Bolsas de pós-graduação para quê?
Nas últimas semanas, um assunto recorrente tem sido as dificuldades enfrentadas pelas agências federais em manter o número de bolsas de estudo e honrar os auxílios já concedidos decorrentes do contingenciamento financeiro. Nesse quadro, destacam-se as bolsas de pós-graduação. Elas beneficiam jovens talentosos dos cursos de mestrado e doutorado do país, que estão se preparando paras as carreiras de pesquisador e de docente.
Por Vahan Agopyan*
Publicado 18/09/2019 11:19
Essas instituições oferecem outros tipos de bolsas, como as de iniciação científica, para os alunos de graduação, e as de pós-doutoramento, destinada aos novos doutores que se envolvem em projetos de pesquisa, sem vínculo empregatício. Os dirigentes das principais agências – como a Capes, vinculada ao Ministério da Educação, e o CNPq, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – estão se desdobrando para reduzir o impacto negativo da restrição orçamentária no ambiente científico nacional, mas os orçamentos dessas instituições precisam ser recompostos com medidas emergenciais neste ano e na proposta orçamentária de 2020.
Os jovens que estão envolvidos ou pretendem seguir na pós-graduação stricto sensu terão suas aspirações frustradas. Muitos deles poderão abandonar o sonho de desenvolver uma pesquisa e ingressar na vida profissional. Outros, mais persistentes, devem continuar como alunos de pós-graduação em tempo parcial, prolongando suas atividades na universidade por longos anos.
Esse quadro é sombrio. A produção científica mundial é fortemente apoiada nas pesquisas desenvolvidas nos programas de pós-graduação. Mesmo nas instituições científicas não universitárias, a pesquisa depende dos pós-graduandos e dos pós-doutorandos. Portanto, a redução do número de bolsas está diretamente relacionada à diminuição do volume de pesquisas e do ritmo de formação de recursos humanos qualificados – e, em última instância, do desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural do nosso país.
As universidades são inábeis na divulgação de suas atividades e, por isso, muitos perguntarão se de fato a redução da pesquisa trará prejuízos para o Brasil. Você que lê este artigo, por exemplo, provavelmente já se beneficiou de algum estudo conduzido na USP, mas este é um tema que não pode ser discutido em um espaço reduzido como este.
O corte dos recursos não surtirá efeitos negativos apenas no aspecto acadêmico das instituições, mas terá impactos diretos na sociedade e na qualidade da vida das pessoas. O número de bolsas disponíveis não é grande. A USP, que é o maior centro de pós-graduação do país, com 30 mil alunos e 7 mil mestres e doutores formados por ano, recebe 12 mil bolsas em todas as áreas do conhecimento, das quais 75% são oriundas das agências federais.
Mesmo que parte considerável dos alunos não necessite de bolsa, pois tem empregos que estimulam esse tipo de atividade, a universidade teria capacidade para receber mais 5 mil ou 6 mil bolsas, já que os programas de pós-graduação da USP são muito concorridos e os ingressantes passam por seleção rigorosa, com grande potencial de sucesso. Se tivéssemos mais bolsas de pós-graduação, o volume de pesquisa da USP seria ainda maior.
As universidades estaduais paulistas, que respondem por quase 40% da produção científica brasileira, são afetadas pela crise das agências de fomento federais. Um eventual colapso nesse sistema terá reflexos nas instituições e em toda a pesquisa nacional.
Talvez seja uma falha da academia ter suposto que era óbvia para a sociedade a compreensão de que o investimento em ensino e pesquisa é garantia de um futuro melhor para a nação. Devemos assumir a mesma abordagem dos países que são considerados por muitos como modelos, caso de Coreia do Sul e Israel, que nunca deixaram de investir em ensino e pesquisa, mesmo nos momentos mais desfavoráveis, como em meio à guerra e à fome.
* Vahan Agopyan é reitor da USP (Universidade de São Paulo)