Publicado 07/05/2019 11:19
O Partido Comunista do Brasil coloca em marcha uma “revolução democrática” no estado do Maranhão. Estas são as palavras que os comunistas maranhenses usam para definir o governo Flávio Dino, que começou em 2015, após o desgaste do povo sob o domínio oligárquico de 56 anos do clã Sarney, e se consolidou na eleição de 2018, numa coligação que abarcou nada menos do que 16 partidos, sem abrir espaços para a onda conservadora que tomou boa parte do país.
“Este é um caminho necessário, fundamental, imprescindível e urgente: unir à esquerda. Mas não apenas a esquerda, unir a esquerda para reunir todo o campo progressista, nacional, todos aqueles que estão em defesa da democracia brasileira no momento em que ela é profundamente ameaçada e atacada em vários pontos”, afirma o deputado federal Márcio Jerry em entrevista exclusiva ao Le Monde Diplomatique Brasil.
Sua fala diz respeito ao cenário nacional, mas tem como fundamento os maranhenses que derrubaram a oligarquia mais forte do país. Ex-secretário de Comunicação e Assuntos Políticos do Maranhão no primeiro governo Dino, Jerry exerce agora seu primeiro mandato em Brasília. Jornalista formado na Universidade Federal do Maranhão, onde também atuou como professor, saiu do interior do estado e foi tentar a vida na capital, percorrendo um caminho conhecido de muitos nordestinos. “Eu nasci numa cidade pequena, do médio sertão maranhense, Colinas, onde vivi até os 15 anos de idade, encaminhado pela minha mãe, já falecida, professora, e pelo meu pai, motorista de caminhão aposentado. Eu, que sou mais velho de uma família de nove filhos, vim para São Luís empurrado pelos meus pais com a missão de estudar para ‘ser alguém na vida’ e ajudar os meus irmãos”, explica.
O deputado Márcio Jerry é o presidente do Partido Comunista do Brasil no Maranhão, a legenda de Flávio Dino, e critica a atuação “despreparada e desastrada” até aqui do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Ele afirma que o momento da oposição é atuar na resistência e na defesa da Constituição de 1988, e que para sair da crise é preciso uma união muito além dos partidos de esquerda, talvez inspirada no modelo maranhense.
A esquerda fragmentada perdeu as eleições em 2018 no âmbito nacional, qual é a dificuldade de união desses grupos e porque vem demorando tanto?
Houve um avanço no diálogo entre os partidos de esquerda, não ao ponto necessário e fundamental para o país e para o campo progressista. Esse debate, inclusive, precisa se alargar para além dos partidos de esquerda. Hoje nós temos dito e reiterado que é fundamental reunir todos aqueles que defendem a Constituição de 1988, que significa defender a democracia brasileira, defender politicas públicas voltadas aos que mais precisam delas.
Nesse contexto existe há também a necessidade e até um imperativo, eu diria, de união da esquerda. De fato, existe uma dificuldade, mas há esforços conscientes e eu posso dar dois exemplos: as fundações partidárias tem se reunido com frequência, elaborado bons documentos e feito avaliações da conjuntura brasileira. São as instituições PCdoB, PT, PDT, PSOL e PSB. Essas cinco instituições, ligada a esses cinco partidos, tem mantido um debate muito produtivo sobre a realidade nacional, apontando um rumo para um projeto nacional de desenvolvimento que é exatamente o que o PCdoB defende.
Outro exemplo é o parlamento. Progressivamente, apesar da divergência da composição de blocos no início da legislatura, as bancadas desses partidos tem tido uma posição convergente nas temáticas que chegam ao congresso, apontando que este é um caminho necessário, fundamental, imprescindível e urgente: unir à esquerda, mas não apenas a esquerda, unir a esquerda para reunir todo o campo progressista, nacional, todos aqueles que estão em defesa da democracia brasileira no momento em que ela é profundamente ameaçada e atacada em vários pontos.
Que pontos são esses que ameaçam a democracia?
