Juliana Diniz: A esperança da crise
“Não apenas fruto de uma crise local, Jair Bolsonaro é a expressão do espírito do tempo. Um dia após sua posse, uma dúvida inquieta: como será o Brasil de Bolsonaro?”
Por Juliana Diniz*
Publicado 02/01/2019 13:24 | Editado 04/03/2020 16:22
As festas de fim de ano costumam relaxar nossa atenção à política. O noticiário se ocupa das celebrações e dos fogos e se acalma. Este ano tem fugido à regra, porque em 1º de janeiro tomou posse o novo presidente, uma personalidade que encarna uma ruptura na dinâmica política brasileira e se alinha a um movimento global de fortalecimento de uma direita radicalmente conservadora. Não apenas fruto de uma crise local, Jair Bolsonaro é a expressão do espírito do tempo. Um dia após sua posse, uma dúvida inquieta: como será o Brasil de Bolsonaro?
O presidente eleito se define como um patriota. Seu slogan de campanha, "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", sintetiza com precisão o pilar ideológico do seu discurso. Em tempos de crise, quando o sentimento de desorganização se instala, é perigosamente sedutor o chamado de um líder populista ao reforço dos vínculos comunitários representados pela pátria. Essa foi a grande lição do Século XX e da experiência do totalitarismo. Para o historiador Eric Hobsbawm, as erupções nacionalistas observadas ao longo do último século são marcadas por alguns fatores concomitantes, observáveis no Brasil de hoje: a desintegração estatal, o colapso de instituições e sistemas jurídicos, o crescimento da violência por meio de facções e a radicalização do capitalismo. Esses fatores se alimentam reciprocamente e determinam o agravamento das tensões, num ciclo vicioso. A crise que se instala é um teste à democracia como conhecemos e tende a se aprofundar nos próximos anos.
Em um texto inspirador, o filósofo francês Edgar Morin nos propõe uma reflexão: como viver em tempos de crise? Sua saída passa pela apresentação de dois princípios – o da esperança e o da responsabilidade. A esperança de que fala Morin não é a crença ingênua de que as coisas acabarão bem, de um jeito ou de outro. É a confiança nas potencialidades de um agir orientado pela ética do cuidado e do respeito à diferença. Quando pensado à luz de um senso de responsabilidade coletiva, a esperança é um motor que impulsiona os sujeitos à mudança, à resistência e à construção. Para o filósofo, a crise determina "não o fim do mundo, mas o fim de um mundo". Isso quer dizer que outro mundo é sempre possível e que, à luz de uma esperança transformadora, é preciso assumir a nossa responsabilidade em agir para torná-lo realidade.
*Juliana Diniz é Doutora em Direito e professora da UFC.
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