TSE divulga arquivos da cassação do Partido Comunista em 1947 

Pela primeira vez em 72 anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou públicos arquivos da arbitrária cassação do Partido Comunista do Brasil em 1947. São centenas de páginas de documentos históricos da Corte, que revelam como o registro partidário foi cancelado. Além de resultar na perda dos mandatos eletivos dos comunistas, a cassação impôs ao Partido seu mais prolongado período de clandestinidade: foram 38 anos de espera até a reconquista da legalidade, em 1985.

Por André Cintra

Bancada comunista 1946

A peça mais importante disponibilizada na íntegra pelo TSE é sua Resolução Nº 1.841, de 7 de maio de 1947. Com nada menos que 211 páginas, esse calhamaço, relatado pelo “Sr. Professor Sá Filho”, foi o documento que formalizou a cassação da legenda de Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, Carlos Marighela e Jorge Amado. Na época, a bancada comunista na Assembleia Constituinte era composta por um senador (Prestes) e 14 deputados federais, eleitos em dezembro de 1945.

Passados apenas quatro meses do pleito, o deputado Barreto Pinto (PTB) pediu, em março de 1946, a anulação do registro do Partido Comunista, “alegando o caráter ditatorial e internacionalista da agremiação”. Segundo o parlamentar, a legenda estaria “a serviço da União Soviética” e ficaria contra o Brasil numa eventual guerra entre as duas nações.

Apesar dos argumentos subjetivos e essencialmente ideológicos, o TSE levou a denúncia adiante: “O parecer do procurador geral foi pelo arquivamento do processo, mas o Tribunal optou por não aceitá-lo e deu prosseguimento à apuração”. Essa divisão no interior da Corte marcaria todo o processo.

A segunda denúncia ao TSE coube a Himalaia Virgulino, um juiz que, desde a década de 1930, despontava pela obstinada perseguição aos comunistas. Desta vez, o magistrado acusava o Partido de “promoção de greves e da luta de classes”, “vinculação com o comunismo soviético” e “violação dos princípios democráticos e direitos fundamentais do homem”.

 

Democracia

Caracterizar os comunistas como antidemocratas era o eixo da reação. A tática se amparava na legislação eleitoral em vigência desde 1945. Essa lei transformou a política partidária no Brasil, ao valorizar as legendas nacionais – com inserção em diversos estados –, em detrimento de siglas regionais. Para autorizar o retorno ou a criação de um partido político, era exigido um mínimo de 10 mil filiados, em ao menos cinco circunscrições eleitorais. Até esse ponto, o Partido Comunista era favorecido.

Mas, de acordo com a nova página do TSE, era possível “negar o registro à agremiação partidária cujo programa se opusesse à democracia ou aos direitos fundamentais do homem”. Esta foi a base para as denúncias de Barreto Pinto e Himalaia Virgulino contra os comunistas. Num equilibrado – e dramático – julgamento no Plenário do Tribunal, o peso da Guerra Fria e da propaganda anticomunista falou mais alto.

Por três votos a dois, a Corte deliberou o cancelamento do registro do Partido. O relator Sá Filho e o ministro Ribeiro da Costa rechaçaram as acusações – “a tese vencida ressaltou a ausência de provas das alegações”. Mas os votos pró-cassação – dos desembargadores J. A. Nogueira, Rocha Lagoa e Candido Lobo – viam “procedência das acusações” de que o programa dos comunistas contrariava o regime democrático

O TSE tinha sete membros, mas dois deles ficaram sem votar: o ministro Lafayette de Andrade (porque presidia o julgamento) e, estranhamente, o professor Machado Guimarães (que sequer “tomou parte (…) por não ter assistido o relatório”). O fato é que, em poucos dias o Ministério da Justiça passou a fechar as instalações partidárias. Em janeiro de 1948, os parlamentares comunistas (federais, estaduais, distritais e municipais) perderam seus mandatos.


