Manuela diz ser necessário conversar com quem pensa diferente
É possível construir uma alternativa de resistência ao bolsonarismo a partir das cidades? Essa foi a pergunta central que motivou o debate promovido pela Rede Soberania e pelo jornal Brasil de Fato RS, na noite de segunda-feira, no teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa gaúcha.
Por Marco Weissheimer, do Sul21
Publicado 27/08/2019 15:00
O auditório ficou lotado, reunindo representantes de partidos de esquerda, sindicatos, centrais sindicais, movimentos populares, entidades dos movimentos estudantil e ambientalista. Na pauta, a possibilidade de construir uma frente política para enfrentar as políticas do governo Bolsonaro e também para apresentar uma alternativa unificada para a eleição municipal de 2020, em Porto Alegre, um objetivo repleto de obstáculos, condições e desafios que foram explicitados nas sete falas que marcaram o encontro.
A mais esperada delas foi a de Manuela D’Ávila (PCdoB), que retornou ao Brasil após um período no exterior e é um dos principais nomes apontados para encabeçar essa frente política na eleição do ano que vem. Última oradora inscrita da noite, Manuela falou de esperança, de coisas que eram consideradas impossíveis, mas que já foram feitas em Porto Alegre e também daquelas que considera ser condições indispensáveis para que esse “fazer o impossível” volte a se tornar possível. Neste período que ficou fora do país, Manuela admitiu que chegou a ficar muito desesperançada com tudo o que está ocorrendo no Brasil. Mas, motivada pela pergunta proposta pelo debate de ontem, recordou uma série de coisas que foram feitas em Porto Alegre, que eram consideradas muito difíceis ou mesmo impossíveis, e que tornaram a capital gaúcha uma referência internacional em democracia, participação popular e construção de políticas públicas ousadas.
“Eu tenho muita esperança do que podemos construir juntos. Fizemos coisas incríveis aqui em Porto Alegre em momentos muito difíceis. No final da década de 80, no auge do neoliberalismo, mesmo com todas as dificuldades econômicas e sendo oposição ao governo federal, mostramos ao Brasil e ao mundo que era possível acreditar e ter esperança em outro tipo de governo”, lembrou. A candidata à vice-presidente da República, em 2018, na chapa com Fernando Haddad, citou a experiência do início da construção do PISA (Projeto Integrado Socioambiental) para tornar o Guaíba balneável de novo, a construção da Terceira Perimetral o Fumproarte e a política de descentralização da cultura, o estímulo à criação de feiras de alimentos orgânicos em Porto Alegre, como exemplos de algumas das obras. Manuela foi um pouco mais longe e lembrou o projeto de Leonel Brizola a para a criação de escolas em tempo integral, sinalizando também a dimensão do arco de alianças que considera necessário para enfrentar o bolsonarismo. A militante do PCdoB foi enfática sobre esse tema: “É possível que nossa cidade volte a cantar esperança, como já fizemos. Podemos construir alternativas de resistência também a partir das cidades, mas só faremos isso se conseguirmos olhar para além de nós mesmos. Precisamos conversar com as pessoas que não pensam da mesma maneira que a gente. Não existe uma única massa do lado de lá. Essa visão e essa disputa é o que serve a eles. O nosso povo não é igual a esse presidente inapto com sinais cada vez mais evidentes de psicopatia. Nós não acreditamos na disputa de consciências? A maior parte do nosso povo tem disposição de diálogo e está interessada em resolver os problemas reais que afetam o dia-a-dia. A unidade que já construímos e que está expressa aqui hoje é muito importante, mas precisamos ir muito além disso. Precisamos conversar com as pessoas que não estão conosco ainda”.
Presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, destacou que a pesquisa CNT/MDA, divulgada na segunda-feira, apontou que o desempenho de Bolsonaro na presidência da República já tem 53% de avaliação negativa. “Bolsonaro tem um projeto de destruição do Brasil e a população começa a ter um olhar crítico sobre isso”. Gleisi defendeu como prioridade a construção de uma ampla unidade entre as forças de esquerda e do campo progressista no país. “Podemos ter diferenças entre nós, mas é muito mais forte o que nos une em favor do Brasil e da nossa democracia. Não teremos democracia no Brasil enquanto tivermos presos políticos e Lula é um preso político. Também não teremos estado democrático de direito se não apurarmos quem matou Marielle”, afirmou a deputada federal.
Gleisi citou como exemplo de que é possível constituir essa unidade o fórum de partidos de oposição criado no âmbito do Congresso, reunindo PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB e, em algumas situações, também a Rede. “Em muitas lutas nós já estamos juntos no Congresso e nas ruas. Queremos que essa frente tenha reflexos locais também nas eleições municipais do ano que vem. O PT estará empenhado em construir frentes de esquerda, progressistas e populares em todo o país. Esse é um processo de acúmulo de forças e só conseguiremos mudar a atual correlação de forças se acumularmos mais força”, defendeu a dirigente petista.
