Marcio Pochmann: Aposta em saques do FGTS revela desespero do governo
A flexibilização dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) revela “certo desespero” do governo Jair Bolsonaro (PSL). É o que avalia o economista Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Em entrevista à revista Época, ele declara que o FGTS já está “comprometido desde a recessão” iniciada em 2015. “Quando a economia não cresce, não se contrata, e a entrada de recursos do Fundo não aumenta”.
Publicado 26/07/2019 09:51
A projeção para o crescimento econômico neste ano está abaixo de 1%. A flexibilização dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tem potencial para mudar esse quadro?
Marcio Pochmann: O anúncio revela um certo desespero de lançar medidas sem que elas estejam articuladas num projeto de recuperação da economia brasileira. Nestes 200 dias de governo, percebe-se que não foi possível nem manter o ciclo de voo de galinha que a economia havia deixado. Essa medida tende a gerar um cenário artificial de crescimento. O Fundo foi criado para financiar investimento em infraestrutura. Essa medida de liberar recursos, portanto, descapitaliza o FGTS e torna muito mais difícil haver um programa de geração de empregos, que seria a retomada de investimentos em infraestrutura e casa própria. Para cada R$ 100 mil liberados, uma casa seria construída.
Como ampliar o efeito da medida para além do estímulo ao consumo? Outras medidas pelo lado da oferta podem ampliar esse impacto?
MP: O governo da presidenta Dilma experimentou modalidades nesse sentido, chamadas de política pelo lado da oferta, sem sucesso. Agora se fala em relação à questão do gás, em relação a uma reforma tributária. A ideia é reduzir o custo de produção. No Brasil, a redução do custo de produção acaba indo para o lucro da empresa. Portanto, não acredito que uma política pelo lado da oferta seja suficiente.
Como o senhor avalia o modelo de saques anuais, em contraponto à retirada no momento da demissão sem justa causa?
MP: É mais grave que a iniciativa tomada por Temer. O FGTS foi um instrumental usado como tentativa de reestruturar a economia no médio e longo prazo. É um fundo potente porque garante o recurso no médio e longo prazo. Não é algo que se resolva com o crédito no banco. Essa iniciativa de liberar agora só tende a descapitalizar ainda mais. O Fundo vem com uma trajetória negativa, com as saídas maiores que as entradas, desde 2015.
A indenização de 40% sobre o FGTS em caso de demissão tem sido criticada pelo presidente Jair Bolsonaro. Também se questiona o adicional de 10% para o governo. Acredita que essa multa é prejudicial à geração de empregos por aumentar custos para o empregador, conforme crê o governo?
MP: Esse é mais um dos argumentos que foram utilizados para a aprovação da reforma trabalhista. De que a redução do custo de trabalho implicaria o aumento da contratação. Houve uma redução do custo, mas as empresas não aumentaram a contratação. Nenhuma empresa da construção civil vai aumentar a contratação apenas porque caiu o salário do operário. Ela só vai aumentar se tiver demanda, se tiver gente querendo comprar casa e financiamento de obra pública. Reduzir essa multa de 40% para gerar emprego é conto da carochinha. A realidade está comprovando.
Existe risco de que o FGTS perca ou sofra redução de sua função social, de investir em infraestrutura e habitação, com a flexibilização de retiradas?
MP: Isso já está comprometido desde a recessão de 2015. Quando a economia não cresce, não se contrata, e a entrada de recursos do Fundo não aumenta. O FGTS foi construído na segunda metade dos anos 60, e o objetivo do Fundo não era complementar salários, mas sim financiar investimentos de médio e longo prazo.