Manifestação defende a soberania do povo venezuelano
“Pela paz e contra a guerra”, o Comitê Gaúcho em Solidariedade ao Povo Venezuelano promoveu um ato, nesta sexta-feira (22), diante da crescente tensão geopolítica interna e externa na Venezuela, em crise desde que o líder oposicionista Juan Guaidó se auto-proclamou presidente e recebeu apoio de diversos países. O foco do movimento foi a crítica aos Estados Unidos, que estariam tentando iniciar um conflito armado no país sob o pretexto de ajuda humanitária.
Por Débora Fogliatto, do Sul21
Publicado 22/02/2019 18:41
O país norte-americano colocou enviou caminhões com ajuda humanitária para a fronteira da Colômbia com a Venezuela, e este sábado (23) é o prazo final estabelecido por Guaidó para a entrada dos suprimentos, a qual o presidente Nicolás Maduro rejeita. A Rússia denunciou, nesta quinta-feira (21), que os EUA estariam preparando uma “provocação” ao país latino-americano a partir da doação de suprimentos na fronteira com a Colômbia. Ao mesmo tempo, Maduro também determinou nesta semana o fechamento da fronteira brasileira com a Venezuela em Roraima.
“Fazemos uma luta pela paz, contra a guerra, pela auto-determinação do povo venezuelano. A pseudo-ajuda humanitária que os EUA e seus vassalos pretendem fazer pela força e ingressar na Venezuela é uma tentativa de agressão militar ao povo venezuelano”, resumiu Raul Carrion, ex-deputado gaúcho que compõe a direção do Comitê em Solidariedade ao Povo Venezuelano.
Além da ajuda humanitária, os Estados Unidos também pretendem realizar um festival de música, intitulado Live Aid Venezuela, também na fronteira do país com a Colômbia. “Os Estados Unidos montaram uma grande estrutura na Colômbia para forçar um conflito amanhã, dia 24. Com ato, show, caminhão, com gente. Do lado da Venezuela, o governo montou hoje um ato com o dobro de artistas, o triplo de gente”, relata a ativista Goretti Grossi, integrante do Movimento Avançando Sindical, do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes e do Comitê Gaúcho em Solidariedade à Venezuela.
A ajuda humanitária e o Live Aid Venezuela preocupam os integrantes do Comitê, assim como outros órgãos internacionais, que temem que o governo de Donald Trump esteja em busca de uma oportunidade para entrar no país. “Se os EUA conseguirem provocar alguma convulsão, vão usar isso como desculpa para a invasão militar, embora o Congresso americano não tenha aprovado [a intervenção]. E nós temos manifestações do mundo inteiro contra o conflito, inclusive do Papa Francisco”, afirma Goretti.
Há ainda o temor de que, caso haja um conflito chefiado pelos Estados Unidos, o Brasil acabe se envolvendo e enviando tropas para o país vizinho. “O Brasil há 140 anos não entra em conflito na América Latina, nós temos esse convívio pacífico de povos irmãos, e é isso que queremos que seja respeitado, que a divergência, debates, se deem no campo político, e não militarmente”, reflete Goretti.
“O povo brasileiro não concorda com o atual governo, que está buscando fazer com que o Brasil se intrometa em um problema interno do povo venezuelano. Agora há uma tentativa de invasão militar pela Colômbia e inclusive com o povo brasileiro sendo envolvido nisso através desse presidente neo-fascista, vende-pátria e anti-povo”, critica Raul Carrion.
Petróleo venezuelano
Essa possível invasão norte-americana na Venezuela seria motivada pela grande quantidade de petróleo encontrada no país vizinho, segundo apontam os ativistas. “Entendemos que não existe crise humanitária na Venezuela, o que existe é uma guerra econômica dos EUA e outros países contra a Venezuela para inviabilizar o processo bolivariano. Nos últimos anos, a Venezuela teve suas reservas internacionais roubadas pelos EUA, a venda de seu petróleo captada pelos bancos capitalistas que não enviam os lucros para que o povo venezuelano possa comprar seus remédios”, explica Raul Carrion.
