Publicado 13/03/2019 15:27 | Editado 04/03/2020 16:14
A política traz surpresas, às vezes grandes. E a gente, que espera que ela não se perca emperigosos atalhos, luta para que o caminho da justiça seja logo reencontrado. É o que aconteceu com o senador Ângelo Coronel.
Coronel foi eleito em batalha na qual toda uma corrente de pensamento se empenhou para que ele derrotasse os candidatos, aliados de Bolsonaro, que se apresentavam defendendo posições retrógradas quanto a direitos sociais e contrários ao debate sobre as questões de gênero. A vitória da corrente mais avançada na Bahia foi acachapante, dela Coronel é parte, não restando dúvida sobre qual a vontade política do eleitorado que o elegeu.
Um dos pontos nevrálgicos dessa vontade política, que sufragou o grupo liderado pelo governador Rui Costa, e que Coronel integra, é o da luta que as mulheres desenvolvem no Brasil, e no mundo contra a violência de gênero, e para se empoderar na sociedade, no mercado de trabalho, na política.
Aspecto importante dessa luta é o crescimento do espaço para as mulheres na disputa de cargos eletivos. Por isso valorizamos a vitória que conseguimos da participação mínima das mulheres nas chapas proporcionais. A Lei Eleitoral estabeleceu que só pode haver, no máximo, 70% e, no mínimo, 30% de cada um dos sexos, na composição das chapas de candidaturas apresentadas pelos partidos. O TSE, coerente com a legislação, determinou que os recursos do Fundo Eleitoral sejam distribuídos de igual forma. Esses dois dispositivos legais beneficiam a nós, mulheres, porque somos minoria em espaços de poder, embora sejamos maioria na população. Pois não é que foi contra essa cota, que o senador Coronel apresentou um projeto de lei?
O PSL, partido do presidente Bolsonaro, foi flagrado fabricando candidaturas femininas inexistentes, chamadas de laranjas.
Para combater o erro, não vale derrubar o acerto. A Lei evoluiu em favor de quem mais precisa de apoio. Na eleição de 2018, com esse dispositivo em vigor, 77 mulheres foram eleitas deputadas federais, um aumento de 51% em relação à situação anterior. Nas assembleias legislativas foram eleitas 161 mulheres, um aumento de 35%. Nos dois casos foi o melhor desempenho feminino de toda a história do Brasil. Mas a desigualdade é grande, e torna-se mais gritante com as candidatas são negras. Na Bahia, a Assembleia legislativa tem 53 deputados e apenas 10 deputadas, e só agora temos mulher negra na bancada.
O que deveria causar indignação não é a lei, mas sim o PSL fraudar a legislação. Uma das candidatas laranjas, em Pernambuco, recebeu R$400 mil do Fundo Eleitoral, 4 dias antes da eleição, e só teve 274 votos, o que evidencia fraude. Isto, sim merece uma ação parlamentar contundente, para defender a punição desse partido e a devolução dos recursos usados indevidamente.
O Brasil ainda figura entre os países com menor representação de mulheres no parlamento. E isto é justificado, muitas vezes, por argumentos pueris, tipo “as mulheres não têm interesse na política”, “o povo não quer votar em mulher”, “mulher e homem devem entrar na política por mérito” ou coisa que o valha.
A verdade é que a política sempre foi o grande território dos homens brancos e ricos em nosso país, desde os tempos da escravidão. Senhores de engenho compravam seus escravos e escravas negros e se apropriavam de moças brancas, a quem não era permitido sequer o direito a escolher seus amores, que dirás seus governantes. Foram mais de quatro séculos em que as mulheres, mesmo brancas, não tinham direitos políticos. Na velha República dos coronéis do leite, do café e do gado, persistiu o monopólio dos homens sobre o poder e a vida pública. Somente em 1932 uma parcela das mulheres conquistou o direito ao voto. Carlota Pereira de Queiroz, foi a primeira mulher deputada federal, eleita em 1934.
A exclusão de mulheres da política se deve ao Patriarcado, poder que emana de sistemas de dominação de classe e gênero, que empresta valor aos homens e inferioriza as mulheres, algo que não deveria caber mais neste século em que vivemos. O imaginário do nosso povo foi forjado para acreditar que política é uma atividade naturalmente masculina. É a luta feminista e democrática que tem modificado aos poucos esse pensamento, ao logo do tempo. Por isso lutaremos pela cota eleitoral, conscientes de que as transformações culturais são fruto da luta política, e são absolutamente necessárias ao avanço do conjunto da sociedade.
*Olívia Santana é deputada estadual (PCdoB) e presidenta da Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa