Frei Betto: O papa Francisco e a luta pelo novo paradigma na Amazônia
O papa Francisco, em janeiro de 2018, declarou em Puerto Maldonado, Peru: “A Amazônia é disputada por várias frentes: de um lado, o neoextrativismo e a forte pressão de grandes interesses econômicos ávidos por petróleo, gás, madeira, ouro e monocultivos industriais. De outro, a ameaça procedente da perversão de certas políticas que promovem a ‘preservação’ da natureza sem levar em conta o ser humano”.
Por Frei Betto*
Publicado 21/08/2019 15:46
Francisco ressaltou que uma ecologia integral, que não separe ser humano e natureza, exige nova antropologia e novo conceito de desenvolvimento, nos quais a prioridade seja condições dignas de vida da população local. Isso implica defender os direitos humanos e a Mãe Terra, resistir aos megaprojetos que causam morte, e adotar um modelo econômico sustentável, solidário, sintonizado com os ecossistemas e os saberes ancestrais dos amazônicos.
Em discurso aos participantes da conferência sobre “Transição energética e cuidado de nossa casa comum”, em 2018, no Vaticano, Francisco frisou que a busca de um crescimento econômico contínuo provocou graves efeitos ecológicos e sociais, porque “nosso atual sistema econômico prospera devido ao aumento de extrações, consumo e desperdício. A civilização requer energia, mas o uso da energia não deve destruir a civilização”.
Para o sínodo amazônico, a ecologia integral ou socioambiental exige mudança de paradigma, mas também uma espiritualidade da reciprocidade, de harmonia, que mantenha o equilíbrio do bioma capaz de refletir um sentido de convivência dentro dessa imensa maloca comum que é a Terra. Em suma, passar de uma cultura do descarte a uma cultura do cuidado.
Para tanto, é preciso promover uma educação ecológica que nos induza a outro estilo de vida, livre do consumismo obsessivo e do paradigma tecnoeconômico. Como propõe o papa Francisco na encíclica socioambiental “Louvado sejas” (Laudato Si), “dar o salto ao Mistério, onde a ética ecológica adquire seu sentido mais profundo”. Esta experiência espiritual, sagrada, ocorre quando se é capaz de solidariedade, responsabilidade e cuidado.
Pretende o sínodo que cada paróquia da Amazônia se torne uma ecoparóquia, e adote uma ecopedagogia. Isso significa aprender a conviver com a família de Deus que habita o território panamazônico, no qual há culturas ocultas, isoladas, sem contato com o mundo não indígena, outras que rejeitam convictamente a civilização ocidental, e ainda as que mantêm boas relações com a Igreja sem, contudo, assumir o Evangelho como referência de vida. Existe ainda uma Igreja autóctone, integrada por indígenas que relacionam seus saberes ancestrais com a palavra de Deus.
A proposta é que a Igreja presente na Amazônia, através de paróquias e congregações religiosas, se oponha aos projetos que ameaçam a floresta e os povos que a habitam, critique o paradigma tecnocrático, o antropocentrismo irresponsável, e o relativismo moral, e valorize a economia solidária, de valor de uso dos bens da natureza, e descarte a que prioriza o valor de troca.
Na visita à Amazônia, em janeiro de 2018, o papa Francisco frisou que “a cultura de nossos povos é um sinal de vida. A Amazônia, além de ser uma reserva da biodiversidade, é também uma reserva cultural que deve ser preservada frente aos novos colonialismos”. E fez este apelo aos indígenas: “Ajudem seus bispos, ajudem seus missionários e missionárias a ser um com vocês e, no diálogo entre todos, possam formar uma Igreja com rosto amazônico e indígena”.
* Frei Betto, frade dominicano e escritor, é autor de Batismo de Sangue e Por Uma Educação Crítica e Participativa