Por uma sucessão de eventos, e o exemplo mais recente é quando o próprio presidente da república faz uma conclamação a que se celebre um golpe militar havido no país. Ou seja, ele quis celebrar exatamente a ruptura institucional que aconteceu em 1964. Um fato inédito, grave, que contraria os postulados assegurados na Constituição Cidadã de 1988. Há também matérias do aparato da justiça brasileira que ameaçam preceitos constitucionais e diversos juristas estão colocando este assunto em debate. Então, existe sim uma ameaça à democracia e ao estado democrático de direito. Nós temos hoje um absurdo que é a prisão do maior líder popular do Brasil em um processo eivado de graves ilegalidades, um processo que atendeu a uma conveniência política e não o primado do direito e da justiça. Existem muitas avaliações bem fundamentadas como o livro “Comentários a Uma Sentença Anunciada”, mostrando como foi arbitrária e ilegal a prisão do ex-presidente Lula.
Neste cenário o papel da oposição no congresso é ‘barrar retrocessos’ ou ainda é possível vislumbrar algum tipo de avanço social no sentido de diminuir a desigualdade entre as classes?
Hoje, rigorosamente, nossa agenda é uma agenda de resistência, de barrar retrocessos. Em pauta no país temos a reforma da Previdência, que trás graves prejuízos ao povo brasileiro, aos setores sociais mais pobres, fragilizados, e isso nos coloca em uma posição de luta permanente, de resistência. Portanto, de impedir que haja retrocessos na ordem legal do país, nos direitos e nas políticas públicas, que o governo Bolsonaro tenta atacar todos os dias de todos os modos.
Bolsonaro nomeou os mais pobres do Brasil como seus adversários, mesmo que ele não diga isso com essas palavras, ele age nessa direção, de fragilizar as políticas públicas, de quebrar o caráter solidário e de repartição da Previdência Social para tentar instituir esse regime de capitalização que altera garantias fundamentais.
O que houve de “errado” nas eleições de 2018 para que alguns partidos de esquerda lançassem-se fragmentados à corrida presidencial e porque a oposição ao governo Bolsonaro ainda hoje não está coordenada?
A esquerda brasileira não está devidamente coordenada por não ter encontrado um projeto mais sólido, mais abrangente e ao mesmo tempo unificador de nossa ação política. O debate de 2018 trouxe mais descenso do que consenso. Nós precisamos fazer um debate nesse campo, repito, em cima de questões como a defesa da democracia, a defesa do pacto político materializado na Constituição de 1988, e assegurar nenhum direito a menos. Temos que organizar o campo político da esquerda, não só associar essa necessária resistência ao retrocesso, bem como estabelecer pontos de esperança capazes de mobilizar a sociedade brasileira e os setores que querem fazer com que o Estado tenha a capacidade de assegurar a implementação de políticas públicas eficazes, amplas e universais.
Só o fator Bolsonaro não pode unificar o bloco de oposição?
Na oposição ao Governo Bolsonaro o bloco de esquerda tem unidade, não há questionamentos quanto há isso, e eu acho que a conjuntura brasileira vem progressivamente nos colocando de maneira mais unida. A realidade nos convoca a união! A realidade adversa do Brasil nos conclama a unidade do campo democrático e progressista, não apenas a esquerda clássica. Precisamos alargar esse espaço convocando todos os setores democráticos da sociedade, mesmo os que não se reivindicam de esquerda, todo o campo progressista, todos aqueles que acham que é fundamental, importante e necessário defender a Constituição e as leis do nosso país.
Ao que parece a transversalidade de pautas tem atrasado a união desse campo progressista. Mas como explicar aos que se posicionam à esquerda, por exemplo, o apoio dito estratégico do PCdoB à eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidir a Câmara?
São lógicas distintas. Eu sou do Partido Comunista do Brasil, e ninguém há de dizer que não somos um partido de esquerda, em todos os aspectos é possível qualificar uma postura e uma posição política e ideológica de esquerda.
Agora, a eleição presidencial ou para o parlamento, por exemplo, guarda uma distância bem diferente de uma eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. O que nós estávamos debatendo naquela ocasião era se nós teríamos na presidência alguém capaz de assegurar o rito democrático, o direito as minorias e o funcionamento normal da Casa. E, naquele momento, no quadro que nós tínhamos, real, concreto e objetivo, a eleição do Rodrigo Maia favorecia esse entendimento. Foi por isso que meu partido, por exemplo, apoiou a candidatura do Maia, e por isso outros setores da esquerda também apoiaram. Foi legítimo o debate, a candidatura do Marcelo Freixo (PSOL-RJ) com apoio do PT. Isso, contudo, não é um divisor de águas, nós não podemos estacionar o debate por causa da eleição da Mesa da Câmara, que era um debate interno, e acho que a postura do Rodrigo Maia nessa nova gestão tem validado o que nós dissemos quando nele votamos.