Dirigente sindical e militante do PSOL, Neiva Lazarotto, também defendeu a necessidade de uma ampla unidade em torno de um programa comum. “Construir essa frente para derrotar o bolsonarismo é uma necessidade que a conjuntura nos impõe. A unidade na luta e a construção de unidade nas eleições não são coisas contraditórias”, disse Neiva Lazarotto, anunciando que a Executiva Nacional do PSOL formalizou a criação de um grupo de trabalho para tratar desse tema. Ela citou também a manifestação de integrantes da corrente majoritária do PSOL no Rio Grande do Sul (Luciana Genro, Roberto Robaina e Fernanda Melchionna, entre eles), que apresentaram um elenco de cinco pontos para fazer esse debate, entre esses, a realização de uma prévia para definir a candidatura dessa unidade. “Estou de acordo com esse ponto, mas precisamos construir um acordo programáticos. Uma possível aliança e uma nova gestão de esquerda em Porto Alegre não pode ser apenas a repetição de mais do mesmo”, afirmou.
Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez também defendeu a importância da ampliação da interlocução junto à sociedade como condição para construir uma frente política de oposição ao bolsonarismo. “Não podemos só ficar pregando para nós mesmos. Temos que ser generosos e acolher quem caiu nesta ilusão e está disposto a conversar”.
Milanez lembrou que a Agapan tem 48 anos de vida e que ele nunca presenciou tamanha destruição como a que o Brasil está vivendo agora. O ambientalista chamou a atenção para a conexão existente entre diferentes ataques e a necessidade de conectar a resistência a eles também. “Os ataques à Reforma Agrária, à Amazônia, aos povos indígenas, à agroecologia, à soberania e aos direitos estão interligados. Precisamos conectar tudo isso colocando a vida em primeiro lugar e não estou falando aqui só das vidas humanas. Essa crise é também uma oportunidade para afinarmos entre nós qual o modelo de desenvolvimento que queremos construir”.
Na mesma direção, a recém-eleita presidenta da União Estadual de Estudantes (UEE), Jerusa Pena centrou sua intervenção no caráter estratégico da unidade. “Não podemos aceitar o que esse governo vem fazendo com a educação pública. Estamos enfrentando uma onda de ignorância e precisamos pensar coletivamente para definirmos qual a melhor maneira de conversar sobre isso com a população. Nós não tivemos só uma derrota eleitoral em 2018, mas uma derrota política mais profunda e precisamos ter isso em mente. O congresso que realizamos neste último final de semana reuniu cerca de 400 estudantes, de diferentes tendências, e tivemos a maturidade de construir uma única chapa, reunindo representantes de todas as forças e entidades. Esse é o caminho que devemos perseguir. Precisamos debater o que nos une e não o que nos divide”, resumiu Jerusa, muito aplaudida.
A defesa da unidade também foi feita por Paulo Silva, militante do Partido da Causa Operária (PCO), que destacou a luta na qual o seu partido está empenhado para combater o estado de exceção que se instalou no país e pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A nossa luta não é apenas contra políticas parciais do governo Bolsonaro. Acreditamos que a melhor forma de enfrentar o bolsonarismo é parar de apanhar e começar a revidar. Nós temos força para isso. Não podemos só ficar esperando as eleições, que acabam sendo manipuladas por eles, como aconteceu no ano passado. A única maneira de barrar essa destruição é libertando Lula e por isso estamos defendendo eleições gerais com Lula candidato”, assinalou.
Dois ex-prefeitos de Porto Alegre, ambos do PT, também participaram do encontro no Dante Barone. Raul Pont defendeu a necessidade de construir uma unidade não apenas em momentos eleitorais. “A nossa resistência e o nosso crescimento conjunto representam um elemento chave para virar esse jogo. Há muitos militantes do PDT e do PSB que também gostariam de estar aqui conosco hoje e é nesta direção que devemos caminhar”.
Pont também definiu o governo Bolsonaro como de “destruição nacional” e criticou a opção feita pelas elites do país, que já começam a mostrar constrangimento com essa escolha. “A burguesia do nosso país se rendeu a esse facínora. Junto com grandes meios de comunicação como a Globo e a RBS, criaram esse monstro e agora não querem assumi-lo”.
Tarso Genro, por sua vez, chamou a atenção para o fato de que o fascismo representado por Bolsonaro não é inimigo só dos trabalhadores, mas sim de todos aqueles que defendem um projeto democrático e da própria natureza. “Neste momento em que o Nero latino-americano incendeia a Amazônia, vemos que ele se relaciona com a Natureza da mesma forma que se relaciona com os homens e mulheres que se opõem ao seu projeto perverso: como inimigos”.
Tarso também destacou que as últimas pesquisas mostram que Bolsonaro já tem contra si a maioria do povo brasileiro e a repulsa de líderes mundiais do próprio centro do sistema capitalista internacional. Essa é, defendeu, uma oportunidade para todo o campo democrático construir uma grande unidade para derrotar Bolsonaro e o projeto de destruição que ele representa.