Denise Argemi: Os impactos negativos da Reforma da Previdência

É evidente que quanto maior for o empobrecimento econômico da força de trabalho, menor será o consumo de bens e serviços

Por Denise Argemi*

Reforma da Previdência

Em linhas gerais, o PIB – Produto interno bruto é um indicador utilizado para medir a atividade econômica de um país, que contempla tudo o que foi produzido, além dos bens e serviços que foram consumidos pela população e pelo governo. O PIB pode ser calculado de duas formas: pela soma das riquezas produzidas e pela demanda, ou seja, por quem compra essas riquezas. Na soma das riquezas produzidas o cálculo inclui os resultados da indústria no percentual de 30%, os serviços em 65% e a agropecuária em 5%. Na demanda, a base de cálculo é constituída pelo consumo das famílias em 60% e pelo governo 20%, pelos investimentos governamentais e privados na razão de 18% e pela soma das exportações e importações que respondem por 2%. E ambos os cálculos devem ser iguais.

A sustentação de uma nação reside na sua força de trabalho, conforme preconiza o Art. 193 da CF/88:

“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”

Para que esses indivíduos tenham uma contrapartida que lhes assegure “bem-estar e a justiça social” em face do trabalho desenvolvido devem ser considerados dois elementos: o risco de eventos futuros, que podem ser certos ou incertos e a arrecadação de recursos que os sustentem. Esses recursos serão financiados e constituídos sob a forma de contribuições do trabalhador e do empregador dentre outras que comporão o “fundo”, na forma do art. 195, da CF/88:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais (…)”

A previdência é uma espécie de seguro, de sistema de proteção social, de filiação obrigatória (Art. 201, da CF/88), que assegura o sustento do trabalhador e de sua família em casos de doença, acidente, gravidez, prisão, morte ou idade avançada.

Uma vez criado o sistema da previdência, que pode ser público ou privado, ele deve funcionar na forma convencionada, sem que haja excedentes ou carência de recursos, sendo necessários cálculos de alguma complexidade, denominados cálculos atuariais. A elaboração desses cálculos é composta por elementos matemáticos, estatísticos, econômicos, legislativos, levando em consideração a expectativa de vida dos segurados dentre outros fatores.

No caso da previdência pública, prevista constitucionalmente e objeto da PEC 06/2019, para que atenda aos fins a que se destina, deve ser levada em conta a natureza social do instituto, que além de sustentável deve ser justo. O cálculo atuarial servirá então para determinar o equilíbrio entre as contribuições ou reservas de seus integrantes, para atender as futuras realizações dos eventos dos segurados e os riscos previstos.

Portanto, sendo um sistema solidário, quem trabalha hoje contribui para quem trabalhou ontem e assim por diante, de modo que a base dos recursos será sempre suficiente para os eventos que ocorrerão.

A Constituição da República do Brasil, no Título VIII, Capítulo I e II, Seção I a IV, do Art. 193 ao 204, dispõe as bases da Ordem Social, o que é seguridade social, quais são seus três pilares de sustentação (os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social), de que forma será financiada, organizada e que eventos cobrirá. É de se observar que a previdência social não é algo estanque, ela é parte integrante da seguridade pública.

A Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 6/2019, que trata da Reforma da Previdência, do modo como apresentada pelo Executivo, aniquila os direitos sociais, na medida que estabelece idades mínimas para a aposentadoria em 62 anos para as mulheres e 65 para os homens, com tempo mínimo de contribuição em 20 anos.

O resultado dessa política resultará em maior dificuldade de acesso ao sistema e remeterá a população a patamares de pobreza ainda mais aviltantes que os atuais, quando milhões de pessoas vivem na informalidade ou vivendo de expedientes.

Partindo dessas afirmações é evidente que quanto maior for o empobrecimento econômico da força de trabalho, menor será o consumo de bens e serviços. E de consequência, haverá outro reflexo negativo devastador, o desaquecimento ou recessão da economia que atingirá todos os cidadãos brasileiros e não somente os segurados.

Os impactos negativos serão sentidos sobretudo pelo trabalhador da iniciativa privada, pelo trabalhador rural e servidores públicos. Mas, em especial forma, pela força de trabalho das mulheres, uma vez que a regra da média das 80% maiores contribuições desde 1994 atual, será alterada pela média de todas as contribuições, o que vai puxar o cálculo dos benefícios para baixo.

Ora, seguindo essa lógica flagrantemente constatável, o Brasil é estruturado socialmente em relações hierárquicas e solidárias entre os homens, o que possibilita controlar as mulheres. É um país ainda dominado pela crença profunda e arraigada, também entre as mulheres, de que os homens são superiores a elas, em todos os sentidos menos no biológico de gerar a vida, por evidentes razões de diversidade física.

A corroborar essa conclusão a circunstância de que os salários percebidos pelas mulheres são notadamente mais baixos do que os dos homens. Não obstante 51% da população seja feminina, a jornada de trabalho não se encerra quando ela saí da fábrica, das casas de família, do canteiro de obras ou do escritório.

A mulher, ao contrário do homem, enfrenta mais uma jornada monótona, repetitiva e extenuante de trabalho quando chega em casa. R tal se dá porque além de trazer renda para casa, na maioria dos lares brasileiros não existe a divisão das tarefas domésticas, o cuidado com os filhos e os idosos, atividades e ônus considerados, eminentemente femininos.

A solução para a questão do desemprego e do alegado déficit na Previdência não está absolutamente ligada à supressão de direitos como quer fazer parecer o Executivo. Há medidas mais efetivas, transparentes e eficientes a serem tomadas do que a cruel opção de levar os brasileiros à miséria. A extinção da DRU é uma delas, pois a forma legal de desviar receitas para outros fins que não à Seguridade Nacional deve ser estancada de uma vez por todas.

A “DRU é a sigla de Desvinculação de Receitas da União. Ela foi criada em 1994 e permite ao governo federal usar livremente parte de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. O valor inicial era de 20%, mas passou a ser de 30% no governo de Michel Temer (MDB). Em outras palavras, quando o dinheiro entra nos cofres da União, o governo pega 30% do total e usa como bem entender, no que bem quiser”.https://www.anfip.org.br/artigo-clipping-e-imprensa/precisamos-falar-sobre-a-dru/

Dito isso, não é crível, que a “melhor” decisão politica do Executivo para angariar recursos objetivando saldar a dívida pública seja a de penalizar os indivíduos já menos favorecidos como as mulheres brasileiras, parcela dos cidadãos que mais contribuem para a entrada de receitas e para o consumo no país, tenham que pagar essa conta.

Fontes:
www.planalto.gov.br
www.senado.leg.br
www.camara.leg.br
www.anfip.org.br