Entrevista – Camilo Santana: “Não há possibilidade de recuo”
Governador cearense do PT concedeu entrevista ao jornal O Povo onde falou sobre a onda de ataques no Estado, as ações do governo para debelá-las e as iniciativas para combater o crime organizado. Leia a seguir na íntegra.
Publicado 09/01/2019 10:43 | Editado 04/03/2020 16:22
A entrevista aconteceu num espaço simbólico: a sala de Gestão de Crise da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Camilo Santana (PT) recebeu a equipe de reportagem sentado na cabeceira da mesa de onde a crise tem sido acompanhada quase que ato a ato desde quando a onda de ataques começou, com apenas dois dias de posse do novo governo. Camilo reforçou sua disposição de levar adiante o "endurecimento" na política penitenciária e no combate às facções.
Qual balanço o senhor faz da situação?
Camilo Santana – É um momento ainda de muito alerta, de monitoramento 24 horas, com todas as nossas forças policiais nas ruas, trabalho de inteligência, com blitze em pontos estratégicos da Cidade para garantir os serviços essenciais da população. Estamos garantindo um policiamento forte em apoio aos ônibus de Fortaleza, à coleta de lixo, funcionamento de hospitais, fornecimento de água, energia. Estamos procurando fazer com que a população também nos ajude, com denúncias, até pelo fato de ser impossível estarmos em todos os locais da Cidade. Com essa forte presença da Polícia, e a ajuda da Força Nacional, verificou-se uma tendência de interiorização, fazendo com que passássemos a reforçar o Interior. O pessoal que veio da Bahia está quase todo no Interior, o uso das nossas aeronaves tem ajudado bastante. É constante acompanhamento para que a gente possa ir avaliando a cada momento. Criamos um Gabinete para acompanhar o quadro na SSPDS, com a participação do Ministério Público, e estamos transferindo os líderes e outros criminosos para presídios federais.
Houve mudança clara de política em relação ao sistema penitenciário estadual, de uma gestão para outra, optando-se, agora, por uma linha de endurecimento. A reação de alguma forma surpreendeu o governo quanto ao nível de violência?
Já era esperada, de certa forma. Nos quatro primeiros anos de governo, tivemos um plano elaborado por especialistas. O primeiro ano do mandato foi para construção de um plano, que tinha três eixos importantes. Primeiro o eixo policial, mostrando a necessidade de contratação de novos policiais, da valorização dos profissionais, a deficiência que havia na Polícia Civil, tínhamos um dos menores efetivos do País, inclusive, continua sendo insuficiente, por isso farei novo concurso. Um segundo eixo era o sistema prisional e o terceiro apontava o aspecto da prevenção. Procuramos trabalhar nos três eixos, sendo importante lembrar em 2016 tivemos uma grave greve de agentes penitenciários, o que quebrou o sistema inteiro. Era preciso, então, recuperá-lo, como primeiro passo, e contratar profissionais. Praticamente dobrei o número de agentes penitenciários no fim de 2018, contratei mais mil profissionais e agora antecipei mais 600 este ano. Nesse contexto é que decidi, para 2019, reestruturar tudo, criar uma Secretaria exclusiva para o sistema e fui buscar alguém que já nos ajudou, aqui, naquela crise de 2016, que já conhecia o sistema, um homem de larga experiência, com trabalhos realizados no Rio Grande do Norte, em outros estados, para ser nosso secretário e ter autonomia para fazer cumprir as determinações e a lei. Já havia essa determinação desde quando foi feito o convite, em dezembro, ao secretário Luis Mauro Albuquerque.
Há críticas ao fato de o novo secretário ter feito declarações já no dia da posse que muitos consideram ter detonado toda a crise, aquela história de "não reconheço facções". O senhor concorda que houve algum descuido nesse aspecto?
Não acredito que só isso… Acho que foram as ações concretas que foram iniciadas, porque só de falar, dificilmente.
Tem sido uma reação muito forte, muito violenta…
Sem dúvida.
Isso pode determinar algum tipo de recuo do governo?
Não há possibilidade de recuo. É uma decisão de Estado, colocamos isso claramente para o Governo Federal, por isso é que pedimos apoio desde o primeiro dia, exatamente em razão desse aspecto. Seremos duros em relação a fazer cumprir a lei dentro do sistema penitenciário do Ceará.