Ao mesmo tempo em que afirmam querer enviar suprimentos para a Venezuela, os Estados Unidos impõem sanções ao país, conforme destacou Raul, impedindo a entrada de medicamentos e alimentos. “A nossa mensagem é de paz, de combate à guerra. O governo Trump é explorador, quer recolonizar o mundo e colocar a águia americana como dona do mundo. O que interessa a eles é o petróleo da Venezuela que eles querem por a mão, porque a Venezuela tem hoje as maiores reservas de petróleo do mundo”, colocou.
O economista Ubiratan Souza, que foi um dos responsáveis pela implantação do Orçamento Participativo em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul durante os governos petistas de Olívio Dutra, Tarso Genro e Raul Pont, chama atenção para o fato de os Estados Unidos não estarem preocupados em enviar ajuda humanitária para países como o Haiti, que vive há décadas uma grave crise.
“A Arábia Saudita, que é uma monarquia que oprime as mulheres, mas é aliada dos EUA, eles não estão preocupados de democratizar. E assim temos vários exemplos, o Haiti vive hoje uma crise humanitária e os Estados Unidos não faz nenhum gesto, porque lá não tem petróleo. Estamos assistindo mais uma atitude imperialista, de geopolítica, motivada pelos interesses norte-americanos de se apropriar do petróleo venezuelano, que foi resgatado com a eleição de Hugo Chávez em 1998”, relata.
Auto-determinação
Ubiratan – conhecido como Bira -, que esteve na Venezuela durante o governo chavista para dialogar sobre as experiências de democracia participativa, avalia as atitudes dos Estados Unidos como “uma agressão da política norte-americana dirigida pelo Trump, que não tem nem o cuidado de tentar legitimar as agressões aos outros povos e de maneira grosseira e despudorada faz uma guerra econômica contra a Venezuela, nomeia o presidente da República de outro país, como o auto-proclamado Juan Guaidó”.
Os militantes defendem o direito à auto-determinação do povo venezuelano, e Bira chama atenção para o fato de que a Constituição do país prevê a possibilidade de que haja a contestação de eleições por parte da população. “O poder originário da constituinte e do processo democrático venezuelano é o voto popular. E a Constituição permite que no meio do mandato do Executivo ou do Parlamento, haja a possibilidade de ser contestado num processo revogatório, desde que haja uma quantidade determinada de assinaturas pedindo isso”, explica.
Ele lembra que durante as eleições venezuelanas, ocorridas em maio do ano passado, houve candidatos de oposição a Maduro, mas Guaidó e seu grupo político não concorreram. O presidente Nicolás Maduro acabou se reelegendo com 67% dos votos, correspondentes a mais de 6 milhões de pessoas. “Eles não acreditam que possam ganhar uma eleição, então partiram para uma conspiração aberta. Mas isso [a proclamação de Guaidó como presidente] é a violação do direito da autodeterminação dos povos – cada povo tem o direito de eleger o seu presidente e exercitar a sua gestão de governo de maneira a construir o seu modelo de desenvolvimento, de democracia”, resume.
Bandeira norte-americana queimada
O ato em Porto Alegre contou com a participação de partidos políticos, centrais sindicais e movimentos sociais. Realizada na Esquina Democrática, a mobilização durou cerca de uma hora, em que os ativistas se revezaram no microfone para falar da situação e entoaram músicas como “pela paz, contra a guerra, todo apoio à Venezuela” e “fora Trump, viva a Venezuela”. Após cerca de uma hora de ato, uma bandeira dos Estados Unidos foi queimada.
“Queimamos a bandeira norte-americana como um símbolo de que os povos do mundo não dão acordo a essa violência dos EUA, que já destruíram o Iraque e a Líbia, e tentam fazer o mesmo com o povo venezuelano”, explica Raul Carrion. “Nós sabemos que o motivo dos EUA não é ajuda humanitária, é roubar o petróleo da Venezuela. O Maduro foi eleito, e esse é um problema dos venezuelanos. Os brasileiros vão fazer sua luta política no Brasil e os venezuelanos na Venezuela”, resume Goretti.