E nós temos hoje o campo da esquerda bem posicionado dentro do parlamento, Alessandro Molon (PSB-RJ) é o líder da Oposição e Jandira Feghali (PCdoB-RJ) a líder da Minoria, dois espaços importantes, de enfrentamentos, de resistência e luta institucional na Câmara dos Deputados. Então temos conseguido ampliar sim esse diálogo e tenho muita esperança e convicção de que vamos esse debate da união cada vez mais sólido, tanto no parlamento como nas ruas, em defesa da democracia e contra essa reforma da Previdência que é ruim para o Brasil e péssima para o povo. Enfim, em bandeiras concretas encontraremos caminhos concretos para a unidade.
Como o modelo maranhense pode servir de exemplo para a oposição ao governo Bolsonaro?
Acredito que alguns aspectos devem ser considerados. O primeiro é o aspecto programático e o segundo é o diálogo. O governador Flávio Dino (PCdoB) apresenta, em meio aos limites e especificidades do Maranhão, um programa extremamente avançado e progressista. Ao mesmo tempo ele tem na sua base de apoio um amplo leque partidário, que vai desde os partidos de esquerda até os de centro e centro-direita. Temos na coligação desde o PCdoB, passando pelo PT e PSB, até os partidos como o DEM, PR, PTB.
Logo, essa combinação de amplitude tática e firmeza estratégica tem dado esse “tempero” do governo Flávio Dino. Um governador que tem metas claras e se orienta por princípios políticos e ideológicos absolutamente claros não só nos aspectos administrativos como também no exercício da liderança politica. Hoje ele é um dos mais destacados defensores da democracia brasileira, um critico contundente dos desacertos e desatinos do governo Bolsonaro, um crítico do golpe arbitrário contra a presidente Dilma. Essas duas características fazem do governo Flávio Dino um governo singular. Assim, nós conseguimos implementar este programa pragmático e pelo diálogo conseguimos unir amplos seguimentos, distintos entre si, mas coesos em torno daquilo que nós chamamos de “Partido do Maranhão”, em torno deste projeto muitas bandeiras, muitas avanços e conquistas, sempre com o diálogo plural e produtivo.
Em termos de políticas públicas e avanços sociais o que o Maranhão tem feito de diferente para chamar a atenção do resto do Brasil, para convencer os brasileiros a virarem os olhos para esta Região e para este estado em específico?
Flávio Dino no seu discurso inaugural, no dia 1º de janeiro de 2015, disse que o estado olharia para aqueles que nunca foram vistos. Daí ele vem numa obstinada luta para fazer com que as políticas púbicas alcancem os que mais precisam delas, e vem disso o investimento forte na educação. Ele é recordista nacional em construção, reforma e reconstrução de escolas, que envolvem o programa Escola Digna. Também no combate ao analfabetismo de adultos, no apoio e no favorecimento de ensino, apoiando os educadores, com promoções, reajustes salarias como nunca houve. Enfim, hoje o Maranhão, um estado pobre, paga o maior salário de professores do Brasil.
O investimento na agricultura familiar, que é uma cadeia econômica fundamental para nós que somos o estado mais rural do país, gera renda, produz justiça social no campo tão abandonado por décadas e décadas. O binômio produção/educação tem tido repercussões extremamente positivas no estado, e isso é muito importante observar. Eu sintetizaria desta forma: um governo voltado para implementar políticas públicas eficazes, de resultados, para os setores que mais precisam.
O governador Flávio Dino colocou em funcionamento sete hospitais macrorregionais, uma obra de ampliação de serviços de saúde pública do nosso estado. Este mesmo governo criou um projeto fantástico na Casa Ninar [antiga casa de veraneio da oligarquia], que hoje cuida de crianças com problemas neurológicos. Este é mais um exemplo da visão de governo que nós temos, de cuidar daqueles que mais precisam, dos que eram “invisíveis”, como o governador sempre cita.
Tudo isto está sendo feito mesmo com o Maranhão tendo menos recursos do que dispúnhamos anteriormente, dada à crise econômica prolongada do Brasil. E também, este é um governo marcado pela transparência e pela correta aplicação dos recursos. Não existem sequer notícias de corrupção, é um governo que tem a austeridade e um zelo muito grande, liderado pelo próprio Flávio Dino em fazer um governo honesto e empreendedor, decente e de resultados.
