Publicado 19/07/2019 12:02
É uma afirmação fácil de que as redes sociais tem papel relevante na atual luta de ideias. Os partidos, analistas políticos e a imprensa usam e abusam desta premissa.
Mas é preciso ir além do senso comum para compreender melhor o papel que as redes sociais tem na dinâmica eleitoral e na formação de opiniões políticas.
As redes sociais na internet são um fenômeno relativamente novo e buscam espelhar as formas de relacionamento humano na rede mundial de computadores. Elas são a face mais visível e popular das mudanças trazidas pela internet no comportamento e na organização das sociedades.
Têm grande importância também as alterações dos processos de produção, da acumulação de capital e de novas formas de apropriação da mais-valia trazidas pela 3ª Revolução Industrial. Este é um tema que tem estudos sólidos e profundos, além do fato de estarmos vivendo a transição para uma 4ª revolução industrial.
Essas alterações vincaram fortemente nossas relações sociais. E podemos arriscar que elas também as alteraram.
Comportamentos considerados inadequados há pouco tempo atrás são aceitos com naturalidade nas redes na internet. Durkheim, Marx e Foucault certamente nos darão pistas para entender como certos setores involuíram para um comportamento quase primal. Estudos sociológicos para debater este novo comportamento social serão necessários para que possamos apreender toda a magnitude desta mudança.
Mas se estamos ainda carentes de estudos que tratem das causas e gêneses do comportamento dos usuários de redes sociais, já podemos verificar alguns efeitos sobre as relações humanas e também sobre o processo político.
Um dos exemplos mais gritantes da prática criada a partir das redes sociais é a disseminação de fake news. Um estudo do Instituto de Internet da Universidade de Oxford comprovou que o engajamento em postagens com informações falsas e com conteúdo extremo é maior do que em posts de notícias da mídia tradicional.
O estudo analisou conteúdos veiculados em redes sociais, principalmente Facebook e Twitter, durante o período de eleições do Parlamento Europeu, de 23 a 26 de maio de 2019. Os sites utilizados para a disseminação de “fake news” tiveram um engajamento de 1,2 a 4 vezes maior do que os veículos tradicionais.
O estudo utiliza a expressão “junk news” ao invés de fake news, mas para nós o resultado é o mesmo; ou seja, conteúdos ideologicamente extremos, enganosos ou com informações e fatos incorretos.
Quem melhor tem utilizado este aspecto lúgubre dos usuários das redes sociais foi justamente a extrema-direita.
O site Avaaz publicou um relatório em junho deste ano sobre o funcionamento de redes de extrema-direita europeias no Facebook, mostrando que nos meses de abril, maio e junho foram publicados e compartilhados cerca de 533 milhões de conteúdos maliciosos que envolvem notícias falsas (fake news), frases falsificadas, discursos de ódio e vídeos contra imigrantes. Tudo isso funcionando em cerca de 500 páginas no Facebook.
Em entrevista à Deuschte Welle, o diretor da Avaaz, Christoph Schott foi taxativo “vimos um vasto uso de contas falsas e um vasto uso de táticas enganosas. Então, são mais táticas de desinformação que estão sendo usadas para fingir que uma questão específica que é frequentemente muito odiosa ou muito racista ou anti-migrante é mais popular do que realmente é”.
Das 500 páginas, 77 já foram removidas do Facebook — apenas as 77 delas possuíam 5,9 milhões de seguidores. Elas aglutinam propaganda de extrema-direita voltada para países como França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Polônia e Itália. O relatório ressalta que, as páginas de partidos ditos como extrema-direita na Europa [espanhol Vox, alemão AfD, italiano Liga, polonês PiS, francês Rally e britânico Brexit Party] não possuem o mesmo número juntos, alcançando apenas 2 milhões de seguidores.
Entre as táticas utilizadas pela extrema-direita estava a de divulgar cenas de filmes como se fossem fatos reais — uma delas mostrava, por exemplo, imigrantes destruindo um carro policial. Mesmo que a cena tenha sido revelada como falsa diversas vezes, ela continuava sendo compartilhada. Outra tática envolve a criação de grupos com nomes ‘comuns’, como “Veja filmes de graça” e, gradualmente, alterar o nome para um lema nacionalista como “Lute pela Espanha”.
O Avaaz conclui seu relatório com um alerta gravíssimo: “Milhões de europeus foram expostos às mentiras, manipulação e ódio descritos neste relatório, e a esmagadora maioria deles nunca descobrirá sobre isso. E nem os bilhões que serão expostos durante a próxima eleição, e a próxima depois disso — a menos que o Facebook aja agora”.
Infelizmente o Brasil percebeu o perigo das fake news e a sua utilização pela extrema-direita na eleições do ano passado.
A eleição de um candidato com exíguo tempo de TV e rádio, e sem o apoio de grandes partidos contou com esta valiosa nova forma de manipulação de massas.
E passados mais de 200 dias da posse do governo Bolsonaro, é possível verificar que a máquina que o ajudou a eleger continua em produção.
Apesar de inúmeros fracassos, disputas internas, ataques aos mais diversos setores, o número de brasileiros que aprovam o governo continua quase o mesmo dos que votaram nele no primeiro turno presidencial.
A pesquisa do Datafolha pode ajudar a decifrar este enigma.
O Datafolha ouviu 2086 pessoas em todas as regiões sobre o uso de redes sociais e o comportamento dos usuários no aplicativo de mensagens.
A pesquisa apontou que 72% dos brasileiros adultos tem conta em pelo menos uma rede social. O mais popular é o WhatsApp (69%), seguido de Facebook (59%), Instagram (41%) e Twitter (16%).
E dentro do universo do aplicativo mais usado, o que se debate? Os assuntos citados por eles como os mais discutidos nos grupos são família (39%), trabalho (31%), política (30%), amigos (15%), futebol (14%), escola (13%) e religião (12%). A resposta era espontânea e múltipla, ou seja, um mesmo entrevistado poderia citar mais de um tema.
Mas o dado mais impactante é que entre aqueles que dizem ter conta em alguma rede social, 19% afirmam seguir o presidente Jair Bolsonaro (PSL) em ao menos uma rede.
Uma conta simples, considerando o universo de 61% brasileiros adultos em 200 milhões de habitantes nos permite supor que Bolsonaro tem pelo menos 23 milhões de seguidores em pelo menos uma rede social.
Isso mostra que o desafio da esquerda e das forças progressistas é imenso e deve ser encarado com a máxima prioridade.
O Brasil e o mundo vivem uma nova forma de organização social, lastreada nas redes sociais na internet. A extrema-direita percebeu seu alcance e seu potencial de forma inequívoca. No Brasil, nos EUA, na Europa e em outras regiões, com as honrosas exceções da China, Rússia e alguns poucos países, ela está agindo com iniciativa e recursos para cada vez mais sequestrar a opinião pública e interferir nas eleições.
Para combater a visão goebbeliana nas redes, a esquerda não pode apostar nos mesmos métodos esperando que surjam resultados diferentes.
Mais do que nunca é preciso envolvimento, disponibilidade, recursos e conhecimento para que a superação desta penumbra trazida pela extrema-direita. A humanidade já fez isso em 1945 ao custo de milhões de vidas e de países arrasados.
Imaginar que a impressão de milhares de jornais ou panfletos que demoram dias para serem distribuídos possam fazer frente a milhões de mensagens falsas enviadas imediatamente é no mínimo uma imensa ingenuidade.
Gustavo Alves, jornalista, webdesigner e editor das Redes Sociais do PCdoB