O senhor tem dito que a situação que o Ceará enfrenta agora é de caráter nacional, não é um problema apenas local. Há necessária compreensão disso, há gestos importantes de apoio de outros governadores, há PMs enviados pela Bahia, Piauí…
É, todos têm se colocado à disposição.
Mas, há essa compreensão de que o Ceará vencer essa guerra contra o crime organizado deve interessar ao País?
Não conversei especificamente sobre esse assunto com os governadores, falei com o ministro Sergio Moro (da Justiça e Segurança Pública), que desde o primeiro momento tem dado todo apoio ao Ceará. Tenho conversado com o ministro todos os dias e ele compreendeu a necessidade de o Estado se impor e de que o Ceará está dando ao País, neste momento, uma demonstração de coragem, de determinação, ao enfrentar essa situação. É um momento difícil, mas isso vai nos garantir, a médio e longo prazo, uma realidade muito melhor para o Ceará.
O que tem chegado ao senhor como manifestação da sociedade acerca de tudo que tem acontecido? As pessoas estão assustadas, afinal.
Hoje (ontem) mesmo, passei toda a tarde andando nas ruas, visitando alguns pontos de fiscalização da Polícia, conversando com a população, e com quem tenho me encontrado há manifestado apoio. Claro que há tensão etc, mas o que dizem é coisa do tipo 'governador, vá pra cima', 'tem que ser duro com os bandidos'.
O senhor consegue fazer uma estimativa de quanto tempo mais essa crise deve durar?
É imprevisível.
Mas, dá pra dizer que a situação está hoje mais controlada do que antes?
Sim, muito mais, houve clara redução de ações. Sem que isso signifique que vá parar, permanecemos 24 horas em alerta, estaremos recebendo ainda mais 100 novos homens da Força Nacional, se necessário vamos pedir mais, enfim, o que entendermos necessário para garantir a ordem no Ceará nós faremos.
Uma coisa que se discute, projetando-se o pós-crise, é quanto à capacidade que tem o governo de dar os próximos passos. Passada a fase do confronto, não é o caso de investir mais na inteligência? O senhor admite problemas nesse campo?
Temos investido fortemente nisso, mas precisamos investir mais. O Centro Integrado é importante, para o Nordeste e para o Ceará, e é necessário continuar investindo em todas as Polícias, não apenas em pessoal como também em equipamento e tecnologia. Queremos implantar, não sei se dará tempo para 2019, o bigdata com reconhecimento facial aqui no Ceará, permitindo que quando um bandido entra num estádio de futebol possa ser reconhecido, para que alguém que tenha mandado de prisão em aberto possa ser reconhecido num ônibus, num posto de saúde ou, até, numa câmera dessa de rua. Estamos buscando o que há de melhor no mundo, contratei as maiores empresas de tecnologia, somos o único estado do Brasil que trabalha com essas empresas para implantar esse sistema aqui. Vamos continuar investindo fortemente em tecnologia, como temos hoje o Spia, que permite prender carros em sete minutos a partir de quando as informações chegam. Dezessete estados já pediram informações sobre esse sistema. Nosso sistema de videomonitoramento tem 2.800 câmeras integradas em todo o Ceará, fazendo leitura de placa, identificação de veículos e continuaremos investindo. Inclusive no sistema penitenciário, onde trabalhamos para evitar o contato do preso, que só vai ser atendido no parlatório, com telefone. Nossa ideia é que futuramente ele não tenha contato com advogado, determinar restrição de visitas, enfim, cumprir o que diz a legislação.
Quanto à classe política, como avalia? Tem chamado a atenção o comportamento do Capitão Wagner, deputado federal eleito, um notório crítico e opositor do seu governo…
Ele me ligou, colocando-se à disposição, parabenizando a ação do Estado, perguntando como poderia ajudar, informando que estaria indo a Brasília para pedir mais apoio do Governo Federal… Esse é um momento de todos se unirem pelo bem do Ceará. As questões partidárias, políticas, pessoais, as vaidades, precisam ser colocadas de lado neste momento para se colocar os interesses da população acima de tudo.