-5 foi um golpe dentro do golpe. O golpe militar, no Brasil, aconteceu em 1964, mas a ditadura militar começou em 13 de dezembro de 1968, com a edição do AI-5. Houve ali uma supressão do mecanismo do habeas corpus, o Congresso foi fechado, os cárceres tomados de presos políticos, tortura, repressão e morte. Eduardo faz apologia a um dos torturadores mais bárbaros do País, com a memória do [coronel Carlos Alberto Brilhante] Ustra. E ao mesmo tempo o presidente não tem demonstrado apego pelas instituições do estado democrático de direito, e a gente assiste a ataques à imprensa, com o papel da imprensa sendo fiscalizar e criticar, e cabe a todo homem e mulher pública estar aberto ao diálogo, às críticas. Claramente uma sinalização do pouco apreço à democracia, e é assim que democracias morrem. Acredito que é necessário que a sociedade brasileira esteja muito amadurecida para defender a democracia, a dignidade cidadã e os direitos humanos.
Em que posição deve estar o PCdoB na disputa municipal do ano que vem?
O PCdoB está realizando agora sua conferência municipal e a conferência estadual. Estamos num horizonte político do campo progressista. Diante do novo cenário eleitoral, é necessário que se tenha a possibilidade de várias perspectivas políticas. O PCdoB vai discutir seu posicionamento na conferência municipal de Fortaleza, que vai ser próximo sábado, dia 9, e lá vamos escutar movimentos sociais, a academia, as mulheres, o movimento sindical, estudantes, e aí é que o PCdoB vai definir sua linha política para, nas eleições do ano que vem, compor força política ou candidatura própria.
Considera que o nível da produção legislativa em Fortaleza hoje está satisfatório?
É boa e a CMFor representa uma multiplicidade de forças políticas, ali tem representantes territoriais, chamados vereadores de bairro, tem médicos, professores, policiais, tem representantes dos diferentes segmentos da sociedade que procuram fazer uma produção legislativa para dar resposta a esses segmentos. Os debates da CMFor também expressam essa diversidade, essa pluralidade. Eu prezo muito pela atuação parlamentar. Se a gente pensar bem, das três funções estatais, a mais transparente é exatamente a atividade parlamentar.
Na Itália, o Mussolini chegou ao poder em 1922, mas a ditadura fascista começou em 1925, depois do fechamento do Parlamento. Hitler chegou em 1933, mas a ditadura nazista só começou depois do incêndio do Parlamento. O golpe militar no Brasil aconteceu em 1964, mas a ditadura começou com o AI-5 e o fechamento do Parlamento. Então o Parlamento é fundamental para a democracia, é a expressão da democracia, da pluralidade e do bom debate. E isso se expressa em produção legislativa, que em Fortaleza é muito ampla e diversa.