É preciso disputar e gerir prefeituras para alargar a base, diz Nádia

Vice-prefeita de São Paulo de 2013 a 2016, Nádia Campeão lança nesta sexta-feira (6) o livro Cidades Democráticas – A Experiência do PCdoB e da Esquerda em Prefeituras (1985-2018). A publicação, da Editora Anita Garibaldi, resulta de estudo que ela fez para a Fundação Maurício Grabois. Nesta entrevista ao Vermelho, a atual secretária de Relações Institucionais e Políticas Públicas do PCdoB fala sobre a produção e a proposta do livro.

Por Sueli Scutti

Nádia Campeão

Vermelho: As primeiras experiências que você estudou são das décadas de 1980 e 1990, quando a internet era pouco utilizada no Brasil e, portanto, as informações eram pouco difundidas. Isso dificultou seu trabalho de levantamento de informações?
Nádia Campeão: São situações um pouco diferentes. No caso da década de 1980, realmente não há material descritivo das experiências disponível com facilidade. Talvez porque ainda não havia um maior interesse em estudar e sistematizar os aspectos de gestão pública propriamente, sobressaindo mais o aspecto político, de vitórias da oposição democrática no contexto do fim do regime militar.

Já nos anos 1990, houve crescimento forte e contínuo de cidades sob gestão de forças democráticas e populares que, com o impulso da Constituição de 1988, criaram e desenvolveram um rol de políticas públicas inovadoras. Houve então muita troca de experiências, realização de seminários e encontros e muitas publicações de artigos, livros, trabalhos acadêmicos. A pesquisa deste período foi mais fácil e o material mais abundante. Nesse caso, foi preciso mesmo selecionar o que poderia ser mais relevante.

Vermelho: No decorrer da sua pesquisa, você se deparou com dificuldade bibliográfica sobre o tema? Os governos que você estudou chegaram a produzir balanços, cadernos, ensaios e outras publicações com dados e avaliações que possam ser considerados fontes confiáveis?
NC: Não há um padrão para todas as gestões no que refere a publicações de suas realizações e aprendizagens. A partir dos anos 2000, isso se intensificou mais. De antes, se encontra principalmente algum livro de pessoas que integraram os governos, em geral de grandes cidades, artigos em coletâneas fruto de seminários, que abordam um ou outro aspecto da gestão, e uma quantidade bem maior de artigos acadêmicos. As revistas vinculadas aos partidos também publicaram muita coisa interessante: a Teoria e Debate, do PT, e a Princípios, do PCdoB. No livro, elenco vários textos da Princípios.

Vermelho: Você percebe que há, por parte dos partidos de esquerda, em particular do PCdoB, preocupação em sistematizar as experiências de governo?
NC: Pode existir até vontade de fazê-lo, mas acho que ainda predomina a dinâmica de realizar – e tanto o planejamento como avaliação e sistematização ainda estão num segundo plano. Durante o mandato, é comum haver folhetos de divulgação de programas mais exitosos, ou cadernos elaborados por secretarias para apresentar temas que exigem mais conteúdo. Porém, no geral, terminado o mandato, dificilmente se encontra um material mais completo.

Um bom exemplo de como deveria ser é o caso da gestão de Fernando Haddad (PT) em São Paulo. O material publicado durante o governo é farto e de qualidade. Além disso, ao término, muitos secretários e coordenadores de programa publicaram livros e bons documentos de balanço e sistematização das suas áreas. No caso do PCdoB, ainda é bem limitada a divulgação das experiências.

Vermelho: Há elementos comuns entre os governos de esquerda ou as experiências foram marcadas por características próprias?
NC: São muito maiores as semelhanças do que as características próprias, no que se refere à gestão propriamente dita. Como cada prefeito ou prefeita tem seu perfil político, seu estilo de governar, suas prioridades, isso é que dá mais visibilidade diferenciada.

Mas governos democráticos e progressistas, com identidade com as causas populares, têm um programa básico comum muito sólido, como defesa e fortalecimento da educação pública e do SUS, a ampliação das políticas públicas em todas as áreas sociais, a criação de espaços institucionais para o trabalho com as mulheres e a juventude, para o combate à discriminação racial e à homofobia, para a temática dos direitos humanos e, claro, abertura permanente de canais de diálogo com a sociedade e participação popular.

No plano mais geral, há diferenças no tocante à política de alianças e composição de governos, e também no maior ou menor envolvimento com a disputa política nacional.

Vermelho: Você registra no livro que o PCdoB entrou nas disputas majoritárias municipais a partir do ano 2000, bem mais tarde que outros partidos progressistas. De que forma isso impactou a trajetória do partido?
NC: Eu apontaria dois elementos que considero relevantes. O principal é que não se formou uma base eleitoral mais larga em torno do partido, coisa que ocorre quando se disputa eleição majoritária em pleitos sucessivos. Aliás, quando o PCdoB começou a apresentar candidaturas a prefeito, o "território" já estava bem ocupado por outras legendas de esquerda e centro-esquerda. Quando se disputa pouco, também se governa pouco, e no livro procuro demonstrar que existe uma ligação forte entre governar prefeituras e eleger bancadas maiores de deputados estaduais e federais.

Outro elemento é que o número de quadros e lideranças do Partido com experiência em gestão pública é reduzido para fazer frente às necessidades e possibilidades quando elas se apresentam. Infelizmente, a eleição municipal de 2016 reduziu muito o número de prefeituras governadas pela esquerda ou pelas forças progressistas. Mas, no momento em que houver outro período expansivo, esses quadros farão muita falta.

SERVIÇO

Cidades Democráticas – A Experiência do PCdoB e da Esquerda em Prefeituras (1985-2018)

– Autora: Nádia Campeão
– Editora: Anita Garibaldi | Fundação Maurício Grabois
– Ano: 2019
– Páginas: 120
– Valor: R$ 20

Lançamento do livro
– Data: 6 de setembro, sexta-feira, a partir de 18h30
– Local: Livraria da Editora Anita Garibaldi (Rua Rego Freitas, 192, República, São Paulo)