Homenagens ao Doutor Juca, médico guerrilheiro do Araguaia

Passados quase 47 anos do desaparecimento do médico e guerrilheiro do Araguaia João Carlos Hass Sobrinho, o Doutor Juca, a família recebeu uma retificação na certidão de óbito que reconhece que sua morte foi "causada pelo Estado brasileiro".

Por Osvaldo Bertolino

João Carlos Haas Sobrinho

O reconhecimento aconteceu pouco antes do Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, data instituída pela ONU em 2011 para homenagear os desaparecidos políticos. No dia 28 a irmã do Doutor Juca, Sônia Haas, participou de um “painel temático”, com o lema “Nenhum sacrifício será em vão”, na sede do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em São Leopoldo (RS), cidade natal do médico guerrilheiro.

Segundo reportagem do Portal G1, no novo documento, recebido no dia 22 por Sônia, passou a constar que ele “faleceu entre setembro e outubro de 1972, sendo a data mais provável o dia 30 de setembro de 1972, sendo Xambioá, Tocantins, no âmbito do evento reconhecido como Guerrilha do Araguaia, em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.

Em declarações à reportagem, Sônia disse que, embora incompleto, este é um motivo para ser comemorado. "De certa forma, é uma conquista, pois a certidão faz referência a morte não natural por violência, e afirma que foi por responsabilidade da ditadura. Este documento é uma prova de que houve violência e mortes causadas pela repressão. É muito importante", diz ela.

No dia 30, Sônia celebrou a memória do irmão em um ato no Largo da Prefeitura de São Leopoldo, onde fica um busto em homenagem a Doutor Juca. Segundo ela, algumas lacunas seguem sem serem preenchidas. "Não é fechamento, porque precisamos localizar os restos mortais e termos respostas sobre o que aconteceu. Não há referência concreta sobre como e onde aconteceu esta morte. Isso nos falta. O que ocorreu com esses corpos? Ninguém nos responde", afirma.

Combates com militares

Sônia lembra que seus pais, Ildefonso Haas e Ilma Linck, não puderam testemunhar a correção da história sobre o filho. Ele morreu em 1989 e ela, em 2001. "Morreram esperando poder sepultar o filho", relata, acrescentando que o irmão não deixou filhos ou herdeiros. Até mesmo por isso, responsabiliza-se pela preservação das histórias e do legado do irmão. "Em 30 setembro faz 47 anos de morte do João. Morreu com 31 anos. E a sua memória está viva", destaca.

João Carlos Haas Sobrinho nasceu em São Leopoldo no dia 24 de junho de 1941. Formou-se em medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde foi presidente do centro acadêmico da faculdade. Filiado ao PCdoB, mudou-se para o nordeste em 1967, três anos após o início do período militar. De Porto Franco, no Maranhão, onde atendia a população pobre em um consultório, foi para a região do rio Araguaia, no Tocantins, em 1969.

A hipótese mais forte, segundo a família, é que tenha sido morto em combate com militares em 30 de setembro de 1972. Porém, até este ano, essa suposição não havia sido confirmada, já que o corpo não foi encontrado. Em 2008, alguns negativos foram revelados, e uma das fotografias mostra um corpo próximo a um soldado, o qual foi identificado como sendo João Carlos. Atualmente, há uma rua com seu nome em pelo menos três cidades: São Leopoldo, Porto Alegre e Caxias do Sul, na serra gaúcha.

Homenagem em Porto Franco

Em maio de 2011, João Carlos Haas homenageado com título de cidadão portofranquino (veja reportagem completa aqui). Com plenário e galerias lotados, a Câmara Municipal de Porto Franco fez a entrega do título de cidadão portofranquino ao Doutor Juca. A homenagem post mortem encerrou uma série de atividades para reverenciar o médico e guerrilheiro. O título foi proposto pelo vereador Colemar Rodrigues do Egito, atendendo a uma sugestão do ex-vereador, ex-vice-prefeito do município e ex-deputado estadual Fortunato Macedo.

Estiveram presentes, além de Sônia, o presidente do PCdoB de São Leopoldo, Nélson Sales; e o jornalista e historiador Osvaldo Bertolino, da Fundação Maurício Grabois, que receberam o título em nome da família e do PCdoB. A concessão do título foi aprovada no dia 15 de fevereiro de 2008 e desde então aguardava a ocasião de ser entregue a familiares e correligionários de João Carlos.

Na solenidade de entrega, o então prefeito Deoclides Macedo (PDT) destacou o ato de coragem política e o senso de justiça da Câmara e da Prefeitura em homenagear não só João Carlos, mas todos os demais que lutaram por justiça social, liberdade e democracia na Guerrilha do Araguaia. Fortunato Macedo e o vereador Colemar Rodrigues também justificaram a homenagem a “um cidadão que está na história de Porto Franco como grande benfeitor e amigo de nossa gente”.