Primeira página da Resolução do TSE que cancelou o registro do Partido Comunista


Outros documentos

A seção especial do TSE traz mais documentos do embate judicial entre comunistas e anticomunistas. É o caso do Recurso Extraordinário Eleitoral N° 12.369, com o qual o Partido recorreu, em abril de 1948, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por unanimidade, a Corte nem chegou a reconhecer o pedido.

Como a anulação de mandatos não estava prevista na Constituição de 1948, sobreveio a Lei Nº 648, de 10 de março de 1949, para tratar especificamente do “preenchimento” dos cargos subtraídos: “Os lugares tornados vagos nos corpos legislativos, em consequência do cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil (…), caberão a candidatos de outro ou de outros partidos, votados na eleição de que se tenham originado os mandatos”.

As demais peças publicadas pelo TSE são decorrentes dessa lei. A Resolução Nº 3.222, de 20 de maio 1949, negou a anulação dos votos dos comunistas nas eleições anteriores, que visava refazer o coeficiente eleitoral. Já o Recurso Extraordinário N° 15.758, proposto pelo Partido Democrata Cristão (PDC), também foi considerado improcedente. As duas medidas, porém, revelam como o cerco ao Partido Comunista, de tão exorbitante, provocou insegurança jurídica e política no País.

“Julgados históricos”

Embora não faça autocrítica de suas posições tendenciosas e condenáveis contra os comunistas da década de 1940, o TSE presta um valoroso serviço ao abrir arquivos do processo. A iniciativa é parte de um projeto para destacar seus “principais julgados históricos” – “momentos da história político-eleitoral brasileira” em que a Corte tomou decisões com “grande repercussão jurídica e social”.

O conjunto dos arquivos estava à disposição de pesquisadores, mediante aprovação do Tribunal. Mas no novo serviço, lançado na sexta-feira (2), no Portal do TSE, esses documentos foram sistematizados e contextualizados, com o objetivo de “contribuir para a difusão da história do Tribunal nos meios acadêmico e científico”.

Desde 1945, conforme o portal, sete “julgados históricos” sobressaíram. O pedido de cassação do Partido Comunista do Brasil – que, na ocasião, adotava a sigla PCB – foi o segundo desses “testes de fogo” para a Corte, sucedendo o julgamento da Assembleia Constituinte de 1946. Se a decisão no primeiro caso foi essencialmente democrática, a repressão judicial aos comunistas consistiu num ato criminoso.

Confira abaixo os documentos disponibilizados pelo TSE

1) Resolução Nº 1.841
– Data: de 7 de maio de 1947
– Autor: TSE
– Determinação: cancela o registro do Partido Comunista do Brasil
– Link: https://dev.vermelho.org.br/wp-content/uploads/2019/10/resolucao-1841-cancelamento-registro-partido133797.pdf

2) Recurso Extraordinário Eleitoral N° 12.369
– Data: 14 de abril de 1948
– Autor: Partido Comunista do Brasil
– Pedido: revogar a Resolução Nº 1.841
– Decisão do TSE: não reconhecer (negar) o recurso
– Link: https://dev.vermelho.org.br/wp-content/uploads/2019/10/recurso-extraordinario-12369-cancelamento-registro-partido133798.pdf

3) Resolução Nº 3.222
– Data: de 7 de maio de 1947
– Autor: TSE
– Determinação: negou a anulação dos votos do Partido Comunista no período de 1945 a 1947, para efeitos de recalculo de quocientes eleitorais
– Link: https://dev.vermelho.org.br/wp-content/uploads/2019/10/tse-resolucao-3222-votos-de-legenda133799.pdf

4) Recurso Extraordinário N° 15.758
– Data: 3 de maio de 1950
– Autor: Partido Democrata Cristão (PDC)
– Pedido: julgar inconstitucional a Lei Nº 648/1949, sobre o “preenchimento das vagas” dos parlamentares comunistas com mandato cassado em 1948
– Decisão do TSE: reconheceu o recurso, mas negou provimento
– Link: https://dev.vermelho.org.br/wp-content/uploads/2019/10/tse-recurso-extraordinario-15758133800.pdf