O Maranhão vive o inverso do cenário brasileiro, com o governador mais à esquerda entre todos os estados e autodeclarado comunista. Mais do que a ideologia a impressão é que aqui existe um grupo político extremamente organizado que soube aproveitar o momento e se articular para derrubar aqueles que detinham o poder. É isso? Com tem sido a experiência comunista maranhense? Como se dá esse jogo político de união de forças entre diversos partidos e como este modelo pode ser aplicado nacionalmente?
O modelo que o governador Flávio Dino adota é um modelo dentro dos marcos do capitalismo. É errado quando alguns dizem que se faz aqui um governo comunista. Não há governo comunista no Brasil, nós somos comunistas, do Partido Comunista do Brasil, mas atuamos dentro dos marcos do capitalismo. Até foi tema de reportagem uma vez que a tarefa dos comunistas no Maranhão era implementar o capitalismo no estado, porque nosso sistema era tão atrasado que em muitos aspectos se assemelhava ao feudalismo. Nos dias de hoje o que se faz aqui no Maranhão é um governo democrático, participativo, popular, transparente, voltado para os mais pobres, e é isso que dá a dimensão política e ideológica deste governo e que serve sim para o Brasil.
O que o presidente Lula estabeleceu foi fazer com que o Estado brasileiro alcançasse os mais pobres com políticas importantes como o luz para todos, ou como o apoio que ele deu para a agricultura familiar em todo o país, ou ainda a expansão do campo universitário público, enfim, uma dezena de ações muito importantes. Então, o que o governador Flávio Dino faz no Maranhão é inovar nesse aspecto, um governo cidadão, participativo, popular, democrático, é isso que dá a natureza desse governo, e isso que serve para o Brasil como um todo. A tarefa dos comunistas no Maranhão é, nesse momento, fazer com que o capitalismo possa se desenvolver, de modo, nesta etapa da história, a gerar renda e permitir que haja geração de riqueza, mas que essa riqueza não se concentre em pouquíssimas mãos, que essa riqueza possa ser distribuída para todos. Precisamos avançar para quebrar esse paradoxo que é o Maranhão, um estado naturalmente rico, de imensas possibilidades, e que tem um povo pobre. É esse o caminho que o governador Flávio Dino tem perseguido e buscado, que é assegurar bases concretas e efetivas para gerar desenvolvimento, e que esse desenvolvimento possa gerar renda, e que essa renda possa ser revertida em melhoria das condições de vida para todo o povo.
Porque o conservadorismo não avançou no Maranhão como em outros estados?
O conservadorismo na eleição de 2018 não avançou aqui primeiro pela blindagem de um governo de bons resultados, pela referência política do governador Flávio Dino, pela visão de política ampla que ele adotou, como eu te disse, conseguimos ir para a eleição com o apoio de 16 partidos. Então quem protegeu o Maranhão dessa onda conservadora foi a força da liderança do governador Flávio Dino, que se respalda e se estrutura na diferença que ele imprimiu na maneira de governar, de governar para a maioria do povo e de saber com muito trabalho e dedicação superar os limites graves impostos pela conjuntura econômica adversa do país, pela pesada carga que recebeu do governo estadual anterior. Para você ter uma idéia, somente de contratos firmados no passado com uma instituição financeira o Maranhão paga a cada semestre algo em torno de 150 milhões o “Bank of America”. Então, por aí você tira a carga que veio do passado, e mesmo assim Flávio Dino não deixou que o Maranhão se abatesse com esses problemas todos e consegui, ao contrário, adensar os investimentos do Estado e fazer circular mais recursos, dessa maneira dinamizando e aquecendo o comércio local. Enfim, um governo ativo e de inovação, ousado, por esta razão mesmo um governo de resultados e de êxito. O governador Flávio Dino, é bom lembrar, foi reeleito em primeiro turno com praticamente a mesma votação de 2014, então, em síntese, a força política do governador no meio do povo, e a força do governo pela sua aprovação, fizeram com que o Maranhão se protegesse dessa onda conservadora que atingiu setores específicos do país.
Muito se fala em renovação política no cenário nacional. Por onde essa renovação passa no Maranhão?
