Itamaraty está confuso e ideológico sob Bolsonaro, diz professor da GV
Em apenas 45 dias sob o governo Jair Bolsonaro (PSL), o Itamaraty “antiglobalista” já é alvo de críticas generalizadas. Na opinião de Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), a crise é de tal precocidade e envergadura que parte da comunidade internacional começou a evitar o Ministério das Relações Exteriores e elegeu o vice-presidente, Hamilton Mourão, como interlocutor preferencial.
Publicado 14/02/2019 19:15
“Fica cada vez mais evidente que a estratégia da política externa brasileira, articulada pelo chanceler Ernesto Araújo, o presidente Bolsonaro e seu filho Eduardo, está deixando inseguros investidores internacionais e outros governos”, escreve Stuenkel em artigo para o El País. Na FGV, além de dar aulas, Stuenkel coordena a Escola de Ciências Sociais e o MBA em Relações Internacionais. É também non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim e membro do Carnegie Rising Democracies Network.
De posse desse currículo, ele traça um diagnóstico pessimista para o Itamaraty, a começar pela excessiva ideologização da política externa – justamente a crítica que o ministro Ernesto Araújo apontava na pasta sob os governos Lula e Dilma. “Araújo é visto como ideológico demais”, explica Stuenkel. Segundo ele, é “algo que os investidores sempre temem, não importa se a ideologia é de esquerda ou de direita”.
A influência do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Itamaraty também preocupa. Ao atuar como “um ministro das Relações Exteriores informal”, o segundo filho do presidente “passa a imagem de ignorante e muito radical para inspirar confiança no exterior, mesmo por parte de funcionários do governo dos EUA, que veem com bons olhos o Governo Bolsonaro”.
Para piorar, o Brasil deu vexame no Fórum Econômico Mundial, em janeiro. Conforme Stuenkel, “o péssimo discurso de Bolsonaro em Davos pareceu resumir a atuação da turma antiglobalista até agora, desapontando investidores que tinham aguardado uma fala mais séria – e que, de certa maneira, estavam torcendo para o novo presidente”.
Com tanta decepção, investidores e diplomatas passaram a estabelecer diálogo com o vice-presidente – que, com ou sem poderes de fato, foi alçado à condição de bombeiro do governo Bolsonaro, sempre solícito a apagar as labaredas do Itamaraty. “‘Ainda bem que eles têm Mourão’ é um comentário que se ouve com cada vez mais frequência no exterior”, relata o professor da FGV. “O general da reserva e vice-presidente é agora visto pela comunidade internacional como a âncora de um navio que, sem ele, estaria à deriva no que diz respeito à estratégia internacional.”
Pesa a favor de Mourão não apenas a experiência – mas também o estilo mais adequado à liturgia diplomática. “Enquanto os outros atores do governo são conhecidos por sua retórica estridente e agressiva, Mourão é moderado e calmo. Em uma entrevista recente, o vice-presidente não se esquivou de responder perguntas difíceis – ao contrário de seu chefe, que frequentemente ataca jornalistas quando estes discordam dele”.
Mas o que mais agrada em Mourão, segundo Stuenkel, é sua resistência “às ideias mais radicais e mal concebidas dos antiglobalistas, como transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, deixar o Acordo de Paris sobre mudança climática, abrigar uma base militar dos EUA e, a mais perigosa de todas, adotar tom agressivo em relação à China. Não é coincidência que um número crescente de embaixadores esteja procurando Mourão, o qual – eles esperam – continuará a impedir Bolsonaro de cometer graves erros políticos no âmbito externo”.
Não é à toa, diz Stuenkel, que o vice-presidente atraiu “a ira dos radicais (inclusive Olavo de Carvalho e Steve Bannon, dos EUA). A questão-chave é: até que ponto Mourão será capaz de vetar todas as ideias esdrúxulas que certamente ainda virão da ala antiglobalista do governo?”.
O professor admite que, até aqui, Mourão tem um papel mais defensivo do que propositivo. O artigo sugere, porém, que Bolsonaro delegue ao vice tarefas mais estratégicas, como a relação do País com os chineses. “O presidente Bolsonaro, seu filho e o ministro das Relações Exteriores expressaram, até agora, ideias simplistas e preocupantes sobre a China”. Mas esse tema, em especial, é de “extrema relevância para o futuro do Brasil em curto, médio e longo prazos”, finaliza Stuenkel.