João Pedro Stedile: 16 de outubro, Dia Mundial da Luta Contra a Fome
Até a 2ª Guerra Mundial, predominava a visão de que a causa da fome eram os desastres naturais, secas, ventanias, geadas, a baixa fertilidade do solo e o aumento permanente da população. Na década de 1950, Josué de Castro, médico, geógrafo e pensador brasileiro, defendeu a tese de que a fome era causada pelas deformações nas relações sociais de produção. Portanto, eram causadas apenas pelo homem.
Por João Pedro Stedile*
Publicado 16/10/2019 10:43
Seu livro Geografia da Fome demonstrou que em sua terra se passava mais fome na fértil zona da mata do que no sertão pernambucano. Transformou-se em referência mundial e foi eleito primeiro presidente da FAO (organismo da ONU) para a agricultura e alimentação.
No Oriente, a China realizava a maior revolução de todos os tempos, expulsando colonizadores e imperialistas, fez uma reforma agrária radical e conseguiu eliminar a fome de seu povo.
Na década de 1960, o capitalismo respondeu que a fome só seria combatida com aumento da produtividade física das plantas e das terras. E isso somente se conseguiria com sementes híbridas e insumos agroquímicos. Era a “Revolução Verde” para se contrapor a revolução vermelha na China. Ao agrônomo e principal defensor dessa tese, Norman Borlaug, congratularam com o Prêmio Nobel da Paz (1970).
A fome naquela época atingia 100 milhões de pessoas, em todo o mundo. Passaram-se décadas e a fome não foi eliminada pela Revolução Verde. Só cresceu.
Na década de 1990, a FAO reuniu seus governos e especialistas para adotar a tese da segurança alimentar. Cada governo deveria adotar políticas para garantir que toda a sua população tivesse acesso a comida. Para isso, foram sugeridas medidas como distribuição de cestas básicas, programas do tipo Bolsa Família, cartão-alimentação, crédito nos supermercados, etc.
Muitos países adotaram essa política. Aqui no Brasil, a política de segurança alimentar começou a ser adotada pelo governo FHC e depois foi universalizada no governo Lula. Reduziu-se a fome. Enquanto isso, a FAO comprava os estoques das empresas de países ricos, e distribuía na forma de cestas básicas aos famintos dos países pobres.
O capitalismo em sua fase neoliberal apresentou então o modelo do agronegócio como forma de aumentar a produção agrícola. Impôs a propriedade privada (não só das terras, que vinha desde o século 18) das sementes, das plantas e de novas espécies. Em todo o mundo, o governo dos EUA e a OMC atenderam os interesses das empresas transnacionais e impuseram leis de patentes que normatizavam a propriedade privada de seres vivos. Nasciam as sementes transgênicas, combinação de propriedade privada com adoção compulsória de agrotóxicos, que matavam todos os seres vivos menos aquela semente patenteada, ambos produzidos pela mesma empresa.
O aumento do uso de venenos, em poucos anos, multiplicou-se por dez vezes. E apenas cinco grandes produtoras como a Bayer, Monsanto (agora da Bayer), Basf, Syngenta, Dow Chemical e Du Pont abocanharam lucros fantásticos. Mas a fome aumentou e agora atinge todos os dias mais de 1 bilhão de pessoas.
No final da década de 1990, a Via Campesina e diversos pesquisadores adotamos o conceito de soberania alimentar. A fome somente desaparecerá se os governos e Estados adotarem políticas públicas de acesso à terra e estímulo à produção de alimentos pela agricultura familiar e camponesa em cada território. A humanidade sempre se desenvolveu, cresceu, progrediu, produzindo os alimentos em seus próprios territórios aonde os povos vivem.
Ou seja, cada povo pode e deve produzir seus próprios alimentos em seu território, senão não conseguirá sobreviver nem progredir. O povo que depende de alimentos vindos de fora de seu território é um povo dependente, subordinado aos interesses das empresas e de governos estrangeiros.
Hoje há uma luta ideológica permanente com os interesses das empresas transnacionais, que controlam o comércio de alimentos no mundo. Não mais de 50 empresas controlam 58% de todo PIB agrícola mundial, seus insumos, produção e comércio. Assim, impõem os preços internacionalizados.
A alimentação do mundo agora foi reduzida a apenas seis grãos: soja, milho, arroz, trigo, feijão e centeio, que representam quase 80% do consumo humano e animal. Isto é uma distorção alimentar, uma total dependência. É a destruição de culinárias culturais milenares, que certamente vai afetar a saúde de todos. E mais, em muitos países, como aqui no Brasil, a fome voltou a crescer.
Do outro lado, os pesquisadores sérios, os movimentos camponeses e de agricultura familiar seguem defendendo a necessidade de adotar a soberania alimentar: políticas para que os agricultores produzam os alimentos necessários para a sua sociedade. E adotem técnicas de produção agroecológica, que aumentem a produtividade das terras e do trabalho sem agredir a natureza e sem usar agrotóxicos, que matam a biodiversidade e a natureza.
Essa é a luta atual que definirá um futuro de fome ou de alimentos para todos, de respeito à natureza ou reprodução de desastres e aprofundamento da crise ambiental. O 16 de outubro, Dia Mundial de Defesa da Alimentação Saudável, é momento de reflexão sobre o nosso futuro neste planeta. Você decide!
* João Pedro Stedile, dirigente do MST e da Frente Brasil Popular, é graduado em Economia pela PUC-RS e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).