A renovação política maranhense está em curso, o governador Flávio Dino virou uma página da política local ao liderar um processo histórico de superação de um regime patrimonialista que fez por décadas uma política voltada para os próprios políticos e voltada para pequenos setores da sociedade. Uma elite que se acostumou com uma vida perdulária às custas dos recursos públicos, que confundiu o público com o privado alimentando os negócios privados com recursos públicos. Sua eleição é uma vitória contra esse pensamento conservador e essa prática atrasada. Ele soube num dado momento catalisar uma série de fatos que vinham ocorrendo nas “águas profundas” do Maranhão e conseguiu liderar esse processo e verbalizar esse momento e sentimento, que também se manifestou em outros momentos da história, mas que encontrou um ponto na eleição de 2014 com sua vitória no primeiro turno e se confirmou de forma emblemática em 2018, quando a esquerda tradicional maranhense unida a campos progressistas enfrentou a ex-governadora Roseana Sarney, o ex-ministro Sarney Filho e o ex-senador Edison Lobão, ou seja, enfrentou e venceu os símbolos mais fortes deste longo período oligárquico que dominou o Maranhão desde 1966. Foi um momento histórico que colocou essa marca absolutamente clara de renovação da política, que está em curso e que precisará avançar muito para que não haja nenhum caminho de volta aos padrões do passado.
Você tem falado muito do Flávio Dino na entrevista, ele seria um nome que poderia unir à esquerda?
O governador Flávio Dino sem dúvidas tem todos os atributos necessários para representar bem este campo, representar bem uma plataforma progressista para nosso país, uma plataforma de saída desse quadro ruim que nós temos hoje sob liderança de um presidente extremamente despreparado, que é o Bolsonaro. Não só despreparado, como desastrado. Basta ver este início de governo, quatro meses absolutamente sem nada, sem nenhuma virtude, sem nada que possa animar a sociedade brasileira, uma sucessão de graves problemas, de trapalhadas, desacertos, enfim, um governo muito ruim. Então, sim, Flávio Dino tem todos os atributos e pode ser o nome para liderar um amplo campo político em nossa sociedade, mas não existe apenas ele, claro. Outros grandes do campo progressista se destacam, como o Ciro Gomes no PDT, um nome de expressão para uma missão dessas, ou o próprio Fernando Haddad, que cumpriu bem seu papel de candidato à presidência da república substituindo o presidente Lula. Guilherme Boulos também, ou Manuela D’ávila, que é do meu partido, e outros nomes que existem atualmente no cenário nacional e que o processo político vai amadurecer.
Eu tenho convicção de que nós precisamos percorrer este caminho que, em primeiro lugar, é imprescindível a unidade do campo progressista brasileiro. Decorrente disso que nós possamos amadurecer para chegar num nome capaz de representar esse campo. E eu também tenho certeza de que com o amadurecimento do processo político vamos chegar num nome, num candidato que tire o Brasil deste imenso atoleiro que está hoje.
Mas o Bolsonaro foi eleito propondo uma nova “caça aos comunistas”. Como vocês, os maranhenses que pela primeira vez elegeram um governador do PCdoB, encaram esse discurso?
Nós conseguimos um feito histórico que foi de elegermos o primeiro governador do PCdoB na história do Brasil e depois reelege-lo, um marco importante na história do nosso partido.
O Bolsonaro, quando aponta para comunistas, sequer sabe exatamente o que está dizendo, porque ele e alguns adeptos enxergam comunismo até nas palavras do Santo Papa. Eles falam muitas asneiras acerca do que é ser comunista e do que é um governo liderado por um membro do Partido Comunista do Brasil. Eles deveriam observar as conquistas que alcançamos aqui no Maranhão e o exercício da governança feita de maneira tão democrática, participativa e ampla, enraizada nos desejos do povo.
Você tem cumprido algumas agendas no interior do estado, já foi secretário de assuntos políticos. Qual é a importância dos municípios nesse processo de união de forças no Maranhão, e como aplica-lo a nível nacional? Como vocês trabalham o diálogo com prefeitos locais e como isso pode ser feito em outros estados?
Existe um debate importante com os municípios sobre o pacto federativo porque eles possuem muitas responsabilidades no atendimento das pessoas, no provimento das políticas públicas, mas com uma imensa carência de recursos, e por isso precisamos repensar essas responsabilidades e discutir o pacto para assegurar aos prefeitos melhores condições de implementação dessas políticas púbicas. Dialogamos muito acerca desse tema, e no Maranhão Flávio Dino tem feito um governo municipalista, de parceria, de resultados com os gestores públicos, de certa maneira lançando outra cultura de administração no sentido da relação entre estado e município. O governo tem sido muito presente na vida dos municípios e em parceiras com os gestores temos feito diferença. É importante, para além disso, que deriva duma opção de governar do Flávio Dino, que busquemos um rearranjo institucional em âmbito nacional que fortaleça os municípios e que lhes assegurem condições melhores para com participação e fiscalização da sociedade aprimorarmos a implementação de políticas públicas.
