Publicado 30/04/2019 12:36 | Editado 04/03/2020 17:15
“Essa Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe neste latifúndio”.
(Trecho de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto)
Dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e do MST (Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra) anunciam que desde a redemocratização, ocorrida em 1985 até 2016, houve 1.833 assassinatos de camponeses ligados à disputa pela terra no Brasil, ao passo que a concentração de terras cresceu, no mesmo período 375%(1)*.
Sabemos que o Brasil é um país de contrastes inexplicáveis, haja vista que os 10% da população mais abastada ganha 17,6 vezes que os 40% dos mais pobres(2)*. No campo esta realidade não é diferente, vez que 0,91% das propriedades rurais concentram 45% das terras agricultáveis, ao passo que “(…) 47% do total de estabelecimentos do país, mas ocupam menos de 2,3% da área total”(3)*.
A consequência desta concentração sabemos qual é: a infinita disputa por espaço daqueles desprovidos ou expulsos da terra pelo direito de sobreviver decentemente e a violência dela resultante, na qual as vidas daqueles que lutam pelo direito à terra são abreviadas impunemente. Para se ter uma ideia do quadro, apenas 5% dos assassinatos no campo são esclarecidos, o restante, resta sem qualquer punição.
A despeito desta realidade o novo governo de orientação fascista ontem assim se pronunciou:
“Vai dar o que falar, mas é uma maneira que nós temos de ajudar a combater a violência no campo é fazer com que, ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”(4)*.
O que busca Bolsonaro, com tal declaração, nada mais é do que a regulamentação do que ocorre há décadas no campo, isto é, que na legislação penal, passe a existir a excludente de ilicitude em favor dos latifundiários que matam trabalhadores rurais.
Mais: com licença pra matar, claro está que aumentará o número de conflitos e o consequente aumento da morte de camponeses na disputa pelo sagrado direito à terra!
Preciso dizer que, se houver alteração na legislação penal, nos moldes do discurso do presidente, centenas de assassinos terão seus processo encerrados, já que, de acordo com o artigo 2º do Código Penal: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.
Ora, se um latifundiário, com o apoio de seus jagunços matou trabalhadores rurais que ocuparam terras produtivas ou improdutivas, cuja propriedade alega ser sua, deixará de responder a processo por deixar de ser crime a conduta, o que é absurdamente inadmissível na atual marcha civilizatória em que estamos.
Mais do que nunca atual a palavra de ordem dos trabalhadores rurais que lutam pelo direito à terra: Ocupar, Resistir, Produzir e, acrescento: Punir assassinos de trabalhadores é tarefa que se impõe.
Termino dizendo um sonoro não à proposta do fascista Bolsonaro!
1 http://www.mst.org.br/2017/03/20/democracia-ja-tem-quase-2-mil-assassinatos-politicos-no-campo.html