Paulo Guedes quer avançar a privatização das escolas
O ministro da Economia e mentor do presidente Bolsonaro, Paulo Guedes, quer a criação de vouchers para educação e saúde. É uma espécie de vale que serve para pagar serviços no setor privado. O Estado dá o voucher e se isenta da prestação dos serviços – neste caso, educação e saúde. As corporações e empresas da área da educação e saúde aumentam seus lucros e passam a definir as políticas desses setores.
Por Carlos Pompe*
Publicado 17/01/2019 20:44
Estudos apontam que, onde foi adotada, a medida aumentou a segregação escolar e estagnou a qualidade da educação. Os vouchers e as escolas charters (terceirização da escola pública para a iniciativa privada) são instrumentos para a privatização da educação pública.
O Partido Social Liberal (PSL), de Bolsonaro, considera que “o Estado deve se intrometer o menos possível na vida econômica do país, permitindo que os indivíduos e as empresas possam atuar livremente, em um ambiente desburocratizado e imune à intervenção estatal excessiva. Acreditamos que, quanto mais o Estado se intromete na vida das pessoas e empresas, mais ele atrapalha e sobrecarrega o livre mercado”. (Um dos ideólogos do PSL, o economista Ludwig von Mises, radicalizava ainda mais: na década de 1920, defendeu que “o estado, o governo e as leis não devem, de maneira nenhuma, se envolver com a escola e com a educação. A criação e a instrução dos jovens devem ser inteiramente deixadas a cargo dos pais e de instituições e associações privadas.").
Em sua página na internet, o PSL defende a ampliação da “oportunidade de acesso à educação e saúde de qualidade para os mais pobres, concentrando-se no financiamento dos serviços em parceria com a gestão da iniciativa privada, com a integração dos indivíduos ao mercado, preservando o poder de decisão nas mãos dos cidadãos através da adoção de Vale-Educação (voucher), Escolas Comunitárias (charter-schools) e programas congêneres.”
O critério da prática
Pesquisador em educação desde 1977 e das escolas charter nos Estados Unidos, Dwight Holmes, da Associação Nacional de Educação norte-americana (NEA), explica que “escola charter é uma escola mantida com recursos públicos, mas cuja gestão é privada. Ela tem origem na década de 1980, curiosamente pensada para ser uma escola liderada por professores e para acolher os alunos que fracassavam nas escolas tradicionais. Pensavam que poderiam contornar regras administrativas para poder experimentar diferentes abordagens de ensino com estudantes que enfrentam desafios maiores. Lamentavelmente, essa boa ideia virou uma indústria poderosa, que compete com as escolas públicas para atrair estudantes e recursos públicos preciosos”. Para ele, “os milionários defensores da escola charter são obcecados em criar e expandir um sistema de educação paralelo à educação pública tradicional que reflita os valores corporativos e não seja responsável publicamente frente aos pais e a comunidades. Esse esforço exacerba a desigualdade de renda, uma vez que drena recursos de distritos escolares públicos e prejudica o seu sucesso”.
Nos Estados Unidos e no Chile o sistema voucher foi adotado na educação. A ideia foi lançada nos anos 1950 pelo economista liberal Milton Friedman. O economista Martin Carnoy, da Universidade Stanford, estudou os resultados dessa política em algumas regiões dos EUA e não observou notas ou aprendizado melhores entre os estudantes que a utilizaram. Pelo contrário, em 2013, os alunos negros que estudaram com voucher em Milwaukee tiveram as piores notas entre 13 regiões norte-americanas na avaliação nacional de aprendizagem (8ª série). Carnoy também aponta como desvantagem do sistema os custos com gestão e com transporte escolar de alunos, que continuam às expensas do Estado. Para ele, a política de vouchers pode encarecer o custo em 25% ou mais por aluno.
Gordon Lafer, professor da Universidade de Oregon, publicou em maio de 2018 estudo em que indentifica que “os estudantes de escolas públicas de comunidades de três distritos escolares da Califórnia estão arcando com o custo da expansão descontrolada de escolas privadas. Em 2016-17, as escolas charter ocasionaram um déficit fiscal líquido de US$ 57,3 milhões para o Distrito Escolar Unificado de Oakland, US$ 65,9 milhões para o Distrito Escolar Unificado de San Diego e US$ 19,3 milhões para o Distrito Escolar de East Side Union do Condado de Santa Clara.” (…) “Quando um aluno deixa uma escola da comunidade e vai para uma escola charter, sua parcela de financiamento proporcional vai com ele, enquanto o distrito continua sendo responsável por muitos custos que esses fundos apoiavam. Isso intensifica a pressão fiscal para cortar serviços essenciais, como aconselhamento, bibliotecas e educação especial, e aumentar o tamanho das turmas nas escolas das comunidades.”
No Chile o sistema foi adotado imediatamente após ao golpe militar de Pinochet, com assistência direta de Milton Friedman. Trabalho publicado em junho de 2018 analisando 56 estudos sobre seu resultado apontou que alunos pobres são prejudicados, pois as instituições privadas preferem acatar alunos com melhor situação sócioeconômica. O trabalho foi realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia (Berkley) e PUC de Santiago.