Martonio Mont'Alverne: Um governo que não é novo
“O risco que este governo conhecido traz é mais profundo: é o da própria democracia”.
Por Martonio Mont'Alverne Barreto Lima*
Publicado 22/01/2019 10:35 | Editado 04/03/2020 16:22
Economistas como Wolfgang Streeck oferecem a melhor contribuição para o desafio que se tem atualmente sobre a convivência entre democracia e mercado. Com uma recuperação histórica sobre o fortalecimento do Estado social e da democracia após 1945 até os anos 1970, Streeck explica os nexos de significados econômico e político da desregulamentação. O resultado não poderia ser outro: comprometimento da qualidade da democracia instalada, diminuição dos salários de grande parte da população e aumento da concentração da renda; fatores a conduzirem à desigualdade social, com conhecidíssimas consequências: aumento da miséria e da criminalidade. Como já se disse, a pobreza jamais será a escola da razão. No ambiente degradado econômica e politicamente, a primeira vítima é a recusa da formação cultural – Bildung – com a afirmação de superioridade das superstições religiosas, levadas a cabo com mais sofisticação pela teologia.
Padece a própria cultura, no seu sentido amplo. Este fenômeno explica também porque a educação é a primeira das vítimas do redimensionamento financeiro, com o corte de recursos.
As medidas do governo Bolsonaro não são novidade e foram anunciadas pelo presidente e por seus arautos antes da eleição. É possível comentar rapidamente que elas nada de novo trazem. Bolsonaro e sua equipe entendem bem sua função. Sabem que os chistes a que sempre recorreram para desacreditar direitos humanos e definir prestações sociais encontram respaldo numa agenda econômica que já corre o mundo há pelo menos vinte anos. O risco que este governo conhecido traz é mais profundo: é o da própria democracia. Quando o debate de qualquer tema é ridicularizado por espertas paródias, elaboradas pelos que governam; ou quando é remetido ao universo de questão judicial ou de polícia, esvazia-se a possibilidade do conflito de ideias, caracterizador da democracia. Já vivemos isto: o antecessor de Vargas ficou famoso por dizer que a "questão social é questão de polícia". Àquela altura, tivemos o legado extraordinário de Vargas. Hoje, a democracia está presa.
*Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é Professor doutor da Universidade de Fortaleza – Unifor.
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