Sobre a concepção de coalizão, ela não é necessariamente uma mediação do pensamento prévio de cada uma das agremiações, é na verdade a adesão a um programa que você concretamente apresenta naquele momento. No caso concreto do Maranhão nós apresentamos uma proposta em 2014 que saiu vitoriosa nas urnas, naquela época com o apoio de menos de 20 prefeitos, apenas 9 partidos, e conseguimos vencer a eleição nessa corrente de renovação e mudança que estava semeada e foi colhida no coração do nosso povo. Com a afirmação de uma liderança que soube ser porta voz desse conjunto de propostas e mudanças. Em 2018 uma plataforma e um bom exemplo de governança fez com que houvesse nossa coalisão.
Eu digo isto porque, para responder sua questão, evidentemente que nem todo mundo que apoia o governador Flávio Dino no âmbito partidário concorda com o ideário do PCdoB. Eu digo mais, nem todo mundo que é do PCdoB – por força da liderança do governador, da correlação de forças do Maranhão, e do papel que o partido cumpre hoje no estado -, eu gosto de brincar dizendo que ‘nem todo mundo leu o marxismo e o leninismo para ser do PCdoB’, já que nosso partido se auto define como partido comunista de massas dirigido por quadros, o que quer dizer que todo mundo pode ingressar no PCdoB sem a necessidade de ler as cartilhas todas que eu, por exemplo, li quando era adolescente e ingressei no movimento secundarista.
É nesse sentido que me expresso no papel da força, da liderança, na coesão de um conjunto de idéias práticas de como fazer um governo, que não se dá por doutrinação ideológia, que não é uma adesão a uma ideologia ou visão de mundo completa – que bom seria se assim fosse por esta última opção. Trata-se de um jogo natural da correlação de forças no Maranhão e do exercício da hegemonia que acontece de forma democrática e participativa, e essa hegemonia atrai apoios para além das feições partidárias.
Quantas prefeituras o PCdoB tem hoje no Maranhão?
Fizemos 46 prefeitos em 2016, o partido que mais elegeu prefeitos, e estamos desenhando um projeto para manter em 2020 essa performance de ser o primeiro partido do estado.
Em um dos seus discursos recentes você disse que as pessoas precisam participar da política, que um dos maiores engodos era desacreditar a classe política. Pode falar mais sobre isso?
Existe uma tentativa de criminalizar a política para se continuar fazendo política, quanto mais “eles” tiram as pessoas da política mais “eles” continuam fazendo política pelos outros. Eu tenho dito que no Brasil existe uma tentativa clara de depreciar e criminalizar o exercício da política, e fora da política o que existe é barbaria, não há civilização. Nós precisamos cada vez mais, pelo exercício da política, aprimorar o “fazer política”. Seja pelo voto soberano do nosso povo, pelos instrumentos de fiscalização, pela possibilidade de renovar os quadros a cada quatro anos, enfim, os mecanismos próprios da democracia representativa podem ser sempre utilizados e são sempre muito melhores do que essa história de “negar no atacado” a política. A política não é uma coisa ruim, negativa, pelo contrário, ela é muito positiva e é preciso saber fazer a diferença de quem há exerce dignamente e corretamente de quem não o faz. Mas hoje existe todo um discurso ideológico de desqualificar a política para implementar um ideário conservador e atrasado, supostamente renovador, mas o que eles realmente querem é renovar privilégios, essa política de exclusão social, no caso brasileiro de favorecer os setores financeiros que são os que mais ganham no nosso país. Enfim, em torno de uma onda contra a política fazer uma política contra o seu o exercício natural e democrático da própria política.
E porque se dedicar a política?
