Mãe de Cazuza desmascara ministro de Bolsonaro e restabelece verdade
O ministro da Educação do governo Bolsonaro, Ricardo Vélez, teve de se retratar nesta terça-feira (5) com Lucinha Araújo, mãe do cantor e compositor Cazuza (1958-1990). Em entrevista à revista Veja, Vélez havia atribuído ao artista, de forma maledicente, a frase “liberdade é passar a mão no guarda”, a qual Cazuza jamais disse. Desmascarado, o ministro não teve alternativa, a não ser reconhecer a “fake news” e se desculpar publicamente, conforme exigiu Lucinha.
Publicado 06/02/2019 00:38
“Liguei para Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, para desfazer o equívoco de uma resposta que dei atribuindo a ele frase de um programa humorístico”, tuitou Vélez. Constrangido, o ministro ainda abusou do sensacionalismo para mudar o enfoque do fato: “A conversa [com Lucinha] foi tocante e combinamos uma visita a ela quando eu for ao Rio. O amor do coração de uma mãe por seu filho é algo valoroso.”
O tom condescendente e afável do ministro – numa espécie de gerenciamento de crise – não foi espontâneo. Sua resposta foi motivada pela dura carta aberta que Lucinha divulgou nesta segunda-feira (4), no site da Sociedade Viva Cazuza, para dizer que a menção de Vélez ao seu filho não era verdadeira. Na realidade, a versão original da frase – “liberdade é passar a mão na bunda do guarda” – é de autoria desconhecida e ganhou popularidade na década de 1980, com os humoristas do “Casseta & Planeta”.
“Caro Sr. Ricardo Vélez Rodruguez, Ministro da Educação, se meu filho estivesse vivo tenho a certeza de que pediria piedade, mas como não sou ele e minha idade suprimiu os panos quentes, considero inadmissível uma pessoa ocupando o cargo que ocupa não ter a preocupação de citar uma pessoa pública sem compromisso com a verdade”, disparou Lucinha. “Gostaria de deixar aberta a possibilidade de se retratar publicamente para que não seja necessário ter que tomar providências jurídicas”, concluiu Lucinha, emparedando o ministro.
Depois da morte de Cazuza, de complicações da Aids, em 1990, Lucinha fundou e passou a presidir a Sociedade Viva Cazuza, que ampara crianças, jovens e adultos soropositivos. Seu filho foi uma das primeiras pessoas públicas no Brasil a assumir a condição de HIV positivo – “o que possibilitou a luta pelo acesso universal ao tratamento, o que fez do Brasil um país reconhecido mundialmente pelo programa de Aids”. Por tudo isso, a “fake news” de um ministro causa ainda mais indignação.
Preconceitos
A frase falsamente atribuída a Cazuza foi citada por Vélez numa das respostas de sua polêmica e preconceituosa entrevista à seção “Páginas Amarelas”, da revista Veja. Ao ser questionado sobre se liberdade não incluiria ensinar marxismo, fascismo e liberalismo, Vélez se enrolou na resposta, defendeu restrições à liberdade e mentiu sobre Cazuza.
“Liberdade não é fazer o que você deseja. Liberdade é agir, fazer escolhas dentro dos limites da lei e da moralidade. Fazer o que dá vontade não é ser livre. Isso é libertinagem. No Brasil, por força de ciclos autoritários, temos uma visão enviesada da liberdade. Liberdade não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade é passar a mão no guarda. Não! Isso é desrespeito à autoridade, vai para o xilindró”, declarou o ministro
O caso gerou repercussão. Vélez recebeu críticas, por exemplo, de Fernando Haddad (PT), candidato à presidência nas eleições 2018 e ministro da Educação nos governos Lula e Dilma: “Ignorância: ministro da Educação de Bolsonaro atribui a Cazuza frase que ele nunca disse e Lucinha Araújo, mãe do compositor, pede respeito à sua memória”.
Na mesma entrevista, o ministro – que é colombiano – classificou o brasileiro como um “canibal viajando”, que rouba coisas de hotéis e aviões. Sobre essa declaração o ministro não pediu desculpas.
Ontem, depois da retratação perante Lucinha, Vélez lançou outra estratégia para minimizar a humilhação. Numa rede social, ele sustentou que a mídia descontextualiza suas declarações. “Até mesmo um equívoco simples e bobo, como uma citação errônea, transforma-se em ato político”, escreveu, omitindo que poderia ser enquadrado em crime de injúria e difamação pela “fake news”.
Vale lembrar que sua gestão á frente do MEC já é marcada pela falta de preocupação com experiência e profissionalismo. Dos seis secretários escolhidos por Vélez, três são ex-alunos seus sem nenhuma experiência em gestão educacional. A única diretriz anunciada pelo governo Bolsonaro na área de educação é um foco em alfabetização, mas sem detalhes do que será feito.
Leia a íntegra da carta de Lucinha Araújo:
Não venho a público para discussão política, nesse momento, por mais que os discursos retrógrados, que agridem a liberdade individual dos cidadãos brasileiros em suas escolhas pessoais vão contra a todos os princípios pelos quais trabalho à frente da Viva Cazuza há 28 anos.
Cazuza foi um artista que deixou um legado através de sua obra, e isso não é a mãe do artista quem está dizendo, mas sim pela importância de sua obra, do número de novos artistas que a regravam, do quanto é tocado nos rádios, do quanto é baixado nos streamings, mesmo depois de 28 anos longe de nós. Se achar que é pouco, gostaria de lembrar que Cazuza foi a primeira pessoa pública no Brasil a assumir sua condição de HIV positivo, o que possibilitou a luta pelo acesso universal do tratamento, o que fez do Brasil um país reconhecido mundialmente pelo programa de Aids e posteriormente imitado por outros tantos.
Posso vislumbrar que não seja prioridade do atual governo programas sociais que visem a igualdade de direitos, respeito as minorias, educação e saneamento básico como prioridades, mas respeito a democracia que elegeu o atual presidente e que lhe nomeou. Mas, não posso deixar que declarações levianas coloquem na boca de Cazuza o que ele nunca disse. Gostaria de deixar aberta a possibilidade de se retratar publicamente para que não seja necessário ter que tomar providencias jurídicas.
Atenciosamente,
Lucinha Araújo
Da Redação, com agências