Eu me dedico por absoluta convicção de vida. Sou militante desde a adolescência, desde meus 14, 15 anos, sempre margeando pelo lado esquerdo, ou seja, uma visão que aprendi e que virou um valor pessoal, que é entender a política como a principal possibilidade de buscar uma sociedade de igualdade, de fraternidade e de solidariedade; de valores que possam fazer com que as pessoas tenham um ambiente melhor para serem felizes e realizarem seus sonhos, desejos, e para terem seus direitos fundamentais, como alimentação, educação, saúde, Previdência, enfim, ter uma vida digna. É isso que me inspira e me mobiliza desde os mais antigos sonhos juvenis até hoje, aos 52 anos, como militante de longa data, que enxergar na política um espaço de exercício de valores fundamentais.
Sendo deputado federal debutante, como você avalia o governo Bolsonaro nesses pouco mais de quatro meses?
Olha, não é exagero dizer que o governo Bolsonaro não acertou nada, e não é uma visão de um oposicionista. Eu gostaria de te dizer que no meio de toda essa crise ele acertou nisso ou naquilo, mas é um governo completamente equivocado em tudo aquilo que até agora apresentou ao povo brasileiro. Se você pegar as medidas provisórias encaminhadas pelo presidente Bolsonaro, todas vão na direção da desorganização das políticas públicas, um governo que acaba com o ministério do trabalho, com o conselho nacional de segurança alimentar, que pega a Funai – que é responsável, entre outras coisas, pela titulação de terras indígenas -, e joga dentro do Ministério da Agricultura, pasta ligada ao agronegócio. Um governo que com 20 dias bisbilhota bispos, como foi o caso de espionagem da Abin, um governo que já demitiu ministros e fez diversas trocas no segundo escalão, um governo todo atrapalhado e que não apresentou propostas para o país. A agenda da reforma da Previdência é toda voltada contra os mais pobres, voltada contra aqueles que mais precisam da Previdência, de modo que não há sequer um ponto positivo para destacar, infelizmente, no governo Bolsonaro nesses quatro meses. É uma sequência de erros graves e grotescos, de ataques a direitos adquiridos, e uma tentativa de desmontar o aparato público do Brasil, de desorganizar as políticas públicas, além de expor o país ao ridículo com essa nova diplomacia da vassalagem aos Estados Unidos e de provocação aos países árabes na relação com Israel. Se você pegar item por item não vai encontrar nenhum sinal positivo.
O Centro de Lançamentos de Alcântara, no Maranhão, ganhou as manchetes nacionais depois do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas. Como você está enxergando essa situação?
Nós precisamos entender sobre Alcântara três aspectos, que são os que tenho me debruçado: o primeiro é de não fazer com que haja uma agressão a soberania nacional, nós temos que ter isso muito claro, sem uma lógica de enclave no território brasileiro. Em segundo lugar nós precisamos saber o que um Acordo de Salvaguardas contribui para a política aeroespacial brasileira, que é um ponto fundamental. Em terceiro e não menos importante, precisamos colocar a população de Alcântara no centro do debate, além de que o município e o estado do Maranhão precisam ter contrapartidas com a exploração comercial do Centro de Lançamentos, exploração que precisa respeitar os quilombolas e sem nenhum tipo de remanejamento das comunidades.
Sou a favor da utilização do CLA, não vejo problema nenhum utiliza-lo por diversos países, e não exclusivamente pelos Estados Unidos, tendo dividendos econômicos pela exploração. Mas isso não pode ser feito de qualquer jeito.
Com o cenário político atual extremamente polarizado estamos em um deserto ou existem saídas? É possível ser otimista com a política nacional?
Eu sou um otimista por convicção, e quem é otimista tem esperança, e quem tem esperança e é otimista luta para que as esperanças se concretizem e que o otimismo se confirme. Nós temos muitas razões para lutar e motivos para crer que é possível superar essa crise política e econômica que o país atravessa. Muitos brasileiros estão vendo isso, existe uma depreciação precoce do governo Bolsonaro como vimos em pesquisa recente e isso faz com que nós, que somos oposição, vejamos que o povo está sintonizado e não está querendo essa política que ele está implementando. É preciso observar algumas clareiras nessa floresta, precisamos unir o campo progressista, defender a Constituição, mobilizar o nosso povo por direitos, ter uma política eficaz de geração de empregos, já que o desemprego está crescente, absurdo, gigantesco. Essas situações vão descortinar um caminho para o Brasil e nos darão condições de colocar o Estado brasileiro a serviço do nosso povo, para restabelecer a soberania nacional e a utilizar de nossas riquezas para financiar políticas públicas aos brasileiros, mudanças necessárias que precisam ocorrer no